Eu |
Trinta e um anos depois, nunca me passou pela cabeça
descobri uma das façanhas, ainda inauditas, do meu finado pai. Ele era um homem
de poucos amigos embora bastante social e aberto. Por isso não conheci os seus
amigos de infância, adolescencia ou mesmo da juventude. Apenas aqueles que nos
rodeavam quando comecei a me reconhecer como homem pensante. E, pior, porque
aos 8 anos vi-o partir para nunca mais, sem tempo para colocar-lhe questões
pertinentes sobre os seus tempos de juventude e aventuras da mocidade.
A 13 de fevereiro de 2013, cruzei com uma senhora, na casa
dos sessenta ou mais anos, que me disse tachativamente que por um pouco eu
seria filho dela.
E, brincava ela, que se tal acontecesse eu seria clarinho
como ela…
Intrigado, perguntei se como seria possivel tal situação, eu
filho dela e ela minha mãe.
E não demorou para retirar da lúcida memória:
- Tu és neto de Ngana Muriangu “Kaphuku”?
- Sim, mãe. Ainda conheci o pai do meu pai.
- Também sabes que na adolescência o teu pai se havia
alcunhado de Chico?
- Sim. Soube disso já no óbito, em 1982. Um primo dele
pronunciava António Chico ao se referir ao falecido. Ninguém mais sabia desse
nome senão ele. Deduzi que fora uma alcunha do meu pai.
António Fernando Dambi (1940-1982) |
- Não, mãe (passei a tratá-la por mãe para buscar maior
empatia e ela estava a gostar). Apenas sabia que tinha pretendido uma mulher
antes de formar família com a mãe dos meus irmãos mais velhos.
A Senhora, alta e não muito forte, vigorosa e um pouco
vaidosa, passou a sua mão, já rugosa, mas cheia de força, sobre a minha
cabeça, puxou um suspiro e disse na língua que melhor domina:
- Andono Chico, eme ngi mungaj´é ú sombili (Eu fui a
primeira mulher do António Chico).
A mulher discursava na variante kimbundu que se fala na
Kibala (K-Sul) e eu em português. Entendíamo-nos bem, pois eu, embora não
domine a oratória da língua Bantu, percebo-a. E continuei.
- Porque não ficaram juntos? Eu também queria ser claro e
alegre como você. Ironizei.
- Pois é (sempre em kimbundu da kibala), eu, na
adolescência, quando nos juntamos, adoecia muito e o teu avô decidiu que
devíamos nos separar. Foi por isso que ele arranjou a kimbangala e eu também
“amiguei” com outra pessoa.
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