Translate (tradução)

quarta-feira, novembro 30, 2022

ATÉ QUE PONTO CRECHES PARA IDOSOS AUMENTARIAM LONGEVIDADE?

Phande-a-Umba tem a mãe viúva, idosa e invisual. Malocha viu o pai partir e tem a mãe, também idosa, a morar sozinha em uma casa, na cidade, fora do seu habitat.

Quer a mãe de Phande como a de Malocha viviam no interior do país, em comunidades cooperantes, diferente de Luanda, onde as idosas se sentem isoladas, pior ainda, com as limitações impostas pela covid-19.

Malocha e Phande têm experimentado juntar as duas mães em alguns fins-de-semana, para conversarem. As septuagenárias reclamam a ausência de coetâneas para conversar, contar os filmes de suas vidas e experimentarem novas coisas.

- Os filhos dão comida, empregada e assistência médica. Disso não podemos reclamar, mas será que a vida é só comer dormir e acordar? - Reclama a mãe de Phande.

- Sabemos cozinhar, lavrar, consertar e fazer outras coisas. Mas o quê que a pessoa faz se vive sozinha? - Reclama a mãe de Malocha.

Embora Phande tenha erguido uma casa adaptada às condições de mobilidade condicionada da sua progenitora, tem pensado que se existissem "creches" para os idosos passarem o dia e voltarem no final da tarde às suas residências, o tédio e solidão seriam menores e aumentaria o prazer pela vida. 

Argumenta que os idosos trocariam experiências, conversariam sobre suas vidas, suas afinidades,  dificuldades e anseios,  encontrariam aspectos comuns e, eventualmente, uns voltassem a se apaixonar e casar, como tem acontecido em alguns dos poucos lares de idosos em Angola.

Quer idosos, quanto idosas podem, num lar ou creche, praticar e ensinar artes e ofícios. As mulheres, por exemplo, podem atender encomendas de bolos, kizaka, nfúmbwa, kisângwa e outros, repartindo os proventos entre elas (colectividade da creche). Os homens podem consertar assentos, pintar jarros, etc., enquanto mantêm as conversas em dia e sem pressa.

Em tempos, alguns idosos no Rangel (Luanda) que viviam com suas famílias, preparavam-se, manhã cedo, para saírem em direcção ao bairro Palanca, como se fossem trabalhar. Uma antiga livraria e papelaria, na Rua E, tinha sido transformada em ponto de encontro de idosos reformados que jogavam às cartas e falavam de suas vidas.

- Até contar o número de netos e bisnetos é motivo de conversa, dizia António Kabanga, já finado. 

Em Portugal, conheci um idoso, também já finado que se ocupava a escrever as biografias de seus coetâneos à medida que fossem conversando no jardim sobre suas vidas. O velho "virou escritor biografista".

São essas experiências que fazem Malocha e Phande reflectirem sobre se "creches para idosos" não ajudariam a dar mais vida aos anciãos solitários.

- O que diz a legislação angolana sobre a criação de lares privados para acolher idosos?

- É possível explorar esse nicho, a exemplo das creches que cuidam dos menores durante o dia, devolvendo-os ao final da jornada aos seus pais?


Jovens hoje, idosos amanhã. Antes que a mesma desgraça não nos bata à porta, vamos reflectir juntos.


Texto publicado pelo Jornal de Angola, a 23.01.2022

segunda-feira, novembro 28, 2022

MR LEE & JE NE SAIS PAS?

Em Seul, Mr. LeeJE NE 
Em Seul, Mr. Lee, general da armada nas guerras contra os japoneses, é uma lenda que me fez lembrar uma estória (isso mesmo, estória) sobre o Je-ne-sais-pas de França. Contava-se que certo magnata angolense, nos primórdios da nossa existência como país, fora a Paris em trabalho, por duas semanas. Sempre que visse algo espectacular perguntava o que era, quem era ou quem tinha sido o inventor.
Foi assim na Renault, na Torre Eiffel, no monumento de Charles de Gaulle, no Parque de La Liberté, etc. Como resposta, vezes tantas, recebia um seco Je ne sais pas!

No último dia de sua estada em terra gaulesa, deparou-se com um funeral e voltou a perguntar quem tinha ido emprestar cor aos tijolos, ao que o guia o respondeu com ar triste: moi je ne sais pas!
O coitado do "nosso" magnata pôs-se aos soluços, chorando baba e ranho a morte do senhor todo poderoso e engenhoso que fora o Je-ne-sais-pas.

Em Seul, sendo História e não estória, o Mr Lee (rei Sejong) é o nome mais pronunciado pelos guias aos turistas estrangeiros que procuram conhecer um pouco sobre a cidade e o passado de memória colectiva deste povo que odeia os japoneses como os angolanos já odiaram os sul-africanos-carcamanos, donos de aviões "racistas" violadores vezeiros do solo pátrio no tempo das kitotas. 

Ora pela sua bravura e liderança, enquanto general da armada na nvuda contra os da pátria do sol nascente, ora como inventor do alfabeto coreano e outras facilidades, ora pelos eloquentes discursos, enquanto político e diplomata. Mr Lee, o clever Sejong, é nome a reter. Por isso, em jeito de roteiro turístico pelo National Folk Museum of Korea, trago-lhe alguns tópicos sobre o rei Sejong ou simplesmente Mr Lee, terceiro na linha de sucessão e que foi entronizado em 1418, com apenas 21 anos.  
São apresentados em resumo como marcos do seu reinado: Hangul, tolerância religiosa, Pluviômetro, Calendário coreano, Globo celeste, Prensa de metal, Tipo móvelcomo algumas das invenções que se tornaram eo legado do rei Sejong, um dos dois únicos reis da Coreia que foram postumamente premiados com o título de "O Grande".
Sejong não foi o rei escolhido, pois era o terceiro filho do rei Taejong, o terceiro monarca (da dinastia) Joseon. O príncipe herdeiro era Yangnyeong o mais velho dos oito filhos do rei com a rainha Wongyeong e foi preparado para suceder a seu pai. O Grão-Príncipe Chungnyeong, mais tarde Rei Sejong, foi descrito como um estudante muito brilhante e sábio, que amava o seu país e seu povo desde tenra idade. Ele não tinha medo de questionar a autoridade e as crenças tradicionais.
Embora não devesse tornar-se rei, nesse quesito foi favorecido pelo pai. O príncipe herdeiro acreditava que o seu terceiro irmão era a melhor pessoa para suceder ao pai e, por essa razão, comportava-se rudemente na corte, levando ao seu banimento. O seu segundo irmão, o Grão-Príncipe Hyoryeong foi o próximo, seguindo as regras de sucessão. Ele também não queria o trono e decidiu ser um monge budista, deixando assim o trono aberto para o terceiro filho.
O rei Sejong é descrito como um pensador avançado que pretendia deixar de ser um vassalo da China (dinastia) Ming, projectando um país progressista e uma governação benevolente que colocaria o bem-estar do seu povo acima da política. Mr. Lee, como é carinhosamente tratado pelos coreanos, destacou nas relações exteriores, fazendo vários acordos bem-sucedidos com a China Ming e o Japão. Era também adepto do planeamento militar e apoiou o desenvolvimento de canhões, flechas de fogo, pólvora e morteiros.
O rei criou um manual de técnicas agrícolas para melhorar a produção agrícola da Coreia, reformulou o calendário coreano, que na época era baseado na longitude chinesa. Tal permitiu que os astrônomos coreanos previssem as ocorrências de eclipses lunares e solares com precisão. Durante o seu reinado, a medicina tradicional coreana tornou-se diferente da prática chinesa.
Algumas das invenções, durante seu reinado, foram as primeiras do mundo, com a maioria delas inventadas por Jang Yeong Sil, um plebeu cujo talento foi reconhecido pelo rei Sejong e nomeado para um cargo governamental. O primeiro pluviômetro do mundo, o Cheugugi, foi inventado em 1442. Outro coreano, Choe Yun-ui inventou a primeira impressora de metal do mundo em 1243, bloco de impressão de tipo móvel, chamado Gabinja, foi criado em 1434. Um relógio de água auto-marcante, relógio de sol e um globo celestial coreano foram criados durante o reinado do rei Sejong.
O ponto alto de seu reinado foi a criação do hangul, o alfabeto coreano de 28 caracteres que sobrevive até hoje. O hangul foi baseado nos padrões que a boca, os dentes e a língua faziam quando os sons eram criados. Isso aconteceu pelo desejo do rei de que o seu povo, especialmente aqueles das classes mais baixas, fosse capaz de ler e escrever. Publicado em 1446, o alfabeto, fácil de aprender, permite que as pessoas o aprendam em poucos dias e pronunciem com precisão a escrita coreana depois de estudá-lo por algumas horas. O rei Sejong apoiou igualmente a educação e a literatura e escreveu Yongbieocheonga (1445) ou as Canções dos Dragões Voando para o Céu em Hangul. É ainda autor de Seokbo Sangjeol ou os Episódios da Vida de Buda (1447), o Worin Cheon-gang Jigok ou as Canções da Lua Brilhando em Mil Rios (1447). Escreveu também o Dicionário de Pronúncia Sino-Coreana Adequada ou Dongguk Jeong-un.

Nota: com subsídios da pg. Rei Sejong, o Grande, Líder Visionário de Joseon., 

sexta-feira, novembro 25, 2022

DISTÂNCIAS DAQUELE E DESTE TEMPO

"Ai, ia, ia mama

Ai, ia, ia mama

Luanda fica longe!"


Essa canção do folclore angolano (interior) e do tempo da kitota, quando Luanda era "o porto mais seguro", tem, hoje, outros sentidos e outras abordagens.
- Que localidade fica, realmente, distante de qual outra e em relação a que outra de referência maior?
Quando, no Libolo dos anos 80 (sec. XX), cantávamos/reconhecíamos a distância até Luanda, fazíamo-lo com a consciência repousada nos mais ou menos 250 quilómetros alcançáveis somente em viagem de carro, que tinha que superar minas, buracos, possíveis ataques da rebelião (bem identificada e conhecida), avarias e kavwanzas dos tropas no Kyamafulu e outros postos de controlo. Mas havia outras regiões/localidades que distavam mais ainda, em relação a Luanda. Era o caso do Musende, da Kilenda (encravada e sem asfalto) ou do Waku, só para citar algumas. O Kasonge é e sempre foi mais para o Wambu do que Ngunza ou a capitalíssima.
Outros, embora cantassem/lamentassem a distância a que se achavam de Luanda ou Ngimbi, tinham outros referenciais. Ngunza, por exemplo, estava à "mão" de Gabela, Konda Uku, Hebo e Kibala, embora sofrendo os mesmos empecilhos na via. Do mesmo modo que os libolenses consideravam os kasongenses de "os mais distanciados de Luanda", os da Gabela, Konda e Seles também achavam os libolenses entre, ou senão mesmo, "os mais distanciados de Ngunza Kabolo". É o sistema de referência (física e social).
Bem, com estradas asfaltadas que vamos tendo e com manutenção permanente; escolas de qualidade e professores valorizados (com residências onde não haja mestres locais); postos e centros médicos com pessoal valorizado, instrumentos e medicamentos; campos agrícolas em permanente lavragem e colheitas, surgirão aldeias lindas que devem ser organizadas, energizadas e com água encanada, trazendo a pequena, media e grande indústria atrelada à cadeia agropecuária.
Quando isso acontecer (é possível que sim), teremos todas as distâncias encurtadas. Uns viajarão comodamente, sem pressa nem desgaste. Outros preferirão não migrar para o desconhecido, pois as suas aldeias farão homens fartos e felizes em realizarem as suas vidas e seus sonhos ao pé de seus ancestrais vivos e ou chorados.
Quando esse dia chegar (e temos todos de nos esforçarmos, cada um no seu posto e com o seu saber, para realizar a nossa pátria) já ninguém perguntará se "entre Libolo e Kasonge (norte e sul); Port'Amboim e Musende (oeste e leste), quem está mais distante e de quê?" A vida será prazerosa, onde quer que se esteja, e as viagens por terra transformar-se-ão em um autêntico deleite turístico!

sexta-feira, novembro 18, 2022

ESTÓRIAS DE VIANDANTE


 1- A pedra "é" do MPLA!

Está escrito e tem sido dito, vezes sem conta. É assim que os passageiros de moto-táxi ou acaba-de-me-matar respondem quando ficam no intervalo entre Kondé e Hebo.

- Ficas aonde?
- Fico naquela pedra do MPLA.
Nisso de fazer campanha e mostrar o símbolo do Glorioso aos adultos e jovens do amanhã, o Hebo me parece estar bem. Falta saber o que fazem os homens do Partido na EN 240, segmento Kibala-Musende, sobretudo na área do Gango.
- Kenhê que manda naquela jurisdição?
2- Os postes metálicos em tripé achados na via Kibala-Karyangu, contam os locais, "deviam levar energia da sede municipal à comunal". Quando estivesse construída a mini-hídrica de Karyangu (que continua no papel), "a mesma linha levaria a luz de Karyangu à Kibala", acrescentam amwalyakime.
Veja como estão?
O mesmo se diz dos postes de betão que ligavam a Kibala ao Kondé (Hebo).
Alguns fizeram a guerra para a suposta "(in)dependência total" sem pensar em ou desejar um futuro de luz e com luz!
Felizmente, há sinais de descarga de postes de betão (média tensão) na rodovia Kibala-Musende. Em breve serão implantados no solo, ao que se seguirão outros trabalhos como a montagem de cabos e construção de centrais eléctricas de despacho, recepção e distribuição.
3- Musende seria o meu ponto de paragem, mas não o destino final. Grafo sempre como reclamo que devia ser nas línguas angolanas de matriz africana, no caso da região o Kimbundu. Musende foi, porém, o ponto culminante, ou melhor, encontrei "a porta fechada".
Indagados sobre o estado da rodovia que me levaria a Malanji (135 Km), os jovens que preferem frequentá-la de moto disseram-me:
- kota, essa via está péssima.
Recuei e meti-me na que vai ao Kwitu (295 km). A resposta deixou-me segundos petrificado, sem força para premer o acelerador.
- Kota, esta está pior do que a de Malanji.
Olhei para as poucas horas que me restavam, antes da despedida do sol, e fiquei a pensar, a me questionar sem respostas.
- Ngibanga kyebi?
- Ndilinga ndati?
- Ngiditela kwebi?
- Ndenda pi?

4- De volta à EN 240, os rápidos do Longa, na sede de Karyangu, e a antiga ponte assente em base de pedra e plataforma metálica (a plataforma original foi deitada água abaixo pelos dinamitadores de costume) convidam-me para o deleite. Conferi estórias ouvidas à realidade vivida. Mas é já próximo de Kibala que um motoqueiro me impede a ultrapassagem. Carregava atrás um "fardo" circular com perto de sessenta centímetros de diâmetro. Eram enormes cogumelos que levariam, sem dúvida, alguma alegria à panela, ao prato e ao estômago.

sexta-feira, novembro 11, 2022

"PÉSSIMO, PESSIMÍSSIMO E MAIS MELHOR"



A vida se reinventa. Assim também as línguas e os respectivos elementos morfológicos, como é o caso dos adjectivos. Viajar sobre rodas pelo país adentro é um deleite inenarrável. Tudo o que se possa partilhar é mera tentativa ou forma de convite para aguçar o apetite pela descoberta de um mundo que é nosso e ao nosso dispor, sem fim.

O calendário apontava 11 de Novembro deste quadragésimo sétimo ano da nossa história como Nação. Acompanhado pela mulher, decidi presentear-me com o conhecimento das restantes três vilas kwanza-sulinas, à data, ainda em falta: Kilenda, Kasonge e Musende.
A Kilenda, pequeno município encravado entre Kisama, Kibala, Hebo, Amboim, e Port'Amboim, esteve, durante toda a sua história, mais para o Port'Amboim do que para a Gabela que lhe fica a escassos 25 quilómetros e, hoje, a 30 menos de trinta minutos (a contar com o novo asfalto serpenteante).
Dizem os kilendenses ouvidos que "entre duas picadas, a melhor era a que os levava ao mar, local mais seguro e próspero". Mas é também notório, no falar e agir, que kilendenses e amboimenses/gabelenses se parecem gêmeos ou feitos uns para os outros.
Testemunham que "o alcatrão deu vida às pessoas e à vila" que se reergue do sufoco e esquecimento.
"Depois de muito tempo nesse matuku¹, temos hoje, mais do que nunca, a certeza de que as estradas de alcatrão modificam a vida das pessoas e das localidades", contou o funcionário público Erneste Sabalo ansioso agora em ver a sua vila ligada por estrada asfaltada ao Kizowo (Kibala), passando por Ndala Kaxibo, cuja requalificação da picada (hoje bastante acidentada) está para sair do papel.
À entrada, há um outdoor a anunciar "Bem-vindo à vila paisagística de Kilenda". Verdade constatada, a paisagem é um encanto. Porém, o senão foi ver pouca venda. Se calhar, dado ao facto de a vila de Kilenda ter apenas uma entrada asfaltada e, por isso, poucos visitantes.
Mesmo assim, deixei a vila/município da Kilenda com incomensurável satisfação. Afinal, faltavam-me apenas mais dois municípios por desvendar e explorar. Aos 25 minutos até Gabela, acrescemos outros 30 até Kondé e ainda restou tempo para levar a mulher a conhecer a vila do Hebo, outra com apenas uma entrada asfaltada e que reclama, igualmente, o alcatroamento da via Gabela-Waku Kungu.
O Musende, que dista perto de 200 quilómetros (passando por Kibala) era o próximo desafio, demandando quase duas horas com breve paragem em Karyangu (onde se diz que tem projectada, há décadas uma mini-hidrica para apoiar a agroindústria e afins) e outros abrandamentos para melhor contemplar os campos agricultáveis e agricultados, a floresta extensa e aberta, os rios caudalosos e pachorrentos, os estuários alagados, as bandeiras dos partidos que se esqueceram do símbolo maior da nossa identidade (vermelha preta e amarela), as montanhas pedregosas e um infinito de detalhes naturais que "só se vivem in loco".
Na sede da comuna de Karyangu, por exemplo, deu para contemplar a beleza dos rápidos do Longa, junto à antiga ponte suportada por pilares de pedra. O tabuleiro original foi deitado àgua abaixo pela Unita, nos anos 80 do século XX, tendo sido substituído por um tabuleiro metálico. A asfaltagem, entre 2010-13, da antiga picada que é hoje a EN240 levou a construir um ponte maior e mais segura. O adolescente Kapakata diz, sem titubear, "gosto de passar naquela ponte kapequena, que brilha ao sol, mas essa é mais melhor".
Até Musende foi um mimo. A estrada é convidativa. À entrada da vila, que se acha perdida entre casas de kudibangela, anuncia-se numa rotunda as distâncias: Malanji=135 Km; Kwitu=295.
Olhei para a mulher que, hipnoticamente, também mirava os olhos para mim. Precisávamos de definir o destino.
- Vamos a Malanji, marido! - Disse quase ordenante.
- Vamos comer primeiro. - Procurei baixar a sua ansiedade e aparente desejo de encontrar o mais cedo possível água morna para afugentar o cansaço e uma cama limpa.
Adentramos as ruelas dos bairros à procura de letreiros que indicassem restaurante ou similar. Debalde!
De volta ao asfalto, que anunciava o seu fim, parei a "viata" e perguntei onde se podia comer. Não estava em questão onde dormir, pois sabíamos que seria difícil encontrar.
- Kota, devia parar na praça. Há lá barracas e umas manas que organizam um pouco bem a comida, mas já que está aqui, apanha a estrada que vai ao Kwitu, olha à sua esquerda e vai encontrar "uma restorante". - Sugeriu o jovem a quem me dirigi.
Não foi difícil encontrar, apesar da via sofrível que mostrava alguns restos de alcatrão, já sem data conhecida, entre o castanho e ravinado pavimento.
Ante a presença de alguns mizangala³ aproveitei pôr conversa com um deles.
- Jovem, por favor, boa tarde!
- Boa tarde. - Respondeu com cara de poucos amigos.
- Vem, por favor. Sabe dizer como está a estrada até Malanji?
- Eh, kota! Está péssima. Nós preferimos ir de mota pequena em vez de carro. Está mesmo mal. - Explicou com detalhes de conhecedor ocular.
A mulher reclamou da inexistência de condições no interior do tal "restorante" e desistimos do almoço. Faltava encontrar um sítio para dormir e ficámos a pensar nos 135 quilómetros até Malanji ou nos 295 até Kwitu. Eu decidi ir em direcção a São Lucas, caminho do Ndulu/Vye. Ela estava céptica.
Andámos na direcção que propus, perto de meio quilómetro, e senti que, se insistisse, podia chegar sem a coluna ou sem o carro. Parei e voltei a perguntar a mais um jovem que fazia moto-taxi.
- Mano estás bem?
- Sim chefe, somente vós?
- Nós ainda estamos. Diz-me. Conhece esta estrada do Kwitu? Como está em relação à de Malanji?
- Eh! Essa está pior. - Respondeu em tom desaprovador.
A mulher ainda tentou convencer-me em conceder-lhe a graça dos 135 quilómetros em rodovia tida como "péssima". Eu fiquei impávido. Literalmente sem forças para premir o acelerador e a pensar no adjectivo que se sobrepusesse ao péssimo que é superlativo absoluto sintético de mau.
- Mulher, sendo que uma estrada foi relatada como péssima e outra pessimíssima, temos de voltar à EN 240 (Musende-Kibala), almoçarmos na Kibala e dormitar no Waku. É soluça. Que achas?
A Irlanda murmurou um "nim" repleto de desalento, fome e cansaço que só seriam mitigados pela beleza do que se punha à vista.
=
1- Cova, esconderijo, ninho.
2- Autoajuda, precárias.
3- Jovens.
=
Texto publicado no Jornal de Angola edição de 20.11.22

terça-feira, novembro 01, 2022

A PEDOLOGIA E A AGRICULTURA

O kota André Buta, Geólogo PhD, é dos que indirectamente mais me dá "sangue" quando se trata de alimentar o meu hobby de plantar árvores e cuidar delas com recurso à ciência geológica.

Nasci numa aldeia interior e, até aos 10 anos, vi-me cercado por árvores nativas e plantadas por homens, os meus pais e parentes.
A cidade de Luanda, que encontrei em 1984, era ainda arborizada e com lavras à volta, o que fez com que, mesmo na cidade, "desconseguisse" retirar o mato de mim.
Trafegando entre Madrid e Sevilha, o meu espanto foi ver pinheiros, oliveiras e citrinos a crescerem saudavelmente por cima de pedras. Sim, isso mesmo. Pedras ou rochas.
- Kota André, já viu?
- O quê?
- As pedras e a agricultura. - Emendei.
- Pois é! O estudo e conhecimento da pedologia permitem. Basta fazer um sulco ou haver uma lâmina de terra e rega. O resto, a própria planta resolve em termos de enraizamento e sustentação.
- Assim vai me dizer que o "drilling" também é chamado na agricultura?
- Vê bem. Acima da rocha deve haver uma pequena canada que não suporta a aplicação profunda da planta. A solução, quando tal acontece, é mesmo perfurar a rocha e encaixar a planta em uma saqueta de plástico. Depois, a planta cuida de se adaptar, crescer e mandar as raízes se fixarem e buscarem o alimento aonde for possível.
- E nós, com tanta terra, tanta água e tanto sol, continuamos "preguiçosos" em plantar. Já viu, kota?!
- Pois é. Chamem os geólogos! - Fechou o capítulo da longa conversa sobre a geociência que ele bem domina.
- Vou insistir, tentando, mesmo que seja em solo arenoso/poroso e clima quente. - Falei para meus botões.
Sempre podemos alimentar a planta mesmo em terreno de elevada porosidade, em que a água arrasta para o fundo os nutrientes, deixando-a sem alimento.
Faça um sulco de 80 a 100 cm de diâmetro e igual medida em profundidade. Preencha o espaço com empréstimo (terra melhorada) ou adubo orgânico feito de restos de alimentos e terra (qualquer que seja).
Para fazer o adubo orgânico, tenha um balde de 20 litros ou outro maior, faça pequenos furos na base para drenar. Sempre que tenha restos de comida (carnes, vegetais, folhas, cereais, carnes, cascas de ovos, etc.) deite no balde e jogue uma pequena porção de terra e água, mantendo-o sempre tapado para evitar odores, se fizer este processo dentro do quintal.
Ao fim de sessenta ou noventa dias, depois de o balde estar cheio, terá a matéria orgânica decomposta e pronta para servir de nutriente às plantas. Esse composto alimentará, na proximidade, a sua planta (abacateiro, mangueira, safueiro, jaqueira, citrino, romãzeira, videira, maracujazeiro, goiabeira, figueira, nogueira, artocarpus altilis (fruta-pão), bananeira, ou ainda hortaliças como couves e repolho, etc.
Temos experimentado, há já algum tempo, com bons resultados (em Viana e Zango). Cada manga, mamão, banana ou quiabo que se colhe em casa são sempre alguns Kwanzas que se poupam, para além da alegria da criança que aprende o ciclo da planta, da estaca ou semente até à fruta.