Translate (tradução)

quarta-feira, julho 08, 2020

PREOCUPAÇÃO DA FOME


Nas aldeias, com certeza, a manhã era rociosa, tendo em atenção "o kasimbu que estamos com ele". Nas cidades, nem tanto. Aqui aquece quando se espera pelo frio, como pode rociar quando se aguarda por elevadas temperaturas. Luanda, com o confinamento causado pela Covid-19 e as consequentes restrições das actividades económicas, formais e informais, agudizou o "salve-se quem puder".
Cada um procura o pão da forma como pode. Uns abeirando-se dos contentores repletos de nada, outros fazendo-se aos rossios da cidade ao encontro de quem os chame para um "tira lá isso ou carrega lá aquilo" e eu no vai e vem diário à "casa" do patrão Estado. Siñalywa procurava por quem acossado pela distância, sol e sede precisa-se de seus serviços de moto-taxista, actividade, porém, proibida nos últimos dias. 
Empurrado pela carência, Siñalywa anda preocupado e com algum medo a mistura. Presta atenção aos putativos clientes e aos polícias de quem espera escapar. E como quem muito zela acaba tropeçando, lá foi ao encontro da porta lateral de uma viatura que circulava à velocidade de camaleão.
- Mano me desculpa só. Estou a procura de pão para os filhos. Já sabe, temos de olhar sempre nas pessoas que fazem sinal. Não te vi. Melhor, quando vi o carro, já era tarde. Travão não pegou. - Assim confessou.
- E agora? Quem arranja o estrago?
- Me perdoa só.
- Repara-te ainda se não te feriste e depois vamos acertar. Põe a nora naquela sombra.
Passado o corpo em revista, tentou, com a força que possuía, levar a peça amolgada à posição habitual. Debalde. O estrago era mais profundo do que imaginava e nem a força lhe sobrava. Afinal, gordura nem sempre é energia.
- Mano, por favor, me perdoa só. É mesmo preocupação da fome. Me mostra só uma oficina de bate-chapa. Eu vou na frente e o mano pode me seguir a trás.
No meio rolou a estória do acorrido em Março, no Lubango, em que um motoqueiro embateu contra uma viatura e, na perseguição, o fugitivo acabou colhido mortalmente pelo todo-o-terreno.
- Não, kota. Confia. Não vou fugir. Já sou mais velho.
Lá as duas vítimas (um do acidente e outro da fome) meteram-se à procura difícil até à Sanzala, onde as medidas impostas pela declaração do Estado de Emergência (tal como o distanciamento social) continuam a ser ignorados pelos rapazes biscateiros que "pegam em tudo".
- Kota do obama, nós tudo pêgamo!

Sem comentários: