AT 129 –
Sociedade
– Luciano
Canhanga1. Jornalista há vinte anos, costuma dizer que não é escritor, apenas um contador e descritor da sociedade. Como observa a sociedade angolana contemporânea e as suas transformações nestes 40 anos de independência?
Quarenta anos é
quanto terei daqui a nada. Tudo o que sei da sociedade pré-independência é
fruto de leituras e de ouvir contar. Sigo as entrevistas do Drumond Jaime e
Helder Bárber aos obreiros da luta pela emancipação de Angola. Eu mesmo,
enquanto jornalista fiz várias entrevistas que me ajudaram a compreender o quão
difícil foi a vida para os nativos negros no tempo de outra senhora. Era uma
vida abaixo de cão, quando os cães deles tinham direitos humanos. Isso fez com
que muitos intelectuais e assimilados daquela época abdicassem das suas
mordomias e encetassem uma revolta que nos conduziu à independência. Podemos
também abordar as transformações no campo do conhecimento e das ciências onde
se contavam aos dedos os negros com formação e ocupando lugares de destaque na
administração colonial. Em termos de infra-estruturas herdamos também muito
pouco dos cinco séculos de colonização, quando comparado com o muito que se
ergueu nos 40 anos de independência e com maior realce para os últimos 13 anos.
Sou fruto da independência e sinto que temos vindo a somar em todos os
domínios, até no campo literário.
2. Agostinho
Neto está presente na sociedade angolana? Ainda se sente o seu legado?
Tem sido
recordado em Setembro de cada ano, e algumas vezes quando saudosistas como eu
recitam os seus poemas ou as suas palavras de ordem como #Nós somos milhões e contra milhões ninguém combate#. Há um
despertar de consciências que quase adormeceram mas ainda vamos a tempo. A
conclusão do seu memorial na Praça da República, o erguer da sua estátua no
Largo da Independência, a colocação de seus bustos em vários largos das nossas
cidades, a feitura de ensaios sobre Neto, a reflexão sobre seus escritos como #Adeus à hora da largada#, entre outras
actividades, configuram acções que vão perpectuar e elevar Neto à sua verdadeira
dimensão, sem os chavões reducionistas e utópicos doutrora. O legado de Neto é
inapagável e incontornável.
3. Com
cinco livros publicados entre 2010-2015, assina com o pseudónimo Soberano
Canhanga. Porquê a escolha?
Sou neto e
homónimo do Soba Canhanga da região de Kuteka, nas margens do Longa, entre
Libolo e Kibala. Para quem já era tratado como Soba Kanhanga, daí para Soberano
foi meio caminho. Sem grandezas ou imodéstias, foi essa a razão da escolha do
pseudónimo.
4. Bloguista
desde 2005, tem seis blogues, escrevendo sobre aspectos antropológicos,
sociais, históricos, comunicacionais. Considera esta plataforma uma extensão do
jornalismo contemporâneo?
Indubitavelmente,
o jornalismo tradicional focado para a simples transmissão do facto actual e de
interesse público vai perdendo terreno para a media alternativa. Sem poder
exercitar o jornalismo puro, encontrei nos meus blogues a forma de participar
neste edifício informativo e comunicacional. E, sinto-me regozijado por ter
sido ponto de partida para reportagens com profundidade elaboradas por jornais
e rádios de Luanda. Nos meus blogues tanto informo, partilho pontos de vista,
como também formo. O jornalismo hoje tende mais para a análise e interpretação
dos factos, deixando, aos poucos, o anúncio dos factos para os blogues,
facebook e similares.
5. A
internet e as redes sociais têm contribuído para a produção dos novos autores
angolanos ou, pelo contrário, poderão dispersar ou mesmo apagar o passado, as
referências?
Vejo a internet
e as redes sociais mais no sentido positivo da partilha de informação em curto
espaço de tempo e sem necessidade de muito aprumo. Muitos artistas de hoje só
são conhecidos graças a essas novas ferramentas de difusão. Aliás, o conceito
de blandig marketing ganha cada vez mais corpo hoje. Nenhuma promoção é eficaz
se não abarcar a componente dos novos medias ou alternativos. A conservação
das informações em termos de facebook, por exemplo, é ténue, porém os blogues
e os sites que estão conectados ao google conservam a informação e até permitem
o acesso rápido às memórias. Vejo mais vantagens do que desvantagens.
6. Que
análise faz da nova vaga de autores angolanos? De que forma se relacionam com
os consagrados?
Tenho ainda
pouca idade para comparar a interação entre os artistas de gerações distintas no
passado e no presente. Das idas constantes à União dos Escritores Angolanos, na
década de noventa, enquanto estudante do ensino médio, posso aferir que me
parecia haver maior intercâmbio entre as gerações daquele tempo. Entendo também
que as preocupações e as limitações temporais eram outras. Hoje está todo o
mundo a correr e a procura de algo que ninguém encontra. Há pouco tempo para os
consagrados dedicarem aos que anseiam por um lugar ao sol. Mesmo para ser
acolhido na penumbra, o indivíduo precisa de ter sorte. Felizmente, tive a
sorte de encontrar dois guias, o angolano Tazuary Nkeita e o Armando Graça, um
reformado português com passagem por Angola. Foi com a ajuda deles que dei forma
aos meus primeiros três textos publicados. Para dar de graça os ensinamentos
que deles recebi de graça adoptei a Mãe dos Setinhos que deve apresentar o seu
primeiro trabalho ainda em 29015, como também criei na Lunda Sul o Núcleo de
Jovens Amigos da Literatura que funciona como escola solidária onde os membros se auto ajudam a aprimorar a
técnica da escrita e a língua veicular em Angola.
7. Na
sua escrita recorre a paralelismos entre a vida humana e o mundo animal. Considera
o Humano divorciado da Natureza?
Para um
individuo nascido numa fazenda cafeícola, sem mais nada à volta senão a selva,
a vida está frequentemente associada à natureza. Basta ver a semi-floresta que
é a minha casa. Os homens, para mim, são apenas seres naturais que escolheram
uma forma de vida distinta dos outros animais. A natureza está presente em
todos os nossos actos. Até mesmo o lado animal reside em nós, e emerge em
alguns momentos de menor razão.
8. Nos
seus textos, considera que o homem é um “ser gregário e solidário que necessita
da associação, cooperação e interdependência com os seus semelhantes”. São
estas as fundações de Angola?
De facto, só
juntos. Só pensando na mesma direcção com vista a um objectivo comum, seremos
fortes e capazes. Há já muitos anos que o ser humano vem provando que as
grandes realizações só se tornam possíveis quando os homens se congregam,
traçam objectivos que a todos satisfazem e trabalham para atingir tais
desideratos. No nosso caso, a pacificação, a reconstrução e a construção de um
Novo País devem ser as nossas metas, independentemente das convicções
ideológicas.
9. Termos
como empreendedorismo e diversificação são os alicerces do futuro da Nação?
Primeiro
devemos desmistificar o que muitos angolanos carregam no seu subconsciente de
que #Somos um povo e país muito rico#,
como se os recursos naturais, no subsolo, uns ainda por estudar, outros por
recuperar, fossem riquezas factuais mesmo sem tecnologia e conhecimentos. A
principal riqueza deve fundar-se no conhecimento e no trabalho. Depois, temos
de explorar todas as adjacências e deixar de depender de um só produto de
exportação para que haja menos importação e fontes alternativas para entrada de
divisas. Temos também de deixar de nos envergonhar em fazer pequenos negócios.
Basta ver quem detém o comércio retalhista quando há milhares de angolanos de
mãos estendidas para ganhar um pão. Fazer negócios limpos deve ser vocação de
todos nós e não apenas de expatriados. O
Governo deve é continuar a criar legislação e serviços que facilitem o
estabelecimento de pequenos negócios. Os serviços públicos, quando necessitem, devem
recorrer aos empreendedores para que se desenvolvam e se fortifiquem.
10. Pegando
nas palavras de Nelson Mandela, considera que “o melhor ensino é o exemplo”? Que
evolução nota no sistema de ensino nacional?
Mesmo na minha
língua materna (meus primeiros diálogos foram em Kimbundu) há um adágio que
reza que todo o ensinamento só se torna
sólido se seguido de uma exemplificaçao. Não basta falar. É preciso
demonstrar ou exemplificar. Como profissional e como académico, essa tem sido a
minha práxis. Quanto ao ensino em Angola, considero que já foi melhor nos anos
que se seguiram à independência, quando ainda reinava a palmatória e a
reprovação por notas baixas. Hoje, me parece que se está mais para os diplomas
do que para os conhecimentos e até alguns pais e encarregados de educação, em
vez de inculcarem nos filhos a busca de conhecimentos, concentram-se mais nos
diplomas. Só isso justifica o exército de consultores expatriados que temos nas
nossas instituições. Estudamos mal e nos contentamos em pagar rios de dólares a
alguns doutores de qualidade duvidosa.
11. A História é um meio de analisar o passado
para entender o presente e olhar para o futuro. Nesta perspectiva, quais os
maiores desafios de Angola?
Fui estudante de História e tenho um pouco
dessa vocação de olhar para o passado. Os angolanos têm a obrigação de escrever
a sua História de forma desapaixonada. Sei que há um esforço nesse sentido.
Organizações como a ATD (Associação Tchiweka de Documentação), a RNA, a LAC e
outras, vão recolhendo testemunhos que podem servir os redactores da nossa
verdadeira História. Daqui a nada, os arquivos ainda classificados se abrem e
os Historiadores terão matérias para contar, de forma equidistante, a nossa
trajectória como país. Há também muitos livros de cariz histõrico e de memórias
como os dos nacionalistas Lúcio Lara, Dino Matrosse, Kundi Paihama, José
Chiwale e o professor Jean Michel Mabeko Tali, só para citar alguns. São
contributos de extrema vitalidade para que um dia saibamos que exemplos
preservar e quem foram, na verdade, os heróis da nossa História.
12. Aquilo que foi preconizado em 1975, está hoje
a ser cumprido?
Calculo que
algumas coisas tenham sido cumpridas e outras por cumprir. Tivemos
condicionalismos endógenos e exógenos que desviaram as atenções dos nossos
dirigentes. É obvio que sempre que entrevistei, enquanto jornalista, os
obreiros da independência, alguns diziam que o país tomou um rumo distinto
daquele que haviam desenhado. Também é obvio que não tinham sonhado com a
guerra civil nem com a queda do Socialismo que inspirou os seus sonhos. O meu
balanço e a minha perspectiva é de que devemos olhar para frente, corrigir o
que nos correu mal e não cometermos os erros do passado. O país chama-nos para
uma nova atitude.
13. Com 40 anos independência, estamos perante
uma Angola emancipada?
Emancipada do jugo colonial e das potências
com ambições desmensuradas em nossos recursos naturais. Já canto a música #em
Angola mando eu#. Porém, tal como os homens são gregários e interdependentes,
assim são também as relações entre os Estados. Precisamos ainda do apoio de
outros Estados com os quais mantemos relações amistosas para desenvolver o
nosso país.
14. Que individualidade melhor personifica a
essência angolana?
Estou perante uma pergunta fácil de resposta
difícil. Calculo que cada angolano encontre no nosso mosaico cultural e
político um líder que o inspire e que siga como modelo. O verdadeiro angolano é
mulher ou homem de paz, de acções ponderadas, , tolerante, solidário e
optimista. A liderança máxima do nosso país tem essas e outras qualidades
imprescindíveis.
Mesmo
com a crise financeira que nos assola, seremos um país melhor para se viver.
Vamos continuar a crescer intelectual e materialmente.
Nota: entrevista realizada em Novembro de 2015.
Nota: entrevista realizada em Novembro de 2015.
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