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quinta-feira, julho 10, 2014

RETRATOS de LUANDA

Na estrada: não importa a marca do carro nem a cilindrada para ver que no congestionamento do trânsito, em Luanda, os utentes da via acabam sendo iguais. O stress é geral. Tenha ou não AC, potência para cavalgar sobre os buracos ou música soft. Os rostos estão sempre carregados e a boca pronta a despejar impropérios contra quem use da esperteza para ganhar posições.
 
Debaixo da ponte: a jovem sentada sobre a caixa térmica e vendendo água, refrigerantes e ou cerveja lê, anota no caderninho escolar e prepara-se para um futuro longe da venda. Enquanto atende, esboça um sorriso semelhante àquele largado pela empresária que fechou um negócio milionário.
 
Atravessando a via: o jovem é roboteiro (do russo rabota=trabalho) e carrega, por cima dum rudimentar carro de mão, um grande embrulho. Sujo e calçando chinelos sem cor, esfomeado talvez, sorri abertamente, invejando executivos em escritórios climatizados. Quando se gosta do que se faz não há trabalhos entristecedores.
 
Amor de mãe: vende laranjas debaixo da ponte. Ao pé do negócio, engatinha o kasula tendo como bola uma laranja que aprende a jogar. Ao lado, outra senhora descontraída, sentada sobre o balão de roupa de fardo, trança a amiga que agarra nos braços o mona da companheira. Contam-se episódios da última novela televisiva e, quase abraçadas, mostram os caninos, incisivos e molares.
 
É a vida: alegre quando queremos e gostamos do que fazemos. Não é o dinheiro que a torna feliz. É a forma como a aceitamos!

De baixo da ponte, ainda (pedonal): incautos ignoram segurança proporcionada pelo governo e arriscam vidas. Polícia regula os kandongueiros, atravessados, quase perpendicularmente, na via. E manda o trânsito parar para pedestres deixar passar. Quê isso, sô polícia? Não vê que o lugar deles é por cima da ponte?!

Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta a 17/08/2017

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