Era
pescador, embora não fosse a única profissão dele, pois os homens nascidos à
beira do rio Longa tinham decidido ter três ocupações fundamentais: a
agricultura em que se destaca a mandioca, a pesca do 'kikele" (peixe que
se assemelha a tilápia, mas com escamas em cartilagens) e a caça. Um
"homem de verdade", irrejeitável por uma garota, devia se aprimorar
nessas três "profissões" ou em pelo menos duas delas.
Zequeno
ou Godinho era era um "homem completo". Agricultava, caçava, pescava
e nadava como ninguém. Dizem que até os jacarés o conheciam e com ele
"mimicavam" no fundo d'água.
A rede
que mais usava era a de arremesso, embora usasse também a de recolha,
semelhante a um cesto preso a uma vara. A segunda é a raspadeira ou
"kikoyona", enquanto a primeira é tratada carinhosamente pelo
vocábulo ambundu de "wanda" (rede).
Mangodinho,
para os mais novos, estava em Luanda. Primeiríssima vez.
Na casa
do tio onde se hospedara, os olhos sempre na rede que cobria a piscina. Os
ouvidos na electrobomba que rosnava incessantemente. Nos ouvidos dum campestre
aquilo parecia o apitar de um grilo dos brancos. Era tanto o uso da água que
fazia a bomba electrica não descansar.
Sempre
atento e desperto, Mangodinho viajou ao Kuteka, sua terra natal, e à sua caixa
de conhecimentos e experiências. A caminho de cinquenta anos, na sua aldeia
natal, já tinha visto tudo, até elefantes, menos uma represa cuja água entrava
e saia sem que houvesse um rio que a alimentasse. Ainda mais a
"lagoa" com uma rede por cima.
- Não
terá peixe? E porque não se pesca, se está tudo aí, em casa? Porque se compram
malas de peixe para alimentar os que choram connosco, se a lagoa tem rede e não
se conhecem rios caudalosos sem peixe?
A cabeça
de Mangodinho era uma fábrica de inquietações, mas respostas claras não
encontrava. Nem pessoa disponível para partilhar seus pensamentos.
Viveu a
aflição semana e meia até que surgiu a oportunidade de desabafo. Chegou o
Mbondondo, amigo de infância. Anos longos de convívio, desafios de mergulho e
maior tempo debaixo de água, no caudaloso Longa. Mondondo abandonou a aldeia,
faz tempo, mas a amizade carregada de laços parentais não se esvaiu.
- Epá! -
falava Mangodinho em Kimbundu - Ojy´oko wakakeka? (Viste aquela lagoa lá dentro?) Parece mesmo
lagoa de rio com peixe, jacaré e tudo. A água está a ferver!
- Sim,
Zequeno. E assim estás a pensar o quê?
- Epá! Só
me estou a imaginar na banda. Já tem "wanda" por cima e só falta pôr
"matadi" (esferas de argila queimada que permitem dar peso e fundear
a rede depois de arremessada ou armadilhada para a faina no dia seguinte). Acho
mesmo que deve ter peixe!
Mbondondo
na gargalhada. Mergulho profundo. Nem uma nem duas.
- Ó Zequeno, acorda. Piscina é só para
tomar banho e a rede é para ninguém cair dentro dela. Acorda Zequeno, não
fica burro, estás em Luanda!
Texto publicado pelo Jornal Nova Gazeta
Texto publicado pelo Jornal Nova Gazeta
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