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domingo, janeiro 01, 2017

CONTEMPLANDO A PISCINA

Era pescador, embora não fosse a única profissão dele, pois os homens nascidos à beira do rio Longa tinham decidido ter três ocupações fundamentais: a agricultura em que se destaca a mandioca, a pesca do 'kikele" (peixe que se assemelha a tilápia, mas com escamas em cartilagens) e a caça. Um "homem de verdade", irrejeitável por uma garota, devia se aprimorar nessas três "profissões" ou em pelo menos duas delas.

Zequeno ou Godinho era era um "homem completo". Agricultava, caçava, pescava e nadava como ninguém. Dizem que até os jacarés o conheciam e com ele "mimicavam" no fundo d'água.

A rede que mais usava era a de arremesso, embora usasse também a de recolha, semelhante a um cesto preso a uma vara. A segunda é a raspadeira ou "kikoyona", enquanto a primeira é tratada carinhosamente pelo vocábulo ambundu de "wanda" (rede).

Mangodinho, para os mais novos, estava em Luanda. Primeiríssima vez.

Na casa do tio onde se hospedara, os olhos sempre na rede que cobria a piscina. Os ouvidos na electrobomba que rosnava incessantemente. Nos ouvidos dum campestre aquilo parecia o apitar de um grilo dos brancos. Era tanto o uso da água que fazia a bomba electrica não descansar.

Sempre atento e desperto, Mangodinho viajou ao Kuteka, sua terra natal, e à sua caixa de conhecimentos e experiências. A caminho de cinquenta anos, na sua aldeia natal, já tinha visto tudo, até elefantes, menos uma represa cuja água entrava e saia sem que houvesse um rio que a alimentasse. Ainda mais a "lagoa" com uma rede por cima.

- Não terá peixe? E porque não se pesca, se está tudo aí, em casa? Porque se compram malas de peixe para alimentar os que choram connosco, se a lagoa tem rede e não se conhecem rios caudalosos sem peixe?

A cabeça de Mangodinho era uma fábrica de inquietações, mas respostas claras não encontrava. Nem pessoa disponível para partilhar seus pensamentos.

Viveu a aflição semana e meia até que surgiu a oportunidade de desabafo. Chegou o Mbondondo, amigo de infância. Anos longos de convívio, desafios de mergulho e maior tempo debaixo de água, no caudaloso Longa. Mondondo abandonou a aldeia, faz tempo, mas a amizade carregada de laços parentais não se esvaiu.

- Epá! - falava Mangodinho em Kimbundu - Ojy´oko wakakeka? (Viste aquela lagoa lá dentro?) Parece mesmo lagoa de rio com peixe, jacaré e tudo. A água está a ferver!

- Sim, Zequeno. E assim estás a pensar o quê?

- Epá! Só me estou a imaginar na banda. Já tem "wanda" por cima e só falta pôr "matadi" (esferas de argila queimada que permitem dar peso e fundear a rede depois de arremessada ou armadilhada para a faina no dia seguinte). Acho mesmo que deve ter peixe!

Mbondondo na gargalhada. Mergulho profundo. Nem uma nem duas.

- Ó Zequeno, acorda. Piscina é só para tomar banho e a rede é para ninguém cair dentro dela. Acorda Zequeno, não fica burro, estás em Luanda!


Texto publicado pelo Jornal Nova Gazeta

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