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sexta-feira, março 29, 2013

KIMBOMBO: VOCE AINDA SE LEMBRA?

Lí, em tempos no face book, uma reconstituição do jovem José Quitumba, o "Paizinho", em que ele e amigos bebiam kisângua em recepientes de azeitonas. Grande imaginação.
 
Trataou-se de uma recomposição da História recente dos nossos musseques onde a ausência de bolso para a cerveja ou a ausência desta era compensada pela fabricação caseira de uma bebida fermantada designada por Kimbombo.
 
O  Kimbombo era feito à base de arroz fermento e açúcar e havia quem adicionasse uma pilha para incrementar a fermantação. Hoje, os meninos e mesmo alguns jovens já nem sequer imaginam que houve um tempo em que a cerveja não era para todos. As consequencias para a saúde eram tantas.
 
Apesar da imaginação do angolano, entre o entorpecer-se daquela forma, para esquecer as malambas, a viver com muitas malambas sem solução, a escolha recaia, para uns, no suicídio que era tomar a "kissara" como também era tratado o kimbombo. Muitos morreram anémicos, outros por graves complicações respiratórias e outras patologias.
 
A reconstituição do meu amigo Quitumba serve, quanto a mim, para recordar um passado tenebroso vivido pelos angolanos e reflectirmos sobre o que de mau o povo viveu em tempos que não desajamos que  voltem a acontecer.

"Onde hoje se colhem rosas já foi um campo de espinhos". Think about it (Pense nisso)!

sábado, março 23, 2013

Soberano Canhanga fala ao Lusophone Society of Goa

A "Lusophone Society of Goa" é uma media digital e imprensa que visa o fomento da lusofonia no mundo.
"Econtrado" nas redes sociais, fui convidado a conceder-lhes uma entrevista, em português e inglês, que abaixo reproduzo.

1 - Estreou na Literatura angolana em 2010, com o "Sonho de Kauía" e como jornalista profissional é responsável pela comunicação institucional da maior empresa diamantífera angolana, a Sociedade Mineira de Catoca. O que significa para si ser jornalista e escritor ao mesmo tempo?
Ser jornalista e escritor é uma combinação harmoniosa a que me entrego com prazer, já que o jornalista e o escritor habitam o mesmo corpo.
O jornalismo é um sonho de há muito que se materializou com formação neste campo. O exercício da assessoria de Comunicação Institucional em Catoca é a exploração do outro lado da minha formação em Comunicação Social. É uma nova experiência prazerosa a qual procuram chegar grande parte dos jornalistas angolanos, depois de muito tempo a trabalhar em noticias diárias ou periódicas. Quanto à literatura, é apenas um complemento do meu ser. Na verdade, prefiro que me considerem como um "anotador ou contador de cenas", pois estou a entrar na literatura por mero acaso, como extensão do jornalismo que nunca deixei de exercitar, pois o jornalismo, para mim, é como se fosse um vício.

2-O seu livro "Manongo Nongo", lançado em 2012, é um conto infanto-juvenil. Qual a razão de se virar para os mais novos?
- Na verdade, tratam-se de vários contos (fábulas). Uns já ouvidos na infância e recontados com novos cenários e personagens, outros são de minha criação.
Os povos que tiveram um longo período sem o registo escrito faziam a sua História e preservavam a sua cultura através da oralidade. Fui influenciado, na minha infância, pelas estórias e história que ouvia contar dos mais velhos. Decidi levar parte desta oralidade para a literatura, como forma de legar aos mais novos as experiências e vivências que me foram transmitidas na infância de forma oral.
Hoje, são poucas as famílias que conservam o hábito de cantar para embalar uma criança ao sono ou contar uma estória. Já que a juventude hodierna não tem registos orais para reproduzir aos seus filhos, os livros podem ajudar a cumprir esta missão.

3- Porque é que se considera "anotador ou contador de cenas" e não gosta de se denominar escritor?
Considero que os escritores, digno desse nome, são aquelas pessoas que se cultivam para o ser. Que escrevem com profissionalismo e que vivem a fazer ficção. Eu sou um jornalista que, com alguma folga de tempo, vou procurando transcender do jornalismo à literatura. Por outro lado, eu não faço uma literatura clássica. Sou um repórter de vivências e que me sirvo da literatura para representar a realidade. Apesar de tenderem para a ficção, os meus escritos têm uma vertente vivencial. Se houvesse um meio termo entre o jornalismo e a literatura, a crónica por exemplo, é neste género que melhor me situo. Sou um cronista.

4 - Como caracteriza actualmente a literatura angolana?
O lado criativo está no bom caminho. Há maior liberdade de os escritores escreverem e publicarem sem qualquer forma de censura activa ou passiva. Regista-se também o surgimento de muitos novos escritores. Apenas há dificuldades em publicar, visto que não há uma grande cultura de leitura e, por este facto, vendem-se poucos livros. Os livros em Angola são também relativamente caros, pois não temos uma industria de papel e impendem sobre os livros publicados fora do país elevadas taxas aduaneiras. Isso faz dos escritores autênticos mendigos à procura de patrocinadores para as suas criações artísticas. Muitas vezes os escritores têm de suportar os gastos com a edição, como é o meu caso.

5-Quais são os seus escritores angolanos preferidos e porquê?
O primeiro livro que li foi "Vozes na Sanzala" de Uanhenga Xitu. Gostei do livro, gosto da sua bibliografia e da sua forma de escrever. Também admiro a escrita do Ondjaki, um escritor jovem e bastante produtivo, como admiro Jacinto de Lemos, Jofre Rocha, Roderick Nehone, Izaquiel Cori e Ismael Mateus. Há mais nomes mas prefiro citar apenas esses. Todos eles têm uma literatura cativante e tenho-os também como contadores de cenas. Uns, Uanhenga Xitu que é uma figura incontornável da literatura angolana, demonstram mais preocupação com o conteúdo do que com a forma de exposição e, às vezes, eu sigo-lhe o exemplo.

6-Acha que vale a pena incutir o espírito lusófono nos países e regiões de língua portuguesa?
A lusofonia é uma cultura. É algo existente, independentemente da dispersão dos falantes pelo mundo. Goa e Timor não estão nem próximos dos outros países lusófonos nem distantes. Estes territórios estão aí onde Deus e a aventura humana quiseram que estivessem, conservando uma cultura e língua já seculares. A língua estará lá para sempre como permanecerá em África e na América do Sul. É também importante ter em conta que a globalização aumenta a diáspora lusófona. Logo, é de incutir o espírito lusófono nos países e regiões que se expressam em português, e também noutros que queiram adoptar ou comunicar-se nesta língua. É o caso da Guiné Equatorial que vem reclamando o estatuto de membro efectivo da CPLP. Quanto à questão linguística, sou um expansionista. Venham mais falantes!

quinta-feira, março 14, 2013

IGREJA E A POLÍTICA ACTIVA

Vi, a 27.02.2013, um documentário na RTP-África sobre o comportamento da igreja Católica perante a luta pela independência em Moçambique, algo semelhante ao que se passou em Angola e nas demais colónias. No documentário, vários entrevistados disseram que os padres e bispos da Beira e Tete eram pró “indígenas” e, nalguns casos,  até apoiavam os guerrilheiros da FRELIMO, ou quando não o fizessem, pelo menos não os denunciavam à PIDE. Ouvi e vi depoimentos de ex-guerrilheiros a dizer que vezes houve em que recebiam dos padres (italianos hispânicos, nórdicos, etc.) de Tete e Beira medicamentos, comida e outros apoios. A diocese tinha um jornal que também servia de instrumento de denúncia das atrocidades de Salazar e Marcelo Caetano, tendo sido vendido após a morte do “bispo-revolucionário” que por lá andou.
Em Lourenço Marques (Maputo), porém, o bispo era um reaccionário. Era dum alinhamento impressionante com a política repressiva do Estado Novo. Foi apresentado o bispo a afirmar que “eles (os padres) eram portugueses e estavam ai por Portugal e quem assim não entendesse que fosse embora”. O bispo católico de Lourenço Marques entre 1973-74, que foi o período estudado, chegou mesmo a entregar um dos seus padres à PIDE. Ele mesmo acompanhou o agente da PIDE à casa do padre para ser investigado e interrogado.
Quantos africanos terá esse “lobo”, que ainda, torturado?
Por cá, Angola, não devem faltar clérigos que de dia usam batinas e de noite a farda dos elementos que “espancam” activistas e críticos sociais.
Basta ver quantos clérigos se intrometem em assuntos de política explícita ou partidária, esquecendo-se da doutrina bíblica que apela ao amor, perdão, compaixão, caridade e tolerância.
Há clérigos de distintas denominações religiosas que são autênticos activistas políticos deste ou daquele partido. As suas pregações e homilias não passam de comícios onde, de forma directa e aberta, propagandeiam a favor deste ou a desfavor daquele.
São esses que fazem aumentar o cepticismo dos crentes levando-os muitas vezes ao agnosticismo.

domingo, março 10, 2013

POR QUE NÃO NOMEAR EM VEZ DE NUMERAR RUAS DE LUANDA?

OLHANDO BEM,

Não tem o mesmo valor  denominar uma rua com a letra "F" ou atribuir-lhe o topónimo "4 de Abril" que tem um significado especial para Angola. A primeira forma é apenas uma letra. A segunda se refere ao dia em que se assinou a paz para Angola, depois de 4 décadas de guerra.

Na antroponímia bantu os nomes têm significados (épocas ou períodos especiais, homónimos de familiares ou personagens que nos marca(ra)m, etc.). Defendo que tal deva acontecer em relação aos topónimos, visto que há muitos heróis (vivos e defuntos) por homenagear.

Este exercício vem a propósito do que tenho estado a constatar nas Novas cidades que se erguem em Angola (destaque para Talatona, Nova Vida e outras) onde em vez de se nomearem as ruas, elas são simplesmente numeradas ou ainda nomeadas por letras.

Numa altura em que muitas ruas com topónimos do tempo colonial, que homenageavam homens que contribuiram para a nossa desgraça, ainda estão nomeadas como fazia sentido ao colono, existindo outras renomeadas mas com nomes soviéticos e ou comunistas como Lénine, Karl Marx, Engels, etc., não será inoportuno perguntar se estarão em faltam nomes em Angola dignos de serem atribuídos às ruas das novas urbanidades?!

A professora Gabriela Antunes, por exemplo, tem o seu nome atribuído a uma rua de Portugal, não acontecendo o mesmo em Angola. Terá ela contribuido mais para a afirmação de Angola e dos angolanos ou de Portugal? Isso para não falar de políticos, escritores, jornalistas, economistas, músicos, sacerdotes, juristas, filósofos, autoridades tradicionais, heróis da resistência, antigos combatentes e veteranos da pátria, kandongueiros, mágicos, médicos, etc.

Lendo o Vº volume do livro "Agostinho Neto e a independência nacional" pude aprcebere-me, de acordo com documentos da PIDE arquivados na Torre do Tombo e reproduzidos no citado livro, que já em 1972, o Presidente do conselho militar do Ghana tinha ordenado que praças e ruas de Accra tivessem nomes de figuras africanas que lutavam pala independência dos seus territórios. São citados, Agostinho Neto, Holden Roberto, Amilcar Cabral, entre outras figuras.

- Quem me pode dizer onde fica a "Rua Holden Roberto", em Angola, só para citar este nome da luta de libertação de Angola?

Figuras nomeáveis, acho que há uma lista infindável. O quê que falta para se atribuirem nomes de figuras nacionais às ruas das Novas Centralidades?

terça-feira, março 05, 2013

EDNA: UMA RARIDADE NO LESTE

Tarde de Fevereiro, 14 horas. O sol do leste de Angola quase afugenta os pedestres que a essa hora frequentam as ruas, cada vez mais movimentadas de Saurimo.
Acolhidos pelo guarda-sol, na ria principal da capital da Lunda Sul, Edna e Marcos aproveitam retirar dos livros que vendem o conhecimento que trazem. Edna é mais lesta na leitura e, apesar de frequentar ainda o ensino primário, demonstra possuir hábitos de leitura e, por isso, muitos livros já folheados.
- Posso fazer-vos uma foto junto a vossa barraca com livros ? – Indaguei.
- Está á vontade. – Respondeu Edna, numa concordância invulgar para meninas da sua idade. – Mas gostaria de saber o que vai fazer com a foto? Respondeu sorridente a adolescente, entre os 16 e 18 anos.
- Pois é. Sou escritor e alegra-me ver jovens a ler e, sobretudo a expor conhecimentos. – Expliquei, mostrando de imediato a capa do meu “10encantos” que levava comigo.
A jovem percorreu o grafismo do papel, como quem explora uma rica coutada, e rapidamente descobriu a apresentação do autor do poemário.
- É o senhor que escreveu o “manongo-Nongo”? Nem imaginava…
- Sim. Já o leste? É o meu segundo livro.
- Já, mas não era meu. Notei que até a foto que usa nas duas capas é a mesma.
De entrevistador passei a interlocutor. As perguntas e respostas vinham dos dois lados.
- E quando é que o senhor vai lançar este livro? – questionou a rapariga.
- É de poesia. - Alertei. – Deve sair em Maio, se Deus quiser. A propósito, onde é mesmo que a menina estuda? Perguntei, tentando desviar a conversa. Não gosto muito de falar sobre o meu lado artístico na rua, como quem se exibe. E já havia gente à volta, uns folheando os livros escolares e de literatura geral, outros apenas para ouvir o adulto que “paquerava” a criança.
- Estudo no 4 de Abril.- Respondeu.
Puxei pela cabeça, pelas escolas que já li os letreiros e nada. Não consegui situar a aludida escola.
- É ensino médio?
- Não. É ensino primário.
A jovem é duma comunicação fluida e daquelas que olha nos olhos do interlocutor. O jovem ao lado, Marcos, continuava com a sua leitura sem participar da conversa, apesar de aparentar ter mais idade do que ela.
- Em todo o caso, foi um prazer falar contigo. Boa sorte e continua a ler. Vou escrever um artigo porque tem sido raro encontrar alfarrabistas e leitores em Saurimo. - Despedi-me.
Edna soltou um sorriso leve e acenou em gesto de um a deus. Um até à próxima, se calhar.

sexta-feira, março 01, 2013

A MINHA QUASE MÃE

Eu
Trinta e um anos depois, nunca me passou pela cabeça descobri uma das façanhas, ainda inauditas, do meu finado pai. Ele era um homem de poucos amigos embora bastante social e aberto. Por isso não conheci os seus amigos de infância, adolescencia ou mesmo da juventude. Apenas aqueles que nos rodeavam quando comecei a me reconhecer como homem pensante. E, pior, porque aos 8 anos vi-o partir para nunca mais, sem tempo para colocar-lhe questões pertinentes sobre os seus tempos de juventude e aventuras da mocidade.
A 13 de fevereiro de 2013, cruzei com uma senhora, na casa dos sessenta ou mais anos, que me disse tachativamente que por um pouco eu seria filho dela.
E, brincava ela, que se tal acontecesse eu seria clarinho como ela…
Intrigado, perguntei se como seria possivel tal situação, eu filho dela e ela minha mãe.
E não demorou para retirar da lúcida memória:
- Tu és neto de Ngana Muriangu “Kaphuku”?
- Sim, mãe. Ainda conheci o pai do meu pai.
- Também sabes que na adolescência o teu pai se havia alcunhado de Chico?
- Sim. Soube disso já no óbito, em 1982. Um primo dele pronunciava António Chico ao se referir ao falecido. Ninguém mais sabia desse nome senão ele. Deduzi que fora uma alcunha do meu pai.
António Fernando Dambi (1940-1982)
- Já alguém te contou que antes da tua “mãe grande” (referia-se à mãe dos meus irmãos mais velhos), o teu pai teve uma mulher?
- Não, mãe (passei a tratá-la por mãe para buscar maior empatia e ela estava a gostar). Apenas sabia que tinha pretendido uma mulher antes de formar família com a mãe dos meus irmãos mais velhos.
A Senhora, alta e não muito forte, vigorosa e um pouco vaidosa,  passou a sua mão, já rugosa, mas cheia de força, sobre a minha cabeça, puxou um suspiro e disse na língua que melhor domina:
- Andono Chico, eme ngi mungaj´é ú sombili (Eu fui a primeira mulher do António Chico).
A mulher discursava na variante kimbundu que se fala na Kibala (K-Sul) e eu em português. Entendíamo-nos bem, pois eu, embora não domine a oratória da língua Bantu, percebo-a. E continuei.
- Porque não ficaram juntos? Eu também queria ser claro e alegre como você. Ironizei.
- Pois é (sempre em kimbundu da kibala), eu, na adolescência, quando nos juntamos, adoecia muito e o teu avô decidiu que devíamos nos separar. Foi por isso que ele arranjou a kimbangala e eu também “amiguei” com outra pessoa.