Phande-a-Umba tem a mãe viúva, idosa e invisual. Malocha viu o pai partir e tem a mãe, também idosa, a morar sozinha em uma casa, na cidade, fora do seu habitat.
Quer a mãe de Phande como a de Malocha viviam no interior do país, em comunidades cooperantes, diferente de Luanda, onde as idosas se sentem isoladas, pior ainda, com as limitações impostas pela covid-19.
Malocha e Phande têm experimentado juntar as duas mães em alguns fins-de-semana, para conversarem. As septuagenárias reclamam a ausência de coetâneas para conversar, contar os filmes de suas vidas e experimentarem novas coisas.
- Os filhos dão comida, empregada e assistência médica. Disso não podemos reclamar, mas será que a vida é só comer dormir e acordar? - Reclama a mãe de Phande.
- Sabemos cozinhar, lavrar, consertar e fazer outras coisas. Mas o quê que a pessoa faz se vive sozinha? - Reclama a mãe de Malocha.
Embora Phande tenha erguido uma casa adaptada às condições de mobilidade condicionada da sua progenitora, tem pensado que se existissem "creches" para os idosos passarem o dia e voltarem no final da tarde às suas residências, o tédio e solidão seriam menores e aumentaria o prazer pela vida.
Argumenta que os idosos trocariam experiências, conversariam sobre suas vidas, suas afinidades, dificuldades e anseios, encontrariam aspectos comuns e, eventualmente, uns voltassem a se apaixonar e casar, como tem acontecido em alguns dos poucos lares de idosos em Angola.
Quer idosos, quanto idosas podem, num lar ou creche, praticar e ensinar artes e ofícios. As mulheres, por exemplo, podem atender encomendas de bolos, kizaka, nfúmbwa, kisângwa e outros, repartindo os proventos entre elas (colectividade da creche). Os homens podem consertar assentos, pintar jarros, etc., enquanto mantêm as conversas em dia e sem pressa.
Em tempos, alguns idosos no Rangel (Luanda) que viviam com suas famílias, preparavam-se, manhã cedo, para saírem em direcção ao bairro Palanca, como se fossem trabalhar. Uma antiga livraria e papelaria, na Rua E, tinha sido transformada em ponto de encontro de idosos reformados que jogavam às cartas e falavam de suas vidas.
- Até contar o número de netos e bisnetos é motivo de conversa, dizia António Kabanga, já finado.
Em Portugal, conheci um idoso, também já finado que se ocupava a escrever as biografias de seus coetâneos à medida que fossem conversando no jardim sobre suas vidas. O velho "virou escritor biografista".
São essas experiências que fazem Malocha e Phande reflectirem sobre se "creches para idosos" não ajudariam a dar mais vida aos anciãos solitários.
- O que diz a legislação angolana sobre a criação de lares privados para acolher idosos?
- É possível explorar esse nicho, a exemplo das creches que cuidam dos menores durante o dia, devolvendo-os ao final da jornada aos seus pais?
Jovens hoje, idosos amanhã. Antes que a mesma desgraça não nos bata à porta, vamos reflectir juntos.
Texto publicado pelo Jornal de Angola, a 23.01.2022