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quinta-feira, abril 29, 2021

UM "SÓSIA" EM MALANJE

Quando me disseram, "director, vamos também à Angop apanhar o jornalista que irá à Kitota" não me ocorria encontrar um "irmão".
Sendo próximo, preferi marcar passos até à sede da Agência Angola Press, bater à porta, apresentar-me e expor o assunto da visita "madrugadora".
- Pum, pum, pum (batimentos ligeiros à porta). Com licença!
- Quem é? - Interrogou-se de dentro.
- Soueu!
Fiquei, por alguns instantes, a pensar na resposta que dei "soueu". E se me retorquisse que "soueu" não é nome? Felizmente, não veio essa frase.
Ouvi, de seguida, passos vindos de dentro, em direcção à porta, larga e com pintura nova. Aliás, o edifício é velho mas a pintura geral denuncia obras recentes.
Olhei para a pessoa que abriu à porta, antes mesmo que nos cumprimentássemos, e veio-me à memória o Eurico (da Munenga) que foi meu colega na quinta classe (em Kalulu), quem todos os colegas pensavam ser meu irmão, pois éramos parecidos.
Já em Luanda, em 1992, a Marta, uma colega com quem terminei a oitava classe, no Ngola Mbandi, ficou com a foto do Eurico para o seu autógrafo, jurando que era minha.
Cumprimentámo-nos e expus o que me levara à Delegação da ANGOP, sem que fizéssemos alusão a "parecências".
Foi já em Cacuso, onde pedi uma paragem para dar água, bolachas e refrigerantes à equipa de jornalistas, que um deles não se conteve.
- Epá! Já viste? São parecidos. - Dizia para os outros.
- Quem? Kenhê? - Indagou um dos jornalistas.
- O Director e o Delegado. - Respondeu o primeiro.
Todos os olhos ficaram divididos entre eu e o meu "irmão/sósia", como quem controla peixe na grelha: um olho ao peixe e outro ao gato.
A vida tem dessas. Foi uma manhã e tarde de trabalho bem passadas e os colegas, quando se referissem a nós, só diziam "os irmãos".
Pela próxima faço foto com o Delegado da ANGOP em Malanje que é de uma grande simpatia.

Soberano Kanyanga

quinta-feira, abril 22, 2021

A MULHER QUE PERCEBIA AS FORMIGAS

Caminhava exausta pela savana. Era tempo chuvoso e capim alto a mostrar apenas as cabeças de pessoas altas. O sol, bom para alegrar a vida e as sementes a querer ser vida, brilhava no alto dos céus de meio-dia, fazendo-a caloriar[1] como se tivesse atravessado um dos imensos rios a nado.

Perto de uma pequena floresta, onde pacaças e alguns elefantes buscavam sombra, encontrou um animal inanimado, mas ainda com sinais vitais. Aproximou-se corajosa, sem espingarda, nem catana, e verificou que a pacaça tinha sido atacada por um crocodilo.

- Há carne para conduto, há "mahaki"[2], há pele para alparcata, há chifres para soprar e levar mensagem distante. Haverá festa nas aldeias todas. - Disse a formiga sortuda.

Com auxílio de um pau e uma pedra, desmontou um dos chifres do animal e fez uma corneta. Ganhou mais força ainda. O cansaço que trazia tinha sido literalmente anulado pelo achado. Era só a festa que lhe corria no sangue.

Subiu ao topo de uma kamunda[3] que se achava no centro de cinco aldeias e gritou com toda a força que permitia o seu diafragma:

- Vocês aí, nessa aldeia onde se põe o sol, tragam baldes, facas e homens fortes. Temos pacaça.

Virou-se à nascente:

- Mwa mama, lyatata. Tokano. Ambatano l'ombya phala masaki ly langinga. Utana ly laphoko mwaxyale![4]

Ao norte e sul fez mesmos apelos e, num correr de pouco tempo, a floresta encheu-se de homens e mulheres corajosos, cheios de vigor e vontade de uma rica funjada de miudezas regada com maluvu[5].

As mulheres acondicionaram o sangue, o fígado, o coração, os rins, pâncreas e pulmões em panelas. Com a água trazida nas cabaças as jovens raparigas lavaram as tripas e os intestinos para a confecção de jinginga[6].

Os jovens, rápido acenderam uma fogueira para os assados de primeira hora, enquanto os makota[7] planificavam e repartição do animal pelas cinco aldeias. Depois seria a gestão de cada soba, dividindo a parte a receber por cada lar da sua comunidade.

Essa cena já leva milênios. Porém, até hoje, quando a mulher se senta de baixo da árvore do seu terreiro, a catar os piolhos na cabeça da neta, vem-lhe à memória o grito, daquela formiga que achou no meio do capim uma mosca e chamou todos os seus semelhantes das aldeias à volta para carregarem e repartirem a carne do grande animal que era a mosca.

 



[1] Transpirar.

[2] Sangue para sarrabulho ou para colorir a jinginga (Kimbundu).

[3] Monte, elevação ou pequena montanha (Umbundu).

[4] Mulheres e homens, venham. Tragam panelas para o sangue e as miudezas. Não esqueçam de trazer catanas e facas Kimbundu).

[5] Vinho de palma ou seiva de palmeira (Kimbundu).

[6] Miudezas: tecidos do tubo digestivo, fígado e outros órgãos internos (Kimbundu).

[7] Os mais velhos (Kimbundu)

quinta-feira, abril 15, 2021

O COCO[1] QUE DIZIMOU OS PIOLHOS

Um conterrâneo da Kibala, recuando no tempo, narrou episódios da nossa infância que é transversal a uma geografia que envolve os municípios à volta do Libolo e Kibala e num tempo que, se calhar, morre em 2000, podendo prolongar-se em algumas aldeias recônditas. É o nosso feudalismo que pouco há de escrito, dada a fraca imersão na nossa etno-sociologia e etnografia.

Quando nos debruçamos a estudar a história clássica e medieval de Roma e Grécia, recaímos, invariavelmente, em episódios angolanos do Séc. XX, em nossas aldeias interiores.
É exemplo a mãe que "cata" piolhos ao filho, aproveitando adormecê-lo, podendo usar duas fórmulas: cantando e catando.
Vivi esse tempo. Algumas mães, no escuro da noite, sem saber se o achado por seus dedos entre o cabelo alto e sujo é ser vivo ou grão de areia, levavam-no ao dente e largavam depois, um rio de saliva.
Vivi ainda do tempo da bitacaia[2], pulga de javali ou porco doméstico que adentrava os terminais de nossos dedos e calcanhares. A comichão, lenta e incómoda, resultava em dor da ferida escancarada, depois de extraído o animal hóspede oportunista com a ponta de um alfinete ou de um pau aguçado.
Mas o meu conterrâneo contou mais e recordou-me o seguinte:
Noite sem luar na Kibala ou outra aldeia do circuito ambundu kwanza-sulino. Nas terras mais a sul e ou norte o cenário também pode ser idêntico.
O archote é lamparina na cozinha escura. A kizaca, peixe de agua doce ou carne de caça ferve na panela de barro. Há fumo largado pelas lenha que reclamam por mais dias de seca ao sol. Mas quando a lenha seca rareia em tempo de chuva é a semi-seca que se leva à fogueira. No escuro e fumegante da cozinha a mãe pede:
- Mwiha mwombya (alumiar para a panela).
Na atrapalhação, o rapaz tanto alumia como deixa cair na panela a ponta do archote ardido, já em forma de cinza.
- Nzayá, matubá, matondoá![3] -Dispara a mãe impaciente, complementando a emenda com um valente "coco" que mata uma dúzia de piolhos e lêndeas na cabeça do infante.
- Kwolule (não grita). - Adverte, prevenindo para que não se acabem, de uma só vez, os piolhos todos na cabeça com outros cocoricos.
Terminada a confeção do "kondutu"[4], é a vez da panela do funji/pirão. O cuidado é redobrado. Em fuba branca, a cinza preta do archote é vinho tinto em toalha imaculada.

- Mwiha kyambote. - Adverte a mãe.
E o infante, com um grito adiado ou reprimido da primeira pancada, lágrimas do fumo nos olhos, comichão na cabeça dos piolhos famintos de sangue, acende, de novo, o archote que aproxima delicadamente à panela de barro para a qual o fogo chia.
- Mwiha!

- Ñi mwiha a mama!

- Mwiha kyambote.

Depois o repasto: as meninas na cozinha ou fora dela, no terreiro da casa, com a mãe, quando há luar. Os homens na sala ou no njangu. Rapazes juntos.

O rapaz quando não vai à escola da vida, o njangu, volta a reclamar o carinho materno, "lambicando" como cão que se deita sobre a cinza quente da fogueira recente. Dobra-se à frente da mãe que "jijina"[5] lêndeas, piolhos ou grãos de areia escondidos no cabelo a reclamar por uma tesoura.

Contando anedotas, ou canções do seu tempo de menina, a mulher afugenta os males e a infra vida que a pobreza impõe, adormecendo o infante para uma nova aurora e lavoura.

Tal como a geração do último quartel do Séc. XX, as nossas crianças continuarão a ler a história clássica e o feudalismo greco-romano. Quanto às nossas vivências que são recentes, restarão poucas crónicas!


Soberano Kanyanga



[1] Golpe na cabeça com o punho cerrado.

[2]  Insecto díptero da família dos tungídeos.

[3] Despautério.

[4] Acompanhante.

[5] Acaricia. Faz cafuné.

quinta-feira, abril 08, 2021

UMA CODORNADA AO FERIADO

Mangodinho, na vida dele de homem com careca no lugar de cabelo branco, lugar de peixe é no rio assim como o javali é na mata. Na adolescência tentou criar um macaco na jaula e perdiz na capoeira. O tiro saiu-lhe pela culatra. O macaco fugiu na primeira oportunidade em que viu floresta e sem cinto à cintura. Até a perdiz que já aprendia a cacarejar com as galinhas, meteu-se no mato e jamais voltou ao convívio doméstico.

Sempre que pode, viaja pelas malambas e traz aos seus ouvintes os lugares, os bichos e as pedaladas da vida.
- Kandenges, isso é assim. Dias você avança outros se atrasa ou recua. Mas, cada cabelo branco na cabeça, cada cicatriz no corpo, cada

ruga na testa é uma viagem no tempo. - Costuma dizer.
Em mais uma viagem a Ngimbi, Mangodinho foi visitar o amigo Kito Kahala. A amizade deles só faltou mesmo cruzar sangue para se chamarem cunhados ou tio e sobrinho. Se vivessem os dois no interior, fosse Wambu Kalunga ou Mbangu-de-Kuteka, se teriam mesmo oferecido sobrinha ou prima.
Ao puxar a corda que mandara ao poço das lembranças, Mangodinho repescou uma ocorrência antiga dum tempo, que se lembra, era ainda kitutu. Os rapazes à sua volta falavam sobre pássaros. E o kota "contador de cenas" como lhe chamam, lemnbrou-se de um tempo que já voou quando apresentou à mãe a primeira codorniz.
- Mãe, apanhei rola.
- Rola? Parabéns! Mostra ainda. Caçaste com fisga ou caiu na armadilha?
- Lhe apanhei mesmo na corda. Está a ver aquele caminho que deixamos de usar por causa do capim que cresceu muito, nê. Elas ficam aí, tipo estão a banhar com areia e fazem uns kaburacos tipo é para meter lá ovos.
- Mas como é que fizeste então para apanhar rola que vive nos paus?
- Essa vive mesmo no capim. Sempre que vamos brincar elas não voam. Andam bem rápido e se escondem nos funduros, ali onde o capim é alto e com picos ou fogem para os espinhos.
Peguei a avezita, ainda por depenar, e levei à mãe que acondicionava mais lenhas nas maswikas que abraçavam a panela de kizaka.
- Oh, esse é dikombe não é rola. Dikombe vive na mata e faz ninho no chão. Rola é aquela que fica parece pomba, que faz ninho no pau e só desce para comer. Voa rápido e cabeça dele é tipo pessoa com ngimbu.
Mangodinho, conta, abanou a cabeça, em sinal de aprovação da aula de biologia, pousou as armadilhas e foi depenar a avezita, enquanto a mãe fabricava planos sobre o que levaria à mesa. O peixe seco, meia cura, quase a amarelar, seria postergado para próxima funjada.
Pegou alho, jindungu e sal. Fez uma pasta no pequeno almofariz. Pegou tomate maduro e ferveu um bocado. No mesmo almofariz em que pisara o ndungu com alho e sal, triturou o tomate semi-cozido.
O vento nocturno que varria a aldeia informava de casa em casa quem jantaria o quê. Para Mangodinho e os seus, a fubada da janta foi puxada pela codorniz que, aos seus olhos, parecia enorme para a fome de carne que tinha.
- Parabéns meu filho. - Disse-lhe a mãe. - Vê se amanhã consegues mais uma. Anda com os mais velhos para te ensinarem a armadilhar. Homem tem de saber caçar e pescar. A enxada é para as mulheres. - Recomendou antes de ir amamentar a kasule e chamar pelo sono.
De recordação em recordação, Mangodinho contou também que, durante os dias que se seguiram, o seu anelo era encontrar ovos de codorniz. Narrou que a carne tinha sido tão gostosa que queria encontrar os pintainhos, levá-los à gaiola e cria-los na aldeia. Era mera ideia de quem estava cansado de bater orvalho ou capim seco enrolado nos atalhos.
Já na Ngimbi, em casa do seu amigo Kito Kahala, encontrou uma chocadeira de codornizes, num nono andar da cidade do Kilamba.
- Ó Mangodinho, ainda vem.- Chamou Kito Kahala. - Estamos a "galinhar" aqui. - Continuou o anfitrião, puxando pela mão do convidado, enquanto aguardavam pela fubada codornizada.
O convite levava 72 horas e, ao trazer à memória a primeira funjada codornizada, surgiu na cabeça de Mangodinho outra ideia: não comer em casa e guardar espaço vazio no estômago.
No compartimento arejado e bastante higienizado estavam o "berçário" de aves recém-chocadas e três chocadeiras: codornizes, galinhas e patos.
- Aqui saem 500 pintos ao mês. - Contou, Kito, enumerando as técnicas e as quantidades.
- Para chocar codornizes são15 dias. A galinha vinte e poucos dias. Os patinhos saem ao vigésimo nono, quase um mês. A chocadeira demanda temperatura idêntica à do animal e humidade para para que não se queimem os ovos, nem se asfixiarem os pintos na hora de partirem os ovos e saírem para fora.
- Ó mano Kito, isso aqui é obra! E eu a pensar que ainda me faltava comer capim para encontrar ovos de codornizes e fazer gaiola, afinal estão mbora aqui mesmo na cidade? Que maravilha! - Exclamou Mangodinho.
- É mano. Também aprendi com outros criadores, aqui mesmo na cidade.
- E como é que consegues juntar os ovos? Quanto tempo demoram para ovar? - As perguntas do visitante pasmado pareciam chuva de Abril em terra árida.
- Bom, mano, é assim: a codorniz não cuida do ovo. A base da gaiola deve ter inclinação para que elas não os pisem e não os partam. Depois de recolhidos, são bem procurados nas lojas. Os passarinhos também são comprados a bom preço por serem um pitéu gostado pelos homens de garfo e pomada.
Antevendo receber boas novas da cozinha, Kito Kahala tinha já um pé na maternidade e outro no corredor da sala, enquanto dava as últimas explicações.
- Mas, ó mano, não vai ainda. Assim, esses kaovitos são para fritura ou para juntar à carne seca e fazer companhia à pevide?
- Ó Mangodinho, nunca te falaram do resultado do ovo de codorna? É melhor do que comprimido azul. Assim mesmo, se o mano quer que te gostem, leva já duas dúzias e passa a comer três por dia. O resultado não demora!
Mangodinho ficou a pensar nas expressões "garfo e pomada" e num "resultado melhor do comprimido azul". Kito Kahala abriu a porta de saída do compartimento, coincidindo com o chamamento da filha de que a mesa já estava pronta.
- Há vezes em que você encontra o doméstico na selva e o animal selvagem na cidade. A vida tem dessas. O conhecimento demanda andar! - Desabafou Mangodinho enquanto tragava, com as mãos, um apetitoso pedaço de codorniz regado com Don Luciano e Laureano Paulo.

quinta-feira, abril 01, 2021

MINH'ANTIGA NAMORADA

Nas brincadeiras de decifrar as siglas e acrónimos e nos protótipos de carros de lata, chamávamos ao camião dos militares do batalhão LCB de Minh'Antiga Namorada. A matrícula iniciava com a combinação AMF (o tempo apagou a combinação numérica) que nas nossas brincadeiras dizíamos "Apanhei e Mandei Fazer".

Quando o veículo MAN passasse carregado de makwenze sentados em bancos corridos, lado a lado, encostos inclinados para trás, parecendo que os colegas do lado oposto é que sustentavam o equilíbrio de outros, era sinal de kibetu militar em algum lugar próximo da Vila.
Kalulu, no interlad do Libolo, tem três principais saídas que levam a três comunas.

A principal saída/entrada é a estrada asfaltada que passa por Munenga, até encontrar a Estrada Nacional 120 que liga Dondo à Kibala. A via mais segura era a que vai à Kabuta até atravessar o Kwanza pela ponte Filomeno da Câmara que chamávamos de "Ponte Filomena". Embora em terra batida e esburacada, era frequentada por militares da Swapo que guarneciam os refugiados namibianos aí instalados. Unitas e Swapos eram como rato traquino e Gato faminto. O terreno fofo dos unitas era a estrada que nos leva ao Lwati até à comuna de Kisongo, onde estavam instalados, mesmo sem povo, ao que viemos a saber mais tarde, por causa do garimpo de diamantes. Era lá, no Kisongo, que tentaram "torrar farinha" com as FAPLA quando transferiram o Comissário Tony do Libolo para outro município. Porém, Keka Ngó, substituto do Comissário Tony, que também subiu a capitão, foi lá ao Luaty "lhes" pôr travão.
Naquele dia de 1988 a viatura de transporte militar, MAN, trouxe pessoas a mais. Eram, no dizer da população, Kahúhu, como lhes tratavam os camarada da Swapo, e colaboradores que passavam informações e alimentavam os do outro lado. Keka Ngó deu umas tantas voltas à Vila mostrando os troféus, cujo destino a nossa curiosidade de rapazes não conseguia descortinar. As paredes da Fortaleza eram muito altas, robustas e opacas para se saber o que se passava lá dentro, depois dos camaradas tropas entrarem com seus capturados.

No ano seguinte, 27 de Março, Carnaval da Vitória em que a Victória também ensaiava connosco no grupo da escola Kwame Nkrumah, a alegoria do único grupo da classe de adultos "transportava Keka Ngó numa tipoia" e as vozes gritavam alto uma canção que dizia:
"Keka Ngó sabe lutar (bis)
Olha que a Unita já estava no Kisongo
A Unita já kê nos acabar
Só nê possível com O nosso comissário".

O comissário e a MAN aguentaram-se algum tempo. Mas, quem tem fome não olha a perigo e enfrenta até leões. Foi assim que em Dezembro de 1999, 24 para 25, os marinhos atacaram a Vila para roubar comida raptar mancebos e queimar o que podiam. Nem 12 horas ficaram na Vila, mas os estragos são ainda visíveis: campas de assassinados, deslocados, casas e pontes dinamitadas, carros queimados, cabritos roubados, jovens raptados e meninas estupradas. Refugie-me durante três meses em aldeia distante. Seis meses mais tarde, concluída a sexta-classe, deixei o meu Libolo, em 1990, para frequentar escolas e fazer carreira em Luanda.

Segundo Filipe Albino, natural da Kibala, de 1990 a 1991, para manter a ordem no Libolo, "Keka Ngó teve de pedir socorro ao comandante homólogo do Amboim, o lendário Cara Podre. Porém, prossegue, a 12 quilómetros da Kibala, Cara Podre sentiu dificuldades em avançar e teve de socorrer-se do seu homólogo o também lendário Kandimba, da Kibala. Finaliza o Filipe Albino que o período 1990-91, antes dos acordos de Bicesse (31Maio), foi difícil para Keka Ngó.