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quinta-feira, outubro 22, 2015

A SAUDADE QUE BROTA DO EMPENHO

- Por que, quando estamos em gozo de licença,  só a minha irmã recebe chamadas de colegas e do chefe a consultarem algo sobre o trabalho, se somos colegas? Por que só a ela as pessoas dizem "sentimos muito a tua ausência", quando voltamos ao serviço, findas as férias? - As perguntas de Njamba pareciam infinitas.

 Njamba não é uma jovem que sinta inveja da mana, mas a vida profissional, depois de toda a infância e adolescência juntas e recebendo dos pais e comunidade tratamento idêntico, faz delas, hoje, pessoas distintas, embora muito parecidas fisicamente.

Njamba e Ngeve, gémeas verdadeiras, sempre confundiram os colegas nas escolas em que frequentaram o ensino primário, médio e superior. Sendo duas raparigas de pele bronzeada e músculos torneados, as manas faziam-se passar, quando quisessem, uma pela outra sem o mínimo de desconfiança da "vitima". No banco e nos exames de recurso, que o digam os funcionários e os professores?!

- Njamba ou Ngeve? - Questionavam os mestres na academia.

- Sou eu mesma. A minha irmã dispensou o exame  - Defendia-se quem estivesse na condição de examinanda.

Houve vezes que que cada assumia seus actos singulares sem usar a falsa identidade. Porém, a pergunta "Njamba ou Ngeve?", só para confirmar, nunca se fazia ausente. Elas, com o "maior a vontade", sempre no ataque: sou eu mesma (Njamba ou Ngeve que escolhesse o questionador).

Depois de formadas, com sucesso académico, em Administração de empresas, as "manas parecidas", como também eram conhecidas concorreram à Função Pública tendo, novamente, a sorte as acolhido. Ficaram aprovadas e, mais uma vez, ficaram juntas no Departamento de Intercâmbio onde Ngeve se destacava com a sua entrega abnegada e criatividade, enquanto a irmã Njamba era mais dada à lide caseira e a pequenos negócios. O emprego para Njamba era apenas uma forma de não se distanciar da irmã e uma questão de estatuto social.

- Mulher que trabalha tem outra respeitabilidade no bairro e mesmo os cavalheiros que se atrevam a perder vergonha, na hora de desfilar a prosa, pensam duas a três vezes . - Dizia-se no bairro das Acácias onde residiam. Isso envaidecia as manas e outras jovens da urbanidade e fazia com que Njamba seguisse as pegadas de Ngeve que, por sua vez, coleccionava distinção atrás de distinção por causa do seu inconformismo com o status quo e a sua capacidade inventiva. Em termos de resultados práticos, Ngeve era das que mais produziam e estava sempre a inovar nos procedimentos, procurando poupar desperdício de tempo e material.

- O cérebro é a mais útil das ferramentas de trabalho do homem e não pode ser aposentado antes da morte. - Recitava incansavelmente Ngeve.

 Essa sua entrega e prontidão, que contagiava o resto da equipa e a liderança, faziam dela uma mascote. As suas ausências eram rapidamente percebidas até pela alta hierarquia da organização. Não pelo seu brilho corporal que, embora dotado de um arranjo escultural, tinha uma exposição situada na penumbra. Era pelo seu bem fazer e sempre com alegria no rosto, mesmo quando a tarefa fosse penosa.

Njamba era diferente. Mais vistosa e mais exposta à luz e aos megafones do que à actividade trabalhista. Se faltasse, ninguém na equipa dava por ela. Porém, quando fosse o inverso, se por uma razão bem ponderada Ngeve se ausentasse, Njamba era bombardeada com a pergunta "que se passou com a sua mana do sorriso aberto?" a quem disfarçadamente a liderança mostrava empatia e saudades.

- Mas nós somos gémeas verdadeiras e vocês apenas se lembram dela? - Reclamou certa vez meio aborrecida, depois de ter gozado férias sem que ninguém tivesse sentido a sua falta.

Pascoalina, uma idosa já reformada que havia sido recontratada para formar os novos agentes administrativos e contribuir para a  moralização e comprometimento dos funcionários públicos daquele Ministério, puxou da sua experiência e sabedoria para uma lição de vida que Njamba afirma jamais se esquecerá. E a anciã, nos seus sessenta e cinco anos, começou assim:

- Filha, beleza acaba. Olha pra mim e diz se encontras nesses retalhos um corpo de miss? Já fui, entretanto, miss distrito, miss província ultramarina e primeira dama do concurso metropolitano no tempo doutra senhora. A Única faixa de miss que não se desfez com o tempo foi o meu empenho e responsabilidade profissional. É isso que motivou a minha recontratação quando já estava a cuidar dos netinhos e dos reumatismos. Queres ser bem lembrada e valorizada, filha? Trabalha!  - Recomendou Pascoalina.

A anciã fez pausa para buscar outro exemplo e prosseguiu:

- Nos tempos em que tínhamos a vossa idade, trabalho de escritório era maioritariamente para homens, as mulheres eram poucas, pois éramos mais direccionadas para donas de casa. É isso que você anseia? É para isso que queimaste pestanas na faculdade? Olha, Njamba, o patrão apenas se lembra de quem faz falta. Um dia, e não falta muito, a Administração Pública será gerida como são geridas as empresas. Estará ficada para os resultados e não mais para as simples presenças físicas e desfiles de meninas de cintura fina. Aí é que se verá quem merecerá ficar e quem deverá ser mandado para casa cuidar da roupa e da loiça. - Explicou a instrutora.

Njamba acompanhava atenta a explanação de Pascoalina que pausava apenas para regar os pulmões com  ar puro.

Ngeve, a gémea de Njamba, também apelidada de génia, estava em missão de serviço no exterior do país.

Pedagógica, dona Pascoalina prosseguiu:

- Queres marcar teus colegas e teus chefes para toda a vida, filha? Trabalha! Inova. Pensa todos os dias em coisas novas ou em como simplificar as tarefas, tornando os procedimentos menos burocráticos e menos dispendiosos em termos de tempo e de custos.

Do simples abanar da cabeça, em gesto de aprovação de tudo quanto ouvia, Njamba passou à anotação na sua agenda.

- Obrigada, 'vó' pelos conselhos. Reconheço que não tenho estado ao nível da Ngeve e compreendo hoje por que perguntam por ela quando não vem e por que razão de mim quase ninguém se lembra quando falto.- Confirmou Njamba.

- Pois minha filha, rematou Dona Pascoalina, apenas os que fazem falta são lembrados. E não te esqueças que todos os patrões, quer sejam privados ou estatais, são da "mesma escola". Se se apercebem que você não faz diferença mandam-te para casa na primeira oportunidade ou necessidade que tiverem de reduzir pessoal. Pensa nisso, filha. O país tem rumo e os tempos são de mudança de comportamento e mais atitude! - Concluiu Pascoalina sempre pedagógica e com ar maternal.

A conversa já ia longa quando o director chamou a equipa para comunicar que da avaliação de desempenho em curso resultaria na dispensa e transferência para unidades periféricas de agentes e funcionários que ainda não tinham encarnado a nova filosofia de trabalho. Njamba foi para casa pensativa ao passo que Pascoalina continuou as suas preleções, desta vez com Weza, um jovem que apresentava dificuldades de integração em equipas compostas por diferentes grupos etários.
NOTA: texto publicado pelo Semanário Angolense de 02 de Setembro de 2015

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