Num olhar de soslaio ao “Relógio do Velho Trinta”,
meus olhos de ler depararam-se com a frase “álcool só na ferida”. Esta frase chamou-me a atenção e convidou-me a
folhear cautelosamente o texto, pois, diz Fernando Pessoa, que é:
Um
prazer
Não
cumprir um dever
Ter um
livro para ler
E não
fazer!
Sim! Este mundo dotado de uma pseudomania, que faz
do homem actual um ser aparente, para quem o ter releva o ser, o agir antecipa
o pensar. Nesta mundividência globalizante vivemos que nem um rio que corre bem
ou mal.
Portanto, “Livros
são papéis pintados com tinta. A distinção entre nada e coisa nenhuma”[1].
Não ler um livro sob pretexto de não ter tempo ou mesmo esta ser a actividade dos
loucos literatos é pedir de Cristo desistência da vida. Porque sem leitura não
há vida.
A leitura é um instrumento de capital importância
para a vida humana. A partir do momento em que a pessoa nasce, ela permite-lhe
dar sentido a todos aspectos da realidade objectiva.
No decorrer da existência humana a leitura continua
sendo essencial para que não só se possa conhecer, mas também interpretar o
mundo, fazendo leitura dos objectos, das pessoas, do ambiente, das situações e
de tudo aquilo que lhe rodeia.
A partir desses factos se pode caracterizar a
leitura como uma competência necessária e de extrema importância na vida de um
sujeito, dentro e fora da sala de aulas, pois ela proporciona descobertas do
meio circundante o qual, antes da leitura, era desconhecido pelo leitor.
Os soberanos olhos de Soberano Canhanga fizeram uma
leitura pontual da realidade objectiva. Captaram do sentimento popular cenários
relevantes para produzir esta obra literária, com que nos mimoseia hoje.
Se por um lado rende homenagem ao Jornalista da LAC
Pedro de Menezes, seu colega que desistiu da vida, no vigor da sua juventude. A
obra traz a desnuda Angola de olho no assunto, “visto claramente vendo”[2].
O que assistimos nos dias de hoje nos óbitos, os
ricos choram pelo nariz, pois é nele que mais se limpa e não nos olhos. Pagam
pessoas, as ditas carpideiras, para chorar de mil, cinco mil ou dez mil Kwanzas.
Como quem diz: chorar um ente querido é coisa de pobres. Afinal, já temos em Angola
velório chique.
Este é um exemplo claro de estarmos a viver uma
conturbada fase de desordens morais, em que cada um ousa em querer
tudo fazer em nome da liberdade. Terá isso algum legado?
Nisto, no entanto, impõe-se-me obviar que nascer
pobre nunca foi e nem será apanágio dos males a quinhoados, nem mesmo escape
para heresias dos bem-posicionados da sociedade.
O que vemos nos nossos dias: bufet para um óbito, yapa ofeka yapwa akepa olombwa vyafetika
okutakila omanu[3]…
por isso, álcool só na ferida.
Mas… “vongongo ya yehova levi vyatungamo, omanu
lava va tungamo[4]”,
alguns vivem como querem e outros como podem.
É imperioso
fazer-se ecoar os males da vida, em torta de acepipes a baço – negro feitos de necessidades perenes, senão
vejamos:
Ø O homem vive
sempre insatisfeito e, isso, é um facto permanente, procurar algo novo e
mais perfeito.
Ø O amor no
que homens e mulheres colocam a sua esperança de felicidade, por fim, se revela
decepcionante para muitos. Logo, o amor se torna na indústria fornecedora de
ilusões, fracassos, lágrimas, ansiedades, queixumes e desgostos.
Ø O homem vive na procura
do poder. E quando se lhe é dado um pouco de poder, homem ou mulher se
revela depressa a sua incapacidade de olhar para o ser humano subordinado como
um lixo. Enfim é uma espécie de cegueira no ajustamento do desejo de viver cada
vez melhor e a forma de o conquistar.
Ø E para salgar o pão que o diabo amassou: o mal do mundo circunscrito nas inundações, vulcões, doenças incuráveis,
estiagens, acidentes e até a própria morte.
Estes
aspectos, animaram a consciência atenta do Sujeito literário, que numa leitura
discreta da Mwangope, captou das algazarras do musseque da alma popular, traçou
um roteiro, com Satula, na vida recta e curvilínea, bravo combatente,
conquistador de vitórias, e hoje consumindo migalhas que nem “Lázaro em casa do
rico[5]”.
Igual a Satula
quantos antigos combatentes da Ngola Yetu, choram as malambas da vida no
walende? Quantos dele se riem e zombam? Estes são mambos da nossa banda.
O relógio do velho trinta, é semelhante ao:
Ovolu vateka
teka … vatekela ko kuyaka lomwe ondete vali[6] ou mesmo
olha catuta, puxa catuta… arranca catuta… são
problemas…
É a luta
pela sobrevivência e a contradição natural: ser proprietário de uma agência
funerária e augurar que mais gente morra para as panelas em casa não baixarem
de divisão… é caso para se dizer:
A glória desta vida é uma miséria ínfima.
A tristeza, nossa pena íntima;
O sorriso, uma alegria do acaso
Morre um no bairro: aleluia! O caixão vai ser comprado.
Hoje há pitéu em casa. Mas sem compatriotas mortos, temos walende connosco,
para relaxar as malambas da vida.
É assim na
banda. E esses elementos servem de base para o escritor rabiscar com o próprio
punho os cantos nos encantos e os cantos nos desencantos, tudo porque na
história da nossa vida aparecem muitos profetas: uns com soluções e outros com
distorções.
Mas, o
tempo no demérito das circunstâncias mistura os feitos e os efeitos. As
vitórias nos campos de batalha e a fome em casa, um esforço sem recompensa
pinta o quadro sombrio de Satula, que viu as iniciativas tentadoras do diabo visitar
seu coração.
“Elevo os
meus olhos para os montes
De onde me
vem o socorro?
O meu
socorro vem do Senhor que fez o céu e a terra[7]”
Meus
senhores, minhas senhoras!
Perante
este cenário, denota-se no Relógio do Velho
Trinta, obra que não deixa seus
créditos em mãos alheias, responsabilidade, solidariedade, sinceridade,
compreensão, respeito e AMOR, acima de tudo. Sim! É isso que frui no
Guerrilheiro, o orgulho de ter lutado por Angola. Demonstrar solidariedade, dar
o mínimo a quem precisa é um acto de nobreza. Deixemos as vaidades para o
mundo. Com os nossos compatriotas repartamos o que temos. Lembremo-nos que a
fartura individual é sorriso de gargalhada de boca fechada, e se isso é
possível, então, seja o primeiro a tentar.
Assim, se confirma a preocupação do autor atento às
manifestações da alma popular no dia-a-dia da sua gente, através da arte clássica
em tempos modernos, fazendo convite aos cristãos, políticos, civis e
todas as forças viva da Nação Angolana, para participar do processo de
preservação, resgate, promoção e transmissão da nossa identidade cultural às
gerações jovens e quiçá as vindouras, tendo sempre presente a necessidade de
fazer-se alguma coisa que nos dignifique. É o compromisso do homem consigo próprio
e com o seu Deus-criador.
Caro leitor! Ciente de que há-de fazer uma boa leitura, convido-lhe,
outrossim, para aquisição deste livro, e seja você também um participe activo
na construção da glória e felicidade do povo Angolano,
na certeza de
que havemos de “ler cada vez mais para erradicar a pobreza
intelectual”.
Termino como
comecei com Fernando Pessoa:
“Mais que isto
É Jesus Cristo
Que não sabia nada
de finanças
Nem consta que
tivesse biblioteca[8]”…
Boa leitura.
Graça e
Paz!
Kuito, 16 de Agosto de 2014
Álvaro
Alves
Escritor
e poeta