Hospital Alzira da Fonseca |
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domingo, agosto 29, 2021
DE LUANDA A MICONJE
domingo, agosto 22, 2021
O RANGEL DOS ANOS 80 E O KOTA KAMBWALANGA
No Kaputo dos anos oitenta, vivíamos todos como família de mesmo sangue. Tínhamos, grande parte dos moradores da Rua de Ambaca e adjacentes, a origem kwanza-sulina, a língua comum que nossos pais glosavam sem levar mão à boca e a cultura que era forte sem as frivolidades desses tempos.
domingo, agosto 15, 2021
NÂMBWA E O "PROTESTANTISMO"
Igreja "Apostante". É assim que alguns idosos ainda tratam a Metodista. Apostante é uma corruptela de Protestante, nome por que ficou conhecida a corrente Wesleyana trazida a Angola por William Taylor, no longínquo Março de 1885.
O Metodismo é marca na região de Nambuangongo. Todas as aldeias têm uma,
sendo na maioria delas a única. Mas quem descuida do que é seu abre brechas
para outros. O monopólio metodista sofre "ataques" que preocupam
alguns crentes fervorosos da região de Nambuangongo.
- Era a única até ao fim da terceira guerra, mas agora as igrejas estão a
surgir mais do que cogumelos em tempo de chuva. - Reclama o ancião Afonso José
que diz não se lembrar quando se tornou metodista.
- Aqui, no Nâmbwa, todos viemos do ventre já metodistas. Mesmo hoje, as
pessoas ainda nascem metodistas. Pena é que os jovens de hoje em dia se
comportam como porcos que quando lhes soltamos do curral já não querem saber do
dono que os criou.
José Afonso, filho primogénito do mais-velho Afonso, diz-se, hoje, um
"crente em tremura". Explica que promessas não realizadas acabam por
desanimar o obreiro.
- É melhor trabalhar a olhar somente para Cristo do que fazer promessas que
nunca se realizam. - Desabafou.
Desafiado a argumentar a razão da sua ambiguidade, José Afonso larga sem
rodeios:
- Trabalhei durante muitos anos no Departamento de Trabalho com Crianças do
Distrito. Andei muito a pé de aldeia em aldeia. Todas essas aldeias (apontava
para a mata cerrada onde só ele pode determinar a localização dos aglomerados)
tinham os programas e os executavam com a minha supervisão. Prometeram-me uma
mota. Aí pensei: vou usar a minha já que vai ter a outra substituta. Até hoje,
nga kinga nga lembwa[1]!
Como é que se vai manter a igreja sem trabalho com crianças? Como é que se
larga crianças em gozo de férias como se fossem cabritos sem aprisco, crianças
sem actividades da EBF?
Antevendo um futuro sinuoso, caso as coisas não mudem, e buscando uma analogia
com o partido do seu progenitor, num misto de brincadeira e conversa séria,
José Afonso atirou.
- O camarada sabe o quê que fez o MPLA forte e numeroso? Diz se sabe, pelo
menos aqui no Nâmbwa.
O cronista ficou calado para deixar que ele mesmo respondesse.
- Está aqui o meu pai Afonso. É da Fê-Nê-Lá. A avó Treza, que está a nos
ouvir, é da base de Kaji Mazumbu, desde jovita[2],
onde foi professora guerrilheira do MPLA. Eu já combati nos dois exércitos. Na
Fenê[3]
fui com o pai Afonso que está aqui. Depois, quando abri os olhos, fui FAPLA.
Igreja que não tem crianças e jovens vai ficar só para os velhos. Lhes pergunta
se estou a mentir. - Desafiou, olhando para os dois idosos.
Feitas as deduções e colagens, o fio de raciocínio leva-nos a entender que
o movimento do seu pai ficou confinado à terceira idade por ter desinvestido ou
nunca investido em crianças e jovens.
- Já que o irmão diz que é escritor e tem amigos na Conferência que o leem,
leva-lhes o recado. Um dia vamos acordar só com velhos na igreja. - Terminou,
já a fazer a curva para o seu aposento. Era hora da janta.
domingo, agosto 08, 2021
O LIFUNE QUE RASGA O BENGO
segunda-feira, agosto 02, 2021
UM MUKONGO E TRÊS MBALUNDU EM KINGIMBI
A região de matas cerradas com capim esparso nas encostas ou cume de montanhas chama-se Kingimbi, Nâmbuangongo, margem do rio Lifune. Na picada sinuosa, curvilínea, estreita e coberta de capim e arbustos somente os carros todo-terreno ou tractores ainda ausentes "torram farinha".
O asfalto, aí onde existe, fica longe. É a floresta e seus mistérios quem
mais gritam. A vida é pacífica para o trabalho árduo dos camponeses, ainda,
"importados" em elevadas doses do planalto angolano.
Estes, tal como no passado, sem mesmo temer as chacinas
"upa-lumumbistas[1]"
de 1961, são os que mais se prestam ao trabalho agrícola por conta de outrem,
aceitando uma estada de ano e tal para uma renda de Kz 25 mil/mês.
- É esse dinheiro que quando multiplicamos por doze ou mais, dá para
comprar boi e vaca na terra de origem onde os que têm ajuizo se tornam também
empreendedores.
Outros, porém, se tornam casamenteiros de várias akâe e produtores de
vários filhos.
- É o azar que traz o dinheiro. - Diz Francisco.
António, Francisco e José, jovens vindos de Kaciwngu, Wambu, juntaram-se a
Pedro, um mukongo, que chefia a equipa. Estão a 12 quilómetros da aldeia mais
próxima e 14 da estrada asfaltada que vai a Muxaluando, sem lá chegar
negra-betuminosa. Os três jovens, 25 anos abaixo, renderam outros manos que já
fizeram o seu pé-de-meia e se tornaram investidores também. Preferem contratos
de permanência anual. Dos três, só um bebe. Outros dois são da igreja Sende[2].
Por isso não manjam carne suína nem fumam. Álcool, dizem, só na ferida.
- Assim mesmo, como fez o mano Angostinho, quando terminar, vou para a
aldeia e faço como ele. Compro duas cabeças e começo minha lavra.
Na fazenda, em Kingimbi, não têm gastos com alimentação.
- O patrão é nosso amigo. - Dizem.
Leva-lhes comida, bebidas não alcoólicas, roupas e têm placa fotovoltaica e
parabólica.
- Ainda só falta mesmo jornal e revistas para se divertir. -Pediram. por
isso ficaram com os jornais do cronista que foram devorados como no tempo em
que o JDM me chegava actual e quente com seis meses de atraso, distribuído pela
CEDIL dos anos oitenta.
Algo parece repetir-se, embora em moldes repensados.
Os ovimbundu, "dada a sua paciência", obediência e resistência em
trabalhos manuais árduos foram os trabalhadores predilectos nas tongas.
Povoaram os Kwanzas, Malanje, Uije, Cabinda, Bengo e Zaire. Temo-los em toda
Angol'Agrícola.
Antes eram recrutados à força, soba a capa de contratos esclavagistas que
davam, ao fim de um tempo sem fim, em pano e cobertor de quinta categoria, meio
quilo de fuba e duas tábuas de peixe seco acastanhado. Regressavam ou nunca às
suas terras onde eram re-escravizados por outro colono. Os que nunca voltaram
constituíram comunidades culturalmente coesas, ensinando a língua e cultura a
seus rebentos. É pela sua dispersão que "a angolanização[3]
dos ovimbundu é meio caminho para a solidificação do sentimento de angolanidade
por todo o país".
Nos dias que correm, recorrem aos contratos. Mal remunerados a olho nu. O
trabalho agrícola manual é agreste. As matas montanhosas do Nâmbwa são
impenetráveis. Os tractores, inexistentes, podem lavrar as margens ribeirinhas,
porém, a perna e a mão cuidam da montanha. Por isso, são essenciais os jovens
"mbalundu[4]" fortes, sem vícios e
sem família que ganham e juntam tostões para uma vida livre e empreendedora. Há
nesta imensa Angol'Agrícola vários António, Francisco e José que como os
citados trocam força abundante por dinheiro necessário. Mas também aprendem.
António, Francisco e José refinam a pesca fluvial, aprimoram a montagem de
armadilhas várias para os animais e aperfeiçoam a defesa ao largo da
propriedade. Saberão, com certeza, cuidar das suas ou concorrer em outras
fazendas mais estruturadas e melhor remuneradas.
A esses jovens valentes, o cronista abraça e encoraja. Só no dicionário o
benefício surge antes do trabalho!