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terça-feira, junho 06, 2023

ONDE ELES NÃO QUERIAM MORAR

 KATUTURA!

"Não queremos ficar aqui!"

Ao tempo da segregação racial, "o pecado do governo de Peter Bota e antecessores", cometido na África do Sul e na sua antiga "colónia" Namíbia, até Março de 1990, conta-se que em Windhoek foi feito um desalojamento forçado de uma comunidade negra que se achava no casco urbano e levado aonde só espinheiras e lagartos reinavam, portanto, distante da cidade.

Em resposta ao ignóbil acto, os negros reclamaram em uma língua local: Katutura!

Assim ficou conhecido o maior bairro negro de Windhoek e praça-forte da SWAPO, o MPLA da Namíbia.

Para mim, ir a Katutura é mergulhar na história da resistência e luta pela emancipação dos africanos contra todas as formas de dominação (externas e internas). É também um reencontro com as minhas origens culturais afro-rurais.

No mercado de Katutura, a língua mais falada é Oshiwambo (o que os angolanos decidiram chamar de Kwanyama). No Lubolu, sempre ouvi os camaradas da SWAPO a falarem essa língua, sendo que alguns étimos ficaram gravados no meu ouvido.

A carne bovina fresca e assada "na brasa", a salada e o pirão de masango ou masambala são a principal iguaria servida no mercado alimentar de Katutura e que leva, até o mais refinado pula da metroia, a aderir a deliciar-se com os dedos. ⁹Há, quanto a mim, uma maior interação entre o homem e o alimento. Vi jovens angolanas, com unhas de papagaio, a se desfazerem da finura fingida e atacarem o pirão com os dedos. 

E como os namibianos são zelosos em relação à paz social, decidiram, e muito bem, proibir o uso de bebidas alcoólicas no mercado de carne assada de Katutura. Assim, ou você compra a carne assada e apetitosa para comê-la fria em casa, regando-a com pomada sul-africana que abunda ou fica-se pela água farta (no deserto) e refrigerantes.

Mas sobre Katutura, que fica depois de Khomasdal (bairro dos colored ou mestiços), não é tudo e nem pode caber em uma crónica de vivência efémera de meia hora.

A SWAPO PARTY NATIONAL HEADQUARTERS, ou seja, a Sede Nacional do Partido Organização dos Povos do Sudoeste Africano fica "just" à entrada da urbanização que é uma espécie de Zango ou Comissão do Rangel (Luanda). Ao que me pude aperceber, a decisão da SWAPO em erguer em Katutura o seu "Quartel-General" homenageia o povo que mais sofreu e o apoiou, estando o povo e o partido "so closed" como se diz por lá e umbilicados na nossa língua de construção da nação angolana. Equivale ao "twapandula nawa" e ao jargão "descer às bases e permanecer nelas".

Entre Katutura e a cidade está Khomasdal (como acima anotado), um bairro que servia de tampão entre os negros e os brancos exploradores ao tempo do apartheid. Aos meus pobres olhos, as edificações de Khomasdal se assemelham às vivendas do Kilamba ou ao nosso Zango 5 (ex 8000). A maioria é construção horizontal, sendo pouquíssimos os edifícios verticais de dois pisos. A excepção vai para uma escola que me foi mostrada à distância.

Há outros "bantustões" ou bairros de negros (maioritariamente bantu) em Windhoek, porém, ir à capital da Namíbia e não chegar a Katutura sabe a ir a Lwanda e não chegar à Mutamba (do antigamente) com o seu imponente edifício da Fazenda (MINFIN).

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Punlicado no Jornal de Angola de 18.06.23

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