Nas comunidades rurais e periurbanas conservadoras não se permite a frequência de infantes aos óbitos muito menos aos funerais. Morte é bastante dolorosa para que as crianças sejam esposas a ambientes de elevada comoção. Às vezes órfãos menores, e para evitar o choque, eram aclamados com expressões como "seu pai viajou ou sua mãe foi à cidade ver um familiar".
O cidadão educado nessas circunstâncias apenas começa a se aperceber do verdadeiro significado da vida e da morte na adolescência plena ou mesmo a entrar para a juventude.
Nessas idades, certas proibições e inibições se tornam permissões e, às vezes obrigações. Mas o recém entrado ao convívio dos adultos não tem ainda a maturidade suficiente. Não raciocina até ao limite das suas faculdades. Assim, frequentar aos óbitos e funerais são tomados, ainda como se "de diversão se tornasse". Vai para conversar, para se divertir, para ajudar no que lhe for solicitado e, nalguns casos, para comer e beber em fartura, pois os óbitos têm sido locais para que "bons comensais" façam gosto à arte, próprio da juventude que pela libertação de calorias precisa de repor energia em qualidade e quantidade.
Aos jovens não visitados pelo infortúnio, a morte se torna normal, sem dor, apenas um caminho a que todos seguem. Que é, é. Mas... É já quando a emoção dá lugar à razão pura e surge a crítica de tudo quanto nos é posto à frente, que a morte se torna anormal. O nosso subconsciente resiste em aceitá-la. As vezes se conserva o cadáver por tempo considerável, enquanto se fica entre a certeza da morte e a reversibilidade dela. Chora-se a meio gás. Acredita-se e não se acredita no passamento para outra dimensão da vida Apresenta-se a realidade de forma eufemística, como se quem deixou de se mover e de falar recuperasse essas faculdades e com o seu ser e estar de costumes voltasse, mais minutos, menos minutos, ao nosso convívio.
Chega, porém, o dia e a hora em que desaba o tecto dessa "crença miúda da reversibilidade". E aí, caímos na real. O nosso ente já não volta. Nem em parte estará connosco, pelo menos fisicamente. Vamos deixá-lo num campo onde impera o silêncio. Onde não se visitam os entes mas apenas o campo medonho. E o mundo desaba. É o fim que nos leva a reflectir também sobre o nosso fim. Quando chega esse momento, nada mais vale. As flores, a campa de mármore, os adornos, os títulos, as posses conseguidas e aquelas com que é bafejado no último adeus... Nem mesmo as roupas novas o cemitério chick ou a urna cara. Nada mais tem valor.
Aos de bom coração restará apenas agradecer tudo de bom quanto aconteceu. A vida, a amizade, os convívios e até algumas brigas para apimentar as relações. É o que fica na recordação, quando a saudade insistente bater à porta. Nada mais!
Texto publicado pelo Jornal de Angola de 04.11.2018
Texto publicado pelo Jornal de Angola de 04.11.2018
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