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quinta-feira, agosto 01, 2024

O ÚLTIMO POLÍCIA

A patrulha, transportada em turismo branco, estava parada na rotunda do Cemitério do Alto das Cruzes e abordava, aleatoriamente, viaturas que vinham do Largo do Ambiente e do Miramar em direcção ao Kinaxixe.

Saído cansado do trabalho, às dezanove e vinte de uma semana prenhe de pilhas de papéis para despachar, reuniões algo intermináveis e imprevistos ao longo da jornada, apenas a casa, a filha derradeira e o netinho me vinham à cabeça.
A habitual saudação "boa noite papy" e "boa noite avô, me trouxeste o quê", à chegada, têm sido o bálsamo para aliviar toda a tortura do dia-a-dia de um meio-operário e meio-intelectual de gabinete.
Usando um carro de idade avançada, sem mais força suficiente para transpor a acelerador leve a rampa do Intercontinental e fazer a curva à direita, foi, exactamente, ainda a terminar de "escrever" o ângulo recto que o polícia se colocou à frente, fazendo-me sinal para parar e estacionar.
_ É o quê então? Fiz o quê ou o quê que devia fazer e não fiz? _ Caiu-me um céu de interrogações ditas em surdina.
À diante de mim estavam já duas outras viaturas abordadas, sendo que uma delas tinha a porta aberta, vendo-se a perna do condutor pousada sobre o pavimento, enquanto um elemento de farda azul, caki, lia os documentos ã frente da viatura que tinha os faróis à meia luz.
Meio aborrecido, todavia obediente, estacionei entre o carro branco da polícia e o que fora abordado antes de mim.
Como sempre, apressei-me em baixar o vidro e procurei pelo interruptor da lâmpada que acendi às pressas, antes que o homem, alto, 1,76 ou mais, pele escura e massa muscular a apontar-lhe uns 85 ou 90 quilogramas, me dirigisse aquelas palavras de "dá cá isso, mostra lá aquilo, por que não tem aquil'outro?".
O homem abeirou-se de mim, sem pressa, mas também não se fazendo demorar. Controlei-lhe os passos, os gestos e até as ideias e, antes mesmo de me dirigir a saudação, levei a mão ao casaco e retirei a carteira da algibeira que ficou à mostra, esperando que me pedisse os documentos.
_ Boa noite meu director!
_ Boa noite, senhor agente! _ Respondi-lhe meio desconfiado.
Antes, levei os olhos aos ombros dele a tentar descobrir o grau da patente que não tinha. Tratei-o apenas por "senhor agente" o que não é dislate.
_ Caro condutor, desculpe a abordagem. Vejo que está com a carteira na mão. Não precisarei de lhe pedir os documentos. Estamos a fazer uma abordagem preventiva e pedagógica. Sabe que há muita delinquência e não sabemos quem anda nos carros, se são pessoas em segurança, ou raptadas. Normalmente, fazemos revistas dos carros.
Enquanto se explicava, eu transformava a "raiva" do impacto inicial em cordialidade. Afinal, fora uma abordagem inesperada e primeira naquela hora e local de passagem diária, pelo menos de segunda a sexta-feira de todos os meses que já somavam dois anos e tal.
Mal o homem terminou de pronunciar a última palavra do discurso explicativo, baixei os vidros traseiros e aumentei a iluminação interior para que visse que não havia nada mais para além do vácuo e da minha vida, mas ele, diligente e mostrando que é bem-educado, retorquiu.
_ Também não precisarei de revistar a sua viatura. Muitos não gostam, por isso é que lhe estou a explicar. Aliás, para se revistar tem de haver ou mandado ou indícios que nos levem a desconfiar de algo e cumprir com esse procedimento. _ Explicou, deixando-me mais tranquilo e feliz também.
_ Afinal ainda temos bons polícias. O senhor é muito polido e cortês. Muito obrigado! Polícias como você podem até parar-me cinco vezes no meu trajecto do trabalho a Viana. Pena é que são poucos! _ Brinquei.
O homem fez uma continência e o imediato sinal de que eu estava liberado.
_ Obrigado, senhor polícia! Você transformou positivamente a minha noite! _ Disse-lhe a sair.
E como não é todos os dias que assim acontece, deixo este testemunho. Fui abordado (11.07.2024), cortês e cordialmente, por um agente da polícia. Afinal, ainda resta "um agente" que age como a sociedade espera que todos se comportem.

1 comentário:

Soberano Kanyanga disse...

Publicado pelo Jornal de Angola de 01.09.24