(Windhoek)
Publicado pelo jornal de Angola a 24.02.19
Desde que frequentei a quarta classe (1986/7) que interiorizei, de muitas, uma certeza: caminhar para oeste basta ser levado pelo sol. O caminho é onde ele se dirige, deixando que, de manhã, lhe bata ardentemente às costas e, quando já ele se posicionar à frente, lhe ofusque a visão em confronto directo. Foi o que fiz nesta quarta etapa de "descobrimento e comparação" da cidade dos Warriors à nossa "quadricentésimo, quadragésimo sexto aniversariante".
Partindo, como sempre, do centro, marchei em direcção à Dr. David Hoseia Meroro Avenue que nos leva a Westline. Há também um shopping por lá. Quando já se viam poucas casas (abro parêntesis para dizer que não vi construção precária, nem desordenada como as nossas cubatas de chapas), apanhei a Avenida Circular que parte do sul ao norte e que nos leva a Khomasdal e Okahandja, fazendo, à direita, um ângulo inferior a 90° para não colidir com o sol que me fustigava ardente.
Quase sem rumo pré-determinado (andando apenas por andar), fiz-me àquela percorrida rodovia, deixando para trás várias estradas perpendiculares de bom recorte técnico-arquitectónico e drenagem.
Outro detalhe: os canais pluviais estão sempre limpos e com cobertura vegetal. Nem mesmo nos "mabululos" da cidade ousam depositar descartados nas passagens hídricas como acontece na nossa banda.
Já próximo de Khomasdal (menos de meio quilómetro) e quando mais adiante da rodovia os olhos só me mostravam montes cobertos de vegetação espinhosa, decidi apanhar uma perpendicular que me parecia rumar à cidade. Era a Dr. Kuaima Rikuako Street e eu já levava nas pernas mais de dez mil passos marcados ainda com vigor.
Confesso, depois de 1990, ano em que os namibianos deixaram Kabuta (Libolo) para virem votar e proclamar a sua independência, nunca mais tinha andado tanto. Uma média de dez quilómetros ao dia, sendo sete dias consecutivos.
No ano da independência deles, a causa foi o ataque da guerrilha (que tem nome) à vila de Kalulu, quando festejámos o natal de 1989. Depois foram caminhadas longas e extenuantes: Kalulu-Mussende-Munenga-Pedra Escrita-Kuteka-Pedra Escrita-Munenga (felizmente, na última etapa, o chefe Gika levou-me na sua mota até Kalulu, aonde, em Março de 1990, fui para terminar a sexta classe, no ano lectivo 1989/90).
Desta vez é mesmo caminhar por gosto e nem sei se já percorri tanto assim uma outra cidade, perfurando-a pelos quatro pontos cardeais, ponta a ponta.
A partir da rua Dr. Kuaima Rikuako, já sem o vigor inicial, pois tinha também a sede como adversária, para além do sol que passei a encarar frontalmente, fui pensando na fluidez do trânsito automóvel nesta cidade. Quem não anda e não se apercebe das várias artérias circulares e perpendiculares que a cidade e seu entorno possuem, pode alimentar a ideia de que "a cidade não regista engarrafamentos como os nossos porque tem poucos carros". Seria ledo engano. O que a torna saudável e com um trânsito que corre como sangue num corpo jovem e são é a quantidade e qualidade de artérias. Há muitas viaturas circulando sem cessar, pelo menos durante o dia, mas há avenidas, ruas, ruelas e travessas bastantes para que tudo aconteça sem stress. Não há, à beira das rodovias montículos de areia varrida mas nunca recolhida e que volta a espalhar-se pela estrada e entupir as sarjetas, como acontece na nossa Luanda.
Outra constatação é o facto de se poder caminhar em toda a sua extensão. Será que podemos ainda nos alcandorar a chegar a esse patamar?
- Podemos! Porém, tal como as coisas estão na banda, só chegaremos a esse desiderato com medidas enérgicas e bastante corajosas. Não nos devemos dar por felizes tendo casebres de chapas erguidas sobre rodovias, como acontece nos Zango e noutras paragens. Não nos devemos sentir cómodos com o crescimento desordenado das cidades, sem macro-drenagem, sem que a construção das casas seja fiscalizada pela autoridade competente e sendo ocupadas antes do seu término.
Para mudar o cenário de Luanda, precisamos de aprender com os outros, mesmo sendo "mais novos", ao risco de nos contentarmos a ser comparados, ad eternum, ao vizinho do Nordeste.
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