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quinta-feira, abril 29, 2021
UM "SÓSIA" EM MALANJE
quinta-feira, abril 22, 2021
A MULHER QUE PERCEBIA AS FORMIGAS
Caminhava exausta pela savana. Era tempo chuvoso e capim alto a mostrar apenas as cabeças de pessoas altas. O sol, bom para alegrar a vida e as sementes a querer ser vida, brilhava no alto dos céus de meio-dia, fazendo-a caloriar[1] como se tivesse atravessado um dos imensos rios a nado.
Perto de uma pequena floresta, onde pacaças e alguns elefantes buscavam
sombra, encontrou um animal inanimado, mas ainda com sinais vitais. Aproximou-se
corajosa, sem espingarda, nem catana, e verificou que a pacaça tinha sido
atacada por um crocodilo.
- Há carne para conduto, há "mahaki"[2], há pele para alparcata,
há chifres para soprar e levar mensagem distante. Haverá festa nas aldeias
todas. - Disse a formiga sortuda.
Com auxílio de um pau e uma pedra, desmontou um dos chifres do animal e fez
uma corneta. Ganhou mais força ainda. O cansaço que trazia tinha sido
literalmente anulado pelo achado. Era só a festa que lhe corria no sangue.
Subiu ao topo de uma kamunda[3] que se achava no centro de
cinco aldeias e gritou com toda a força que permitia o seu diafragma:
- Vocês aí, nessa aldeia onde se põe o sol, tragam baldes, facas e homens
fortes. Temos pacaça.
Virou-se à nascente:
- Mwa mama, lyatata. Tokano. Ambatano
l'ombya phala masaki ly langinga. Utana ly laphoko mwaxyale![4]
Ao norte e sul fez mesmos apelos e, num correr de pouco tempo, a floresta
encheu-se de homens e mulheres corajosos, cheios de vigor e vontade de uma rica
funjada de miudezas regada com maluvu[5].
As mulheres acondicionaram o sangue, o fígado, o coração, os rins, pâncreas
e pulmões em panelas. Com a água trazida nas cabaças as jovens raparigas
lavaram as tripas e os intestinos para a confecção de jinginga[6].
Os jovens, rápido acenderam uma fogueira para os assados de primeira hora,
enquanto os makota[7]
planificavam e repartição do animal pelas cinco aldeias. Depois seria a gestão
de cada soba, dividindo a parte a receber por cada lar da sua comunidade.
Essa cena já leva milênios. Porém, até hoje, quando a mulher se senta de
baixo da árvore do seu terreiro, a catar os piolhos na cabeça da neta, vem-lhe
à memória o grito, daquela formiga que achou no meio do capim uma mosca e
chamou todos os seus semelhantes das aldeias à volta para carregarem e
repartirem a carne do grande animal que era a mosca.
[1] Transpirar.
[2] Sangue para sarrabulho
ou para colorir a jinginga (Kimbundu).
[3] Monte, elevação ou
pequena montanha (Umbundu).
[4] Mulheres e homens,
venham. Tragam panelas para o sangue e as miudezas. Não esqueçam de trazer
catanas e facas Kimbundu).
[5] Vinho de palma ou
seiva de palmeira (Kimbundu).
[6] Miudezas: tecidos do
tubo digestivo, fígado e outros órgãos internos (Kimbundu).
[7] Os mais
velhos (Kimbundu)
quinta-feira, abril 15, 2021
O COCO[1] QUE DIZIMOU OS PIOLHOS
Um conterrâneo da Kibala, recuando no tempo, narrou episódios da nossa infância que é transversal a uma geografia que envolve os municípios à volta do Libolo e Kibala e num tempo que, se calhar, morre em 2000, podendo prolongar-se em algumas aldeias recônditas. É o nosso feudalismo que pouco há de escrito, dada a fraca imersão na nossa etno-sociologia e etnografia.
Quando nos debruçamos a estudar a história
clássica e medieval de Roma e Grécia, recaímos, invariavelmente, em episódios
angolanos do Séc. XX, em nossas aldeias interiores.
É exemplo a mãe que "cata" piolhos ao
filho, aproveitando adormecê-lo, podendo usar duas fórmulas: cantando e
catando.
Vivi esse tempo. Algumas mães, no escuro da
noite, sem saber se o achado por seus dedos entre o cabelo alto e sujo é ser
vivo ou grão de areia, levavam-no ao dente e largavam depois, um rio de saliva.
Vivi ainda do tempo da bitacaia[2], pulga de javali ou porco
doméstico que adentrava os terminais de nossos dedos e calcanhares. A comichão,
lenta e incómoda, resultava em dor da ferida escancarada, depois de extraído o
animal hóspede oportunista com a ponta de um alfinete ou de um pau aguçado.
Mas o meu conterrâneo contou mais e recordou-me
o seguinte:
Noite sem luar na Kibala ou outra aldeia do
circuito ambundu kwanza-sulino. Nas terras mais a sul e ou norte o cenário
também pode ser idêntico.
O archote é lamparina na cozinha escura. A
kizaca, peixe de agua doce ou carne de caça ferve na panela de barro. Há fumo
largado pelas lenha que reclamam por mais dias de seca ao sol. Mas quando a
lenha seca rareia em tempo de chuva é a semi-seca que se leva à fogueira. No
escuro e fumegante da cozinha a mãe pede:
- Mwiha mwombya (alumiar para a panela).
Na atrapalhação, o rapaz tanto alumia como deixa
cair na panela a ponta do archote ardido, já em forma de cinza.
- Nzayá, matubá, matondoá![3] -Dispara a mãe impaciente,
complementando a emenda com um valente "coco" que mata uma dúzia de
piolhos e lêndeas na cabeça do infante.
- Kwolule (não grita). - Adverte, prevenindo
para que não se acabem, de uma só vez, os piolhos todos na cabeça com outros
cocoricos.
Terminada a confeção do "kondutu"[4], é a vez da panela do
funji/pirão. O cuidado é redobrado. Em fuba branca, a cinza preta do archote é
vinho tinto em toalha imaculada.
-
Mwiha kyambote. - Adverte a mãe.
E o infante, com um grito adiado ou reprimido da
primeira pancada, lágrimas do fumo nos olhos, comichão na cabeça dos piolhos
famintos de sangue, acende, de novo, o archote que aproxima delicadamente à
panela de barro para a qual o fogo chia.
- Mwiha!
-
Ñi mwiha a mama!
-
Mwiha kyambote.
Depois
o repasto: as meninas na cozinha ou fora dela, no terreiro da casa, com a mãe,
quando há luar. Os homens na sala ou no njangu. Rapazes juntos.
O
rapaz quando não vai à escola da vida, o njangu, volta a reclamar o carinho materno,
"lambicando" como cão que se deita sobre a cinza quente da fogueira
recente. Dobra-se à frente da mãe que "jijina"[5] lêndeas, piolhos ou grãos
de areia escondidos no cabelo a reclamar por uma tesoura.
Contando
anedotas, ou canções do seu tempo de menina, a mulher afugenta os males e a
infra vida que a pobreza impõe, adormecendo o infante para uma nova aurora e
lavoura.
Tal
como a geração do último quartel do Séc. XX, as nossas crianças continuarão a
ler a história clássica e o feudalismo greco-romano. Quanto às nossas vivências
que são recentes, restarão poucas crónicas!
Soberano Kanyanga
quinta-feira, abril 08, 2021
UMA CODORNADA AO FERIADO
Mangodinho, na vida dele de homem com careca no lugar de cabelo branco, lugar de peixe é no rio assim como o javali é na mata. Na adolescência tentou criar um macaco na jaula e perdiz na capoeira. O tiro saiu-lhe pela culatra. O macaco fugiu na primeira oportunidade em que viu floresta e sem cinto à cintura. Até a perdiz que já aprendia a cacarejar com as galinhas, meteu-se no mato e jamais voltou ao convívio doméstico.