Fazia
tempo que a sua vida era matar kasumunas enquanto a mulher treinava atletismo
nas ruas da zunga com os fiscais administrativos. Embora não os lesse, Ndinha
comprava sempre, no fim da sua jornada, um exemplar do jornal diário que
oferecia ao marido que viajava de imediato às paginas de necrologia e anúncios sobre
empregos.
No dia
em que se anunciou a possibilidade de se aumentar o número de províncias e
municípios, a cidade toda, as rádios, jornais e televisões nao falaram de outra
coisa senão a possibilidade de os maridos terem mais empregos e as senhoras da
zunga mais espaço e territórios para vender. Ndinha que estava cansada das
corridas nas ruas da Grande Capital já tinha esboçado o seu plano e cochichou
mesmo às amigas que não perderia a oportunidade de se mudar daquela cidade, caso
o assunto fosse levado a sério pelas instâncias superiores e pelo marido que
matava kasumunas há já três anos, desde a desmobilização da vida kwemba.
Posta em
casa, antes mesmo de contar as receitas do dia, Ndinha passou o jornal a Jota
que consertava o fofandó que parara de gritar a sua dor de tanto uso por falta
da energia da rede pública.
Pelos
fundos do quintal, onde Jota se encontrava, não tardou surgir o grito de alegria:
-
Ndinha, minha mboa, amarra o cabrito e as galinhas que estão na capoeira. Vamos
procurar chefe Kapwete.
- Quem é
esse Kapwete, Jota?
-
Mulher, não esquenta. É irmão do chefe Kamundanda. Vamos. Há novos cargos na
Libaju. Não ouviste que país vai aumentar? Temos de nos apressar se não vamos
“lerapiar”.
- Mas, cargo então aonde, Jota. Coisas que explicas nunca só ficam esclarecidas. -Resmungou Ndinha.
- Mas, cargo então aonde, Jota. Coisas que explicas nunca só ficam esclarecidas. -Resmungou Ndinha.
- Vamos. Prepara as crianças e podes também avisar as tuas
colegas que queiram singrar longe de Luanda. Vão criar 3 novas províncias, 75
municípios e sei lá quantas comunas. Já imaginaste quantos vão subir? É vida!
- Jota, é mesmo já você que vai subir?- Tentou
contrariar Ndinha, na sua manina de “só para contrariar”.
- Eu não porquê? Eh? Não porquê?! Já não sou secretário
executivo da Libaju? Aponta aí. “Se tenta” e oito novas circunscrições, vezes
17 comissários eleitorais, sem contar os departamentos e secções, administradores
comunais, os “lima-unha”, os “joga-cartas de baralho” e os “leva-mala” do boss.
Três províncias, vezes trinta directores, três vice, o staff e dependentes, os
assessores… Jota fez pausa para levar ar fresco ao peito que reclamava água
fria, devido à ressaca do dia anterior. E prosseguiu: “se tenta” e cinco
administradores municipais e seus adjuntos, mais o staff das repartições...
Dizem que até os deputados vão subir para 135. Vamos, não me faz perder mais
tempo e oportunidade. Temos que levar o cabrito e as galinhas ao chefe Kapwete que
está a fazer a lista. O período de recrutamento é curto e temos que aproveitar
agora que os tubarões estão ainda na distração das festas e a engordarem com os
cabazes. Vamos!
- É verdade mô Jota, mô amori. É mesmo muita vaga,
Jojó. Vou também avisar a mana Miquilina, minha chefa-adjunta na Anazunga. Ela
também estudou até à quarta classe do tempo de Agostinho Neto. Sabe ler,
escrever e fazer contas de dinheiro. Ninguém lhe aldraba na tabuada!
- Sim dama. É muita vaga mas também muitos dos môs avilos
ainda sem função, vivendo de “mixas” ou das damas como tu. Essa é a oportunidade
da nossa salvação.- Respondeu Jota.
- Sim amor. Haja o que hajar, dessa vez ninguém mais
nos kasumbula. Vamos, antes que as vagas dos municípios acabem. Nas províncias
assim já se tombwelaram, mas nos municípios e comunas ainda deve sobrar. –
Respondeu Ndinha com o kasula às costas, o filho mais velho agarrado à saia e puxando
o cabrito pela corda. A galinha, o pato e um casal de pombos estavam na quinda
que seria ofertada ao boss das listas.
- Vamos aproveitar o período festivo de natal e ano
como motivo da oferta. Assim, o chefe Kapwete não alega “motivos de ordem moral”
para recusar as ofertas em troca de umas vagas num dos novos municípios ou
comunas que estão na forja.
- Vamos Mô Jota, homem vijú.- Respondeu Ndinha
entusiasmada.
A família partiu, deixando para trás a casa arrendada
na Fubu, e as dívidas das birras por saldar. Se vai dar certo ou errado ainda
ninguém sabe porque o tal anúncio no jornal não passou de uma antecipação do
dia das mentiras, 01 de Abril. Como não se despediram dos vizinhos nem levaram
a pouca mobília, que Ndinha foi juntando com o dinheiro da zunga, ainda podem
voltar a casa na maior tranquilidade. Há porém um mujimbo que corre e que
aumenta a expectativa do casal.
Obs: texto publicado no Semanário Angolense de 08.08.2015
publicado no Jornal de Angola de 10.11.2019
Obs: texto publicado no Semanário Angolense de 08.08.2015
publicado no Jornal de Angola de 10.11.2019