Translate (tradução)

sexta-feira, abril 22, 2022

TRAVESSIA LESTE

Rio Longa, 06.03.2022 - O local fotografado fica à montante da "ponte do Lususu" que liga o Lubolu à Kibala. Levado pela curiosidade e exploração turística da região, meti-me, pela primeira vez, pela rodovia asfaltada (depois da guerra) que une os dois municípios do Kwanza-Sul, a leste da EN 120.

Até aqui, tinha parca memória daquela via que me levaria à aldeia de Kisangu onde vivia o meu homónimo (irmão do meu pai) que terei visitado em 1977. Lembro-me apenas que fui carregado ao ombro do meu pai e a aldeia tinha uma lagoa por perto, onde apareciam patos selvagens que chamávamos por pato d'água.

Depois do falecimento do meu "pai pequeno", na década de noventa do século passado, o filho Manuel Luciano (também finado) mudara-se para Kisangu, onde deixou a viúva e o filho.

Saído do Kisongu, juntei ao útil o agradável: conhecer a primeira estrada e primeira ponte sobre o rio Longa, por onde se trafegava de Luanda à Nova Lisboa (Huambo), passando pela ponte Filomeno da Câmara (travessia sobre o rio Kwanza), rio Longa (ponte que antiga na imagem), Kibala-Santa Comba (Cela) e daí em diante. Foi também uma oportunidade para conferir as imagens que conservava da visita ao Kisangu e ver os parentes.

Sendo a primeira passagem e sem estórias e história sobre o tabuleiro, a visualização de destroços no rio forcou a paragem.
- Ela foi destruída pelos maninhos na guerra de oitenta. - Contou o ancião Kime que pescava à linha no rio Longa.

Engoli desapontado com os autores, mergulhando num caudal de interrogações:
- Por que a destruíram, se ela até andava bem escondida numa picada remota?
- Quanto dinheiro se terá gasto na sua substituta?
- Por que não se pouparam coisas que a todos faziam e fazem falta?
Continuei a marcha, num asfalto sem mácula. Dois quilómetros depois, parei para perguntar se já estava no Kisangu, ao que as senhoras que marchavam de regresso para casa disseram sim.
- Ka mon'Andono K'aphuku. Luciano Kajila nduku yami¹.- Apresentei-me, ao que me indicaram onde vive a viúva e o filho do meu finado primo Manuel Luciano.
Uma casuarina de flores vermelhas convidou-me a adentrar uns 15 metros que separam o conglomerado habitacional familiar da rodovia. Plantar flores é um hobby da minha família paterna e "não podia ser outro lugar". Falei para a mulher que me acompanhou na viagem.
- Como é que sabes que é aqui a entrada?
- Vamos. Eu sei que o Manuel gostava de Plantas. É um hábito de família.
Encontrámos o Mingo, meu sobrinho a colocar barro numa parede feita de adobes. A casota tem cobertura de chapas de zingo.
Apresentou-me a sua avó materna que fomos saudar, apresentando-me num Kimbundu aportuguesado e usando o mesmo discurso. Sou filho de António e chará do finado Luciano.
A idosa, já com pouco foco nos olhos, passeou a memória pelo tempo. Vieram-lhe as imagens e as conversas. Agradeceu a visita surpresa e desejou-nos boa viagem.
Já a sair, depois de ter deixado ao sobrinho umas patacas, surgiu a mãe dele que recebera recado de que iam pessoas num carro à casa dela. Chegou ofegante. Quase não conseguia falar. Não lamentou a nossa ausência, o que era de esperar. Afinal o Kisangu já não fica longe. É fora do tráfego normal (EN 120) mas tem também estrada asfaltada e a ponte que fora destruída já foi reposta há maus de dez anos. Aliás, foi isso que levou alguns dos Kisangwistas, que se encontravam refugiados em outras paragens, de volta à aldeia natal.

A "cunhada" queixou-se do miúdo que, sendo órfão de pai, decidiu arranjar mulher.
- Não há problema, cunhada. Vamos ajudar. Ele é teu filho único e precisas de alguém por perto para se ajudarem. Não fez mal. está é a fazer bem. Tinha já deixado umas moedas mas, agora que me falou do pedido, acrescento mais essas moedas para ver se ajudamos na compra das coisas do alembamento.
Vieram-me à mente imagens de conversas (poucas) com o meu homónimo e de meu primo Manuel Luciano, da vez que fora rusgado pelas FAPLA e levado a Kalulu. - Os olhos quase se emocionavam e despedi-me prometendo não desperdiçar a próxima oportunidade para visita-los.
- Já sei onde vocês estão. Fiquem bem, cunhada!
Com a estrada a inclinar para Oeste, atingimos a EN 120, próximo de Mbumba-Alunga, onde se instalou uma grande empresa agrícola. Lá vive a irã mais nova de António Fernando, meu finado progenitor. A terceira paragem foi na aldeia Xele (Shell), mais a norte, onde vive uma das minhas irmãs, a única que decidiu viver na Kibala. Quer a tia Kambandu, quer a Júlia tinham ido às lavras.
Com o sol a afundar-se no Atlântico, Luanda ficava a 4 horas.

=
1- Sou filho de António Kaphuku. Lucianop Kajila é meu homónimo (chará).

Publicado no Jornal Cultura de 11 de Maio de 2022

Sem comentários: