Njamba não é uma jovem
que sinta inveja da mana, mas a vida profissional, depois de toda a infância e
adolescência juntas e recebendo dos pais e comunidade tratamento idêntico, faz
delas, hoje, pessoas distintas, embora muito parecidas fisicamente.
Njamba e Ngeve, gémeas verdadeiras, sempre confundiram os
colegas nas escolas em que frequentaram o ensino primário, médio e superior.
Sendo duas raparigas de pele bronzeada e músculos torneados, as manas faziam-se
passar, quando quisessem, uma pela outra sem o mínimo de desconfiança da
"vitima". No banco e nos exames de recurso, que o digam os
funcionários e os professores?!
- Njamba ou Ngeve? - Questionavam os mestres na academia.
- Sou eu mesma. A minha irmã dispensou o exame - Defendia-se quem estivesse na condição de
examinanda.
Houve vezes que que cada assumia seus actos singulares sem
usar a falsa identidade. Porém, a pergunta "Njamba ou Ngeve?", só
para confirmar, nunca se fazia ausente. Elas, com o "maior a
vontade", sempre no ataque: sou eu mesma (Njamba ou Ngeve que escolhesse o
questionador).
Depois de formadas, com sucesso académico, em Administração
de empresas, as "manas parecidas", como também eram conhecidas
concorreram à Função Pública tendo, novamente, a sorte as acolhido. Ficaram
aprovadas e, mais uma vez, ficaram juntas no Departamento de Intercâmbio onde
Ngeve se destacava com a sua entrega abnegada e criatividade, enquanto a irmã
Njamba era mais dada à lide caseira e a pequenos negócios. O emprego para
Njamba era apenas uma forma de não se distanciar da irmã e uma questão de
estatuto social.
- Mulher que trabalha tem outra respeitabilidade no bairro e
mesmo os cavalheiros que se atrevam a perder vergonha, na hora de desfilar a
prosa, pensam duas a três vezes . - Dizia-se no bairro das Acácias onde
residiam. Isso envaidecia as manas e outras jovens da urbanidade e fazia com
que Njamba seguisse as pegadas de Ngeve que, por sua vez, coleccionava
distinção atrás de distinção por causa do seu inconformismo com o status quo e
a sua capacidade inventiva. Em termos de resultados práticos, Ngeve era das que
mais produziam e estava sempre a inovar nos procedimentos, procurando poupar
desperdício de tempo e material.
- O cérebro é a mais útil das ferramentas de trabalho do
homem e não pode ser aposentado antes da morte. - Recitava incansavelmente
Ngeve.
Essa sua entrega e
prontidão, que contagiava o resto da equipa e a liderança, faziam dela uma
mascote. As suas ausências eram rapidamente percebidas até pela alta hierarquia
da organização. Não pelo seu brilho corporal que, embora dotado de um arranjo
escultural, tinha uma exposição situada na penumbra. Era pelo seu bem fazer e
sempre com alegria no rosto, mesmo quando a tarefa fosse penosa.
Njamba era diferente. Mais vistosa e mais exposta à luz e aos
megafones do que à actividade trabalhista. Se faltasse, ninguém na equipa dava
por ela. Porém, quando fosse o inverso, se por uma razão bem ponderada Ngeve se
ausentasse, Njamba era bombardeada com a pergunta "que se passou com a sua
mana do sorriso aberto?" a quem disfarçadamente a liderança mostrava
empatia e saudades.
- Mas nós somos gémeas verdadeiras e vocês apenas se lembram
dela? - Reclamou certa vez meio aborrecida, depois de ter gozado férias sem que
ninguém tivesse sentido a sua falta.
Pascoalina, uma idosa já reformada que havia sido
recontratada para formar os novos agentes administrativos e contribuir para
a moralização e comprometimento dos
funcionários públicos daquele Ministério, puxou da sua experiência e sabedoria
para uma lição de vida que Njamba afirma jamais se esquecerá. E a anciã, nos
seus sessenta e cinco anos, começou assim:
- Filha, beleza acaba. Olha pra mim e diz se encontras nesses
retalhos um corpo de miss? Já fui, entretanto, miss distrito, miss província
ultramarina e primeira dama do concurso metropolitano no tempo doutra senhora.
A Única faixa de miss que não se desfez com o tempo foi o meu empenho e
responsabilidade profissional. É isso que motivou a minha recontratação quando
já estava a cuidar dos netinhos e dos reumatismos. Queres ser bem lembrada e
valorizada, filha? Trabalha! -
Recomendou Pascoalina.
A anciã fez pausa para buscar outro exemplo e prosseguiu:
- Nos tempos em que tínhamos a vossa idade, trabalho de
escritório era maioritariamente para homens, as mulheres eram poucas, pois
éramos mais direccionadas para donas de casa. É isso que você anseia? É para
isso que queimaste pestanas na faculdade? Olha, Njamba, o patrão apenas se lembra
de quem faz falta. Um dia, e não falta muito, a Administração Pública será
gerida como são geridas as empresas. Estará ficada para os resultados e não
mais para as simples presenças físicas e desfiles de meninas de cintura fina.
Aí é que se verá quem merecerá ficar e quem deverá ser mandado para casa cuidar
da roupa e da loiça. - Explicou a instrutora.
Njamba acompanhava atenta a explanação de Pascoalina que
pausava apenas para regar os pulmões com
ar puro.
Ngeve, a gémea de Njamba, também apelidada de génia, estava
em missão de serviço no exterior do país.
Pedagógica, dona Pascoalina prosseguiu:
- Queres marcar teus colegas e teus chefes para toda a vida,
filha? Trabalha! Inova. Pensa todos os dias em coisas novas ou em como
simplificar as tarefas, tornando os procedimentos menos burocráticos e menos
dispendiosos em termos de tempo e de custos.
Do simples abanar da cabeça, em gesto de aprovação de tudo
quanto ouvia, Njamba passou à anotação na sua agenda.
- Obrigada, 'vó' pelos conselhos. Reconheço que não tenho
estado ao nível da Ngeve e compreendo hoje por que perguntam por ela quando não
vem e por que razão de mim quase ninguém se lembra quando falto.- Confirmou
Njamba.
- Pois minha filha, rematou Dona Pascoalina, apenas os que
fazem falta são lembrados. E não te esqueças que todos os patrões, quer sejam
privados ou estatais, são da "mesma escola". Se se apercebem que você
não faz diferença mandam-te para casa na primeira oportunidade ou necessidade
que tiverem de reduzir pessoal. Pensa nisso, filha. O país tem rumo e os tempos
são de mudança de comportamento e mais atitude! - Concluiu Pascoalina sempre
pedagógica e com ar maternal.
A conversa já ia longa quando o director chamou a equipa para
comunicar que da avaliação de desempenho em curso resultaria na dispensa e
transferência para unidades periféricas de agentes e funcionários que ainda não
tinham encarnado a nova filosofia de trabalho. Njamba foi para casa pensativa
ao passo que Pascoalina continuou as suas preleções, desta vez com Weza, um jovem
que apresentava dificuldades de integração em equipas compostas por diferentes
grupos etários.
NOTA: texto publicado pelo Semanário Angolense de 02 de Setembro de 2015
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