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quinta-feira, dezembro 08, 2005

Cânticos anónimos III

“Ai ué, me tarracha só...”, “Fica só comigo, só mais um pouquinho...”,etc. São cânticos conhecidos e que geram outros Cânticos anónimos quando reproduzidos de forma ensurdecedora a céu aberto e dançadas em hasta pública como a ignorância ordena.
Passei hoje, depois de uma aula de moral, no meu bairro, pelo largo adjacente à Emissora nacional. Notei que é um lugar onde as campanhas de civismo sonoro gritadas na rádio, televisão e nos jornais continua a encontrar o seu mais directo violador.

A céu aberto e com robustos altifalantes virados a todos os ventos, os homens do civismo que promovem nos media o uso apertado de “decibês” em casa, fazem na rua o pior. E pior ainda porque promovem também a bebedice.

Há muito que assisto à cena e oiço anónimos reproduzindo as músicas e outros cânticos de teor atentatório à moral pública.

Decidi então avançar. Para as bandas do Catambor ver um velho amigo. O Velhinho. Dois passos depois, cruzei com as preces de um idoso na casa dos setenta, mais ou menos. O meu cálculo é apenas pela forma trôpega que não evitou o desabafo perante ao que assistia.
_ “ Perdoe-me Deus, mas estes homens já não ouvem mais”.

O ancião anónimo olhava para as cores conhecidas dos promotores do civismo, as mesmas que revestiam o largo barulhento. E não era só na baixa. O Muceque todo estava inundado de maratonas ruidosas.
-“Que civismo meu Deus, afinal estes homens são assim?”
- Outra interrogação duma beata que se dirigia ali ao lado, no Reino de Deus Rico.

Casada com o barulho a promoção cívica estende-se à tarracha, a dança do esfrega-esfrega, exercitada no descampado, também conhecida por irmã gémea do strip tease.
_“Esta dança pornográfica ganha corpo e ninguém move palha?”- "Issunji!" Conclui a beata anónima.


No meu andar e ouvir despreocupado soube depois que um jornal Capital(ista) lhe tinha dedicado páginas de reflexão que aguardam ainda pela mão leve do “quem de direito”.

À boca da Igreja idosas conservadoras suplicavam se “ vamos continuar a ver nossos filhos e filhas a se aquecerem o “matrindindi” à nossa frente ou se vão indicar locais apropriados para a moda deles”?

Sem chatices, o jardineiro do hotel Estrelas Lavadas cantava o seu canto, cachimbando malambas e recordações de um tempo bom que o tempo levou.

_“É Revolução, kota”, gritou um rapaz que respondia ao amigo sobre o título do filme em exibição na casa de vídeo, ali naquele Muceque insular do Alvalade.

E eu, sem tempo ainda para a reflexão dos cânticos ouvidos, segui o meu caminho até à casa que o Velhinho me tinha mostrado. Felizmente, já lá não vivia. Estava empregado numa petrolífera.

Por: Soberano Canhanga.

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