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sábado, janeiro 29, 2022

A ARTE FÚNEBRE DOS EBOENSES

A imagem mostra uma cidade. Sim uma necrópole. A foto foi feita na rodovia que liga a comuna de Condé à vila sede do município do Ebo, Kwanza-Sul, Angola.

Aqui, a condição social do de cujus reflecte-se na última morada que pode ganhar a configuração daquilo que deixa ou contar a historia da relação havida entre o defunto e o tijolo, cimento e cal.
Visitando a necrópole, junto ao monumento dedicado aos heróis (governamentais) da Batalha do Ebo, é possível ver o engenho artístico dos nativos e aperceber-se de quem, em vida, era quem!
Avô Francisco, sexagenário, diz-se "muito viajado", na sua qualidade de camionista, comerciante e ex-militar, e atesta, sem pestanejar, que "dos muitos povos que conhece, os eboenses transcendem-se na arte de fazer campas".
Parecem arquitectos e engenheiros civis, sendo que "todo o óbito termina com a construção da campa", cujas dimensões e arquitectura dependem do valor social e económico detido, em vida, pelo defunto.
"Pode ser que tenha feito e deixado dinheiro, que tenha feito e deixado filhos, sobrinhos, netos e muitos bons amigos, que tenha sido soba ou outra pessoa notável e muito respeitada pela comunidade. São esses e outros atributos que determinam o tamanho e os contornos da campa", relatou.

sábado, janeiro 22, 2022

BOA TARDE, SENHORA NJINGA!

A chuva que caiu em Malanje, na comemoração da tarde de 30.10.21, tinha levado a energia por algumas horas. Tal fez escurecer o interior da sede do GPB, aonde me dirigi para um trabalho técnico com o mais velho Ngunza e o confrade Natalício.

Desde tempos imemoriais que "as malanjinas têm fama de "terem peitos alaranjados e corpo desenhado a lápis". Se é verdade ou makutu¹, nunca comprovei e nem sequer vou a tempo.
Verdade verdadeira é que sem as mawanas², esquecidas algures na Ngimbi, caminhei uns passos no escuro, até ver um vulto, uma silhueta que me parecia ser de uma "senhora" preta linda e excessivamente torneada.
Pretendendo ganhar tempo e simpatia para chegar ao andar onde me esperavam, larguei uma vênia;
- Boa tarde, minha senhora!
Aguardei pela resposta e debalde! Ouvi só silêncio.
Aproximei-me recticente com um mar de interrogações.
- Por que a senhora não me responde? Será surda?
Avancei mais uns passos até aonde ela se achava hirta. Qual o meu espanto?
Quase a sentir-lhe o perfume e a apalpar-lhe as dóceis malalanza, notei que era a "senhora" que vc vê!
=
¹ Mentira
² Óculos

sábado, janeiro 15, 2022

CONTEMPLANDO O QUE O EBO EXPÕE AO VISITANTE

Há três anos que vinha prometendo a mim mesmo e à tia Mariana que iria conhecer o Ebo. Tentámos, Beto Martins e eu, em 2018, sem sucesso, pois, chegados à Kibala fomos informados que a anfitriã se encontrava no hospital da CADÁ a cuidar da filha adoentada.

A viagem que seria para o Ebo, à data ainda sem asfalto, acabou tendo como destino a Gabela e CADÁ, regressando no dia seguinte a Luanda.
Eis que a natureza surpreendeu-nos negativamente e levou a nossa mãe Mariana, forçando a nossa ida ao Ebo para a última despedida. Assim, num ambiente impróprio para turismo, pude ver o monumento (provisório) que homenageia os combatentes (governamentais) da célebre Batalha do Ebo, onde se expõem, entre outras sobras da guerra, três carros de assalto despedaçados que terão pertencido ao exército invasor sul-africano (ao tempo da segregação racial).
Vi também os cemitérios (vários ao longo da rodovia) que mostram a arte fúnebre desse povo. Os eboenses constroem sumptuosas necrópoles, dando formas habitacionais e de outras figuras geométricas às campas. Construir a campa de um defunto é um dos principais rituais deste povo, quando o assunto é homenagear quem nos deixou e manter a proximidade entre os que ainda vivem e os que se anteciparam no caminho sem volta.

Sendo povos vizinhos dos Kibala, os eboenses também têm sepulturas construídas em pedras e, às vezes, sobre pedras. Mas não é tudo! Lá estão também as pinturas rupestres de Dalambiri e uma minúscula vila que se acha no interland, a 25 quilómetros da comuna de Condé, estrada Kibala-Gabela.
Os eboenses, que só vêm iluminação eléctrica, gerada por fonte térmica, das 18horas às 22horas clamam por uma subestação, já que os condutores de alta tensão que ligam Lawka ao Wambu passam a metros da sede municipal.
"Aqui, o que mais nos faz falta é energia para fazer surgir a pequena indústria e conservar os alimentos", reclama Júlia Kixindo, trabalhadora da única hospedaria da vila.
A juventude também clama por escolas e não entende por que razão lhes "deram o PUNIV, quando não há universidade", sendo um "instituto que não forma técnicos médios".
Nas conversas com jovens e adultos, deu para perceber que um Magistério ou instituto Agrário teria melhor serventia e "resolveria mesmo, no caso do Magistério, o problema de escolas sem professores ou professores vindos de longe que abandonam os alunos por falta de habitação e mantimentos na comunidades em que foram despachados".
Outra petição dos eboenses tem a ver com a asfaltagem da picada (maltratada) que Liga Gabela-Ebo-Waku.
"É a solução para que a nossa sede municipal deixe de ser um enclave e destino final, pois os carros provenientes da zona costeira e com destino ao Waku ou Wambu passariam por aqui e dariam vida à vila", sugeriu Manuel André, um dos poucos professores da localidade.

Obs: Texto publicado pelo Jornal de Angola a 21.11.2021.

sábado, janeiro 08, 2022

NYANGA-A-PEPE: UM MARCO DO METODISMO ENTRE A FAMA E O DESCASO

Nyanga-a-Pepe é um dos pontos de paragem dos missionários americanos, propagadores do Metodismo. Pela sua importância histórica, devia ser, indubitavelmente, um ponto de peregrinação de cristãos Metodistas.

Em "Ouço passos de milhares" conta-se o roteiro das estações protestantes que, para além do ponto de partida, Luanda, incluem-se Dondo, Nyanga-a-Pepe, Kyôngwa, Késwa e Kela. Quanto a mim, faltaram citações a Estações ou Pontos de Evangelização na margem sul do Kwanza, como Mbangu-Wanga (Libolo).
Longe de ser um Centro de Formação e Evangelização, de Nyanga-a-Pepe terá ficado apenas e a fama de ter recebido missionários Metodistas que seguiam o curso do Kwanza em direcção à nascente.
Não vi escolas. Não vi Centro Social ou de Artes e Ofícios. Não vi instalações para acolher turistas e investigadores da História do Metodismo Angolano. Não vi nada atractivo ou que perpectue a fama da Estação Missionária de Nyanga-a-Pepe.

É importante fazer ressurgir a importância e áurea das Missões.
É preciso pensar-se em algo que leve excursões turísticas e de meditação aos pontos marcantes da nossa caminhada histórica!
Soube que as escolas das aldeias vizinhas estão sem professores e os infantes confinados às lavras e ao pastoreio de cabritos.
"Sem casas e sem lavras, os professores transferidos de longe, ausentam-se na primeira oportunidade para se juntarem às famílias", contou um polícia que frequenta a região.
Para mim, era um desiderato conhecer Nyanga-a-Pepe, nem que apenas passando, seguindo e ouvindo passos de milhares!

sábado, janeiro 01, 2022

UMA TROCA MELHOR DO QUE HÁ 31 ANOS

Na troca da moeda realizada em 1990, minha mãe, camponesa com filhos deslocados em Luanda, e meu tio João Bebeca ficaram mais pobres do que já eram.

A troca da moeda devia acontecer em apenas uma semana, sendo que as cédulas velhas deviam ser depositadas nas raras dependências do BNA ou BPA. Pior do que isso, era troca (5%) e retenção (recebendo títulos), pois, não se saia do Banco Popular de Angola com o total do valor a que se tinha direito.

De suas aldeias (Pedra Escrita e Mbango de Kuteca) para Kalulu eram, respectivamente, 68 e 103Km. Em Kalulu, as filas no BPA (edifício que acolhe hoje a Biblioteca) eram enormes e não possuíam parente nenhum para os abrigar na vila.

Maria Canhanga e o irmão adoentado decidiram, então, partir para Luanda onde tinham parentes e quantidade superior de agências do BPA.

Acontece que, com escassez de carros que se aventurassem às estradas esburacadas dum tempo de guerra ainda apertada, a viagem demorou mais do que o previsto, chegando a Luanda na noite do dia em que terminou a troca da moeda. Os 250 Km que separam Pedra Escrita (Libolo) do Rangel (Luanda) podiam gastar 4 dias de uma viagem com ataques da UNITA e avarias pelo percurso.

Nada mais havia por fazer. Perderam tudo quanto, com muito esforco e sacrifício, haviam ganho e poupado para os filhos e para cuidar da saúde. Tem corrido o tempo mas, sempre que se fala em troca de moeda, vem-me à memória o episódio que foi "poupar dinheiro para nada", como desabafou o meu finado tio João Bebeca.

Felizmente, desta vez a troca da moeda está a ser diferente. O Kwanza de duas caras está a ceder lugar paulatinamente, através de retenção bancária, às novas células mono-efígie de A.A. Neto e a autoridade do Banco Central dá seis meses para que quem esteja no Kuteka ou Njamba Kweyo (só para exemplificar) possa, nesses 180 dias depositar as células velhas de que não se puder desfazer numa conta bancária, concedendo ainda um outro período mais longo para se puder trocar as células dual-efígie pelas novas do Manguxi (apenas) em representações do BNA.

Creio que no final do processo, a autoridade monetária terá os seus objectivos cumpridos e entre a população menos lamentos. Bem pensado!

Pena é que o meu tio João Bebeca tenha morrido sem assistência médica adequada, por falta de dinheiro, embora deixando muitas notas vermelhas (Kz 1000 era a maior) sem valor, e a minha mãe, aos 75 anos, não tenha pensão, nem visão!
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