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terça-feira, junho 04, 2024

EU, O NORTUGA E O GUILHERME

Os auriculares eram normais. Tal como os que Zezé usa. Apenas duas diferenças: quando o Zezé está à mesa e usa auriculares para falar ao telefone, discursa baixo, tão baixinho que parece estar a murmurar para que não lhe oiçam e percebam a conversa. A outra diferença é o que dono dos auriculares desta prosa era um nortuga que, de tanto se expor ao sol port'ambwimense, tinha a pele tão queimada, tão vermelha que parecia um russo.

O nortuga, embora ocupando sozinho a mesa em que se achava, estava rodeado de outros frequentadores do Farol, transformando a sua tertúlia íntima num desconforto aos que foram arrastados desprevenida e involuntariamente para aquela conversa que de um lado perguntava se "a praia do Port'Amboim lhe estava a kuyar" e ele respondendo ousado que "lhe bateria os glúteos à chegada".
_ São maneiras?

Ante a fermentação das "bichecas" no sangue do "Sussu", ficou instantaneamente assim conhecido, o bom do Fernando, um rapaz local que serve de "waiter" teve de pedir-lhe, discretamente, para baixar os decibéis que já denunciavam elevadas doses etílicas. Mas, tempo depois, o nortuga, voltou a vozeirar, desta vez falando sobre a limpeza e o azul das "iaguas" port'ambwimenses. Até que enfeitava os nossos ouvidos, entupidos por muita crítica maléfica e rasteira que polui os ventos.
_ A quem não cai bem um elogio?!

Nisso de preconização, faço data vênia ao Fernando e ao Guilherme. O Fernando, jovem que me recebeu à entrada é, como acima enunciado, natural do Port'Amboim. Polido, bem treinado para o trabalho que faz e bom "marketeiro" da empresa em que troca força e inteligência por dinheiro e amizades, acomodou-me, atendeu aos meus pedidos e sugeriu outros, ao contrário de alguns colaboradores em restaurantes que pensam que fazem favores ao cliente. O Fernando que, quando lhe disse que o meu avô respondia pelo mesmo nome, passou a me tratar por "meu neto" apesar de ter a idade do meu filho, soube cativar-me e ganhar a minha simpatia e amizade. Apresentou-me o Guilherme, chefe-de-cozinha que é kilendenses.

Das vezes em que parei no Porto Amboim para atender ao estômago notei que há muitos jovens da Kilenda a trabalhar com galhardia e qualidade na restauração. O Guilherme abandonou o interland, ainda pequeno, com a mãe, e instalaram-se junto ao mar. Comunga, como eu, que o mar é extenso. Tem e leva a muitos caminhos, sendo o importante saber aonde se vai e bregar para se chegar ao destino. "Apenas o pai de Guilherme ficou na Kilenda a cultivar mandioqueiras e caçar xywe". Mãe e filho foram em busca de novos horizontes.
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Crónica publicada pelo Jornal O Litoral de 25.05.24

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