"Mais vale desintegrar um átomo do que o preconceito" (Einstein).
Os povos rurais do Kwanza-Sul, nomeadamente os do Ebo, desde sempre que "encabeçaram" que a mandioqueira, a batateira e a cana plantam-se na vertical, o que resulta em apenas um broto, fraco enraizamento e, concomitantemente, baixa produção.
No Ebo, julga-se que o cultivo de feijão e milho, por exemplo, "são coisas de mulheres". Os homens, contam eles, devem dedicar-se à cebola, tomate e, quando possível, à recolha de abacates e mangas.
Confirmei que a batateira, a jingubeira, o milheiro, o feijoeiro e a mandioqueira crescem, regra geral, sobre a mesma estaca o que os leva a uma grande disputa por espaço e nutrientes, resultando em fraca colheita.
A prática é antiga e não se muda desde os tempos avoengos, inexistindo técnicos de extensão agrária que corrijam os modelos menos produtivos para propiciar mais renda às famílias votadas totalmente ao cultivo da terra.
Ao mesmo tempo que não mudam o procedimento, para esperar por resultados diferentes, vão lamentando a escassez e a fome e "invejando" a fartura do branco colono que já se foi, há quarenta e sete anos, e dos poucos fazendeiros avisados na arte do cultivo da terra.
Na manhã de 12.02, após anotar mentalmente o modo de produção dos eboenses, chamei um jovem para uma curta conversa sobre as melhores práticas agrícolas. Falei-lhe sobre a necessidade de separação das culturas, plantio denso e rotativo.
Falei-lhe das três formas de vencer a fome a curto, médio e longo prazo, conforme um adágio que li: cultivar "cereais, árvores frutíferas e conhecimentos".
Mostrei-lhe como seria possível "andar a rir à toa" daqui a cinco anos, apostando na agricultura, sobretudo no plantio de frutícolas.
Com uma pedra a fazer de caneta sobre o másculo solo torrado pela chuva (ainda) ausente, desenhei:
Imagina-te que tens dois hectares. Em um semeias somente feijão, sendo que a colheita pode se de 3 toneladas (3 mil quilos). Imagina que o teu lucro médio seja de Kz 400/Kg. Multiplica Kz 400 x 3000 Kg =1200000.
- Um milhão e duzentos?! - Exclamou Tony, admirado.
- Sim. Isso mesmo. Pensa bem e age. - Recomendei.
No segundo hectare, continuei a prelecção, planta, com espaçamento de 4 a 5 metros, abacateiros, o que te daria 20 linhas com cada 20 árvores, totalizando 400 abacateiros.
Perguntei a ele quantas caixas colhia em cada árvore e qual era o preço da caixa de abacate, hoje.
As respostas foram: média de 8 caixas por árvores, ao preço de Kz 1300.
Pegamos a calculadora e fizemos, de novo, as contas: 400 árvores vezes 8 caixas, vezes kz 1300 = Kz 4160000 (quatro milhões, cento e sessenta mil).
- Tudo isso, tio?
- Tudo isso, sim. É possível se agires como empreendedor.
Quanto à mandioqueira e batateira, passa a fazer campos separados e a plantar na horizontal para maior enraizamento e produtividade. Sabes que quanto mais raízes houver, mais mandioca haverá. - Expliquei.
O jovem, radiante, esfregou as mãos e prometeu agir.
Numa visita que fizemos, à tarde, a um idoso (tio Sabalu Lumbu) que nos recebeu alegre e em família, no meio da conversa, depois dos habituais "mahezu", passei os mesmos conhecimentos, explicando quantas raízes teria numa estaca horizontal de mandioqueira ou batateira, ao que ele mesmo foi conferindo.
Falei-lhe das vantagens das árvores de frutas e, de novo, fizemos as contas com números ditados por ele. Perguntei -lhe sobre a ausência de peras e maçãs do Ebo, muito estimadas por pessoas de idade que por lá passaram, e o mais velho "espetou-me" (com o devido distanciamento covidiano) um valente abraço.
- Sobrinho, obrigado! Vou experimentar. É saber até morrer! Se os brancos tinham saído de suas terras para fazer agricultura aqui tinham grande produção é porque dá lucro. Mal deles, e dos fazendeiros também, é que não ensinam o povo como acontece na Cela. - Rematou o tio Sabalou visivelmente alegre, oferecendo-me, depois, uma cabra que ficou na vila cede do Ebo para reprodução.
De regresso a Luanda, fiz paragem, obrigatória, na aldeia de Pedra Escrita (Libolo) onde deixei marcas da minha meninice. Na conversa com o mano Gonça, veio de novo o tópico do plantio. A introdução aconteceu quando ele me convidou a ir com ele à horta para apanhar cana. Perguntei-o (estavam outros nossos parentes à volta) como é que plantavam a cana, a batateira e a mandioqueira. O meu espanto foi receber explicações convincentes deles que julgavam-me desactualizado, ante a minha luandização desde 1984.
- Se você quer deixar Luanda para vir fazer fazenda é melhor aprender já. Agora a "semente" põe-se deitada". - Disse, num misto de brincadeira e seriedade, Victória Sabino, uma prima e ex-colega da "kabunga".
Peguei um palito e, ante ao momento de convívio e atenção que me brindavam, fui perguntando:
- Mas, é deitado assim (oblíqua) ou na horizontal?
O mais velho Kapitia Silva que estava de pé, tomou a palavra, como que explicando a um infante. Fez comigo conforme procedi com o Tony, no Ebo. Pegou ele o palito e foi explicando:
- Mano Kajila, vê bem. Essa (referia-se ao palito) é a mandioqueira. Se lhe mete de pé, como fazíamos, só nasce um filho. Onde nasce o filho é que aparecem as raízes. Está perceber, nê? Agora se o mano põe deitado, em todos os botões (nódulos) nasce filho e nasce raiz. Se cada raiz é uma mandioca, então o mano já sabe qualê o método que dá mais mandiocas. É ou não é, mano?
Todos os olhos estavam virados para mim (no pensar deles, o luandizado que não entende de novos métodos de plantio).
- Agradeci e, com o mano Gonça, fomos à horta. Mostrou-me o milheiro que não disputa terreno com nenhuma outra cultura e foi explicando:
- Mano, aqui temos o milho. É somente milho. Ali temos a mandioqueira que também está sozinha. Ali em baixo são as canas. Já desactivámos as mandioqueiras para as canas crescerem sozinhas. Lembras-te dessa mangueira?
- Não, mano. - Respondi.
- É aquela que me deste com a cajá-manga. Já está a dar frutas há 4 anos. A parceira dele é que secou.
Beto Spina colheu canas, enquanto o tio António apreciava e elogiava as explicações do mano Gonça que estava muito avançado em relação aos povos do Ebo.
Publicado no Jornal de Economia & Finanças a 15.04.2022