As primeiras estórias
que ouvi da minha mãe e parentes, eu ainda infante, eram sobre "Kwisama
kwete môngwa!" (Há sal em Kisama!). Sim. Jazidas de sal gema que era muito
procurado pelos africanos do interior do reino do Ndongo de que as terras da
Kisama, Kambambi, Lubolu, entre outras eram partes integrantes. Depois
chegaram-me outras estórias sobre um local da Kisama, a beira do grande rio,
onde os enviados do rei Tuga mandaram erguer um porto fluvial, uma igreja e
outras instalações, dando início a um vilarejo que agora floresce com o
surgimento do asfalto. Muxima, pois claro!
Aqui, contam os que
frequentam o santuário católico com regularidade, acontecem coisas do arco da
velha. Chegou-me ao ouvido que duas esposas de um mesmo homem bafejado pela
sorte dos fáceis dólares do passado pegaram ambas em fotos da rival e foram
pedir a "mamã coração" que afastasse a adversária do seu caminho.
- Mamã muxima, apareci
sozinha, no tempo da pobreza, por que me surge uma intrusa na relação agora que
é tempo de colheita, ainda por cima de carnes fartas? Ajude-me mamã a
defuntá-la. Todo o víntimo vou trazer durante ano e meio, se a mamã me ajudar.
- Terá suplicado Kadihiba, a primeira das esposas do sô Kitadi Yangu.
- Mamã do coração, já
me deste metade do que te pedi nos últimos cinco anos. Só falta aquela cavalona
deixar de privatizar o homem, tipo nasceram juntos do mesmo ventre. Outras
abrem vaga, menos ela, mamã. Só falta um bocado. Mesmo metade do salário e
metade de tudo que ele me dá posso trazer à mamã se ela abrir vaga. - Implorou Kakinga, a Luanda dois.
O resultado, segundo o
meu amigo Katimba, que jura ter visto com seus próprios olhos, foi uma
pancadaria daquelas de pôr o padre com o pé no ngimbu, para que não fosse
apanhado por um murro perdido na algazarra.
- Foi na hora de levar
ao altar as ofertas e a prova (foto) do que se pede. Kadihiba com a cara de
Kakinga e essa com a da concorrente Kadihiba. As duas caralmente, olho no olho sem
espaço para esquiva. Ali esmo, nome chama nome, começaram a se dar kibetu. -
Narrou o sempre bem humorado Katimba que foi introduzindo, entre os supostos
factos, elementos de sua criatividade, dando mais calor à narrativa.
Contaram-me também que
as moças, aconselhadas por tias mais experimentadas, e algumas tias na idade
entre " a sobra e o salda negócio" são as que mais preces dedicam à
mamã para que mande no seu caminho um homem que tenha "quatro cês sem
efe-a". Vou explicar melhor essa dos cês e sem efe-a. É tudo da lavra do
Man Didas que nasceu na Kisama ao tempo em que os kisamistas se diziam ainda
kwanza-sulinos: "casamento, casa, carro e conta farta sem filhos
anteriores", reportou-me o Didi Segundo com a seriedade que lhe é
característica.
Pois, essas estórias
todas acrescidas ao discurso de um idoso do município biodiverso da Kisama que
numa das barracas de Katete narrou a célebre frase "uxa dikongo, kuxê
kitadi. Andodijiba (deves deixar dívida e não dinheiro como herança vão
matar-se)!", levou-me a espreitar o outro lado do Kwanza, atravessando
pela segunda ponte, da foz à nascente, a que se estende sobre os terrenos
pantanosos da Kabala. Quem não se lembra da Kabala, reportada no antigo livro
de leitura da segunda classe, ensino do tempo de Agostinho Neto, onde se lia:
"na Kabala, uma pequena aldeia perto do rio Kwanza vive a família do Viti.
O pai trabalha na loja do povo. A mãe trabalha na lavra. O Viti e os irmãos
andam na escola".
Pois é. Transpus a
Kabala intalado no Fiat punto que ensaiava o motor, acompanhado da mulher, que
ignorava o destino, e lá nos fizemos Kisama adentro, ou melhor, coração
adentro. MUXIMA! A Entrada é de cortar a respiração. A estrada é um sulco sobre
a montanha lamacenta nos dias de fúria de São Pedro. As habitações e outras
construções melhor apresentadas, construídas em alvenaria para longa vida,
acham-se em topos de colinas, fazendo as águas pluviais deslizarem até à curta
zona plana que se estende longitudinalmente como faixa de lençol, entregando-se
lateralmente ao Kwanza milenar.
As devotas peregrinas,
sem chuva nem distâncias que as detêm, marcam presença no terreiro contiguo à
capela ou nas instalações vizinhas, erguendo tendas de campismo. A capitania do
Porto de Luanda, a polícia e outras instituições como o Partido MPLA mostram-se
também aos residentes e aos visitantes com suas representações. E aqueles que
exploram o turismo interior encontram a "senhora Ritz" ocupando a
parte da zona baixa com módulos contentorizados a preço concorrencial.
- O kakusu tem de
encomendar com antecedência. É preciso pedir "nos" pescadores para
trazerem na faina da manhã. - Explicou a garçonete caprichosamente vestida. Uma
saia chitada, neve branca da cintura acima e negro na batina a combinar com
cabelos reais.
Quanto aos quartos, lá
estão, "mas se vier em tempo de maior peregrinação, tem de fazer
reserva" para não lerpar. Aconselha o gerente tuga para quem "há quem
até encomende o quarto com um ano de antecedência". Verdade ou não, foi a
boca dele que cumpriu com o papel da fala. Quartos havia de sobra num dia de
chuva miúda e continuada e muximeiros escassos quando contados e comparados aos
números milhentos da televisão.
- E a catedral mostrada
ao papa, marido? Será que está noutro lugar fora daqui? - Quis saber a mulher a
quem sosseguei com um "está no Vaticano. Come e relaxa porque ainda temos
118 quilómetros até a casa!"
Obs: texto publicado no Semanário Angolense a 04 Dez 2015.
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