Apesar das kitotas que tinham entrado sorrateiramente e com efeitos drásticos em nossas vidas, o resto parecia correr bem para uma criança do meu tempo. Rotinas conhecidas, até os tungos matinais que a mamã me dava ou o mano Sabalu-a-Soba, quando chamado para "me educar", se tinham convertido no meu normal.
A expressão "educar" valia para a repreensão correctiva, instrutiva, pedagógica e muito mais. O seu significado prático dependia do momento e da situação. Assim é que Sabalu era o meu educador, no sentido de me aconselhar a sonhar com coisas grandes e maravilhosas das cidades, adestrar-me no fabrico de brinquedos (ele fazia para mim e ensinava como fazê-los), gostar de ler e redigir, exercitar a tabuada de somar e multiplicar, punir-me quando tivesse faltado com os meus deveres e, vezes tantas, para tentar corrigir uma acção que também me era involuntária, a enurese noturna.
Assim íamos: ele mentor e eu pupilo que, de quando em vez, quando ele fosse chamado para "educar-me", dava-me uns tungo-zitos que nem chegavam a "ter dor de violência".
_ É teu irmão. Ele só quer o teu bem. _ Diziam-me quando o lado chateado me subia à cabeça.
Mas a vida seguia, cuidar de negócios da mamã, lavar a loiça, abastecer de água os utensílios, ir à padaria (dia sim, dia não), ir à escola e fazer o dever de casa (tarefa), jogar à bola e outras brincadeiras de undenge e urinar nos cantos dos becos em que brincávamos ou numa sucata de Beriliet Tramagal que se achava à entrada do campo do Kilwanji (Rangel).
Para a minha desgraça, os jogos, as brincadeiras e os mijos prolongavam-se até nos sonhos.
Que mais tem uma criança para sonhar, senão com as brincadeiras do dia seguinte, ou com o 1º de Junho, data em que a escola dava brinquedos que os papás mandavam guardar para que não se estragassem?
Pois, e fui sonhando a brincar e a mijar, encostado às sucatas ou num canto qualquer do beco em que jogávamos às castanhas, o que redundava em tungos no dia seguinte, depois de acordado com os calções ensopados.
Um dia, talvez cansado de me tungar, Sabalu-a-Soba veio ter comigo. Melhor, chamou-me naquele seu tom meio amistoso, de quem quer comunicar e corrigir uma acção indevida. Ia eu a caminho de 12 anos, já tardio para aqueles sonhos de bola, corridas, gafas e mijadelas.
_ Vem cá.
Fui trémulo e a tentar justificar que eu não tinha culpa. Estava a ser castigado por algo que não me era voluntário.
_ Hoje não te vou bater. Quero saber por que é que fazes xixi na cama?
Encontrei o meu dia. Pareciam estar comigo todos os santos.
_ Posso explicar, não me vais bater?
_ Hoje não, mas tens que falar a verdade. Tens tido medo de acordar e ir à casa de banho à noite?
_ Não!
_ Então, por que fazes xixi na cama? - Indagou em tom ameaçador, embora mantivesse a promessa de não passar da reprimenda verbal.
_ Eu sonho que estou a brincar ou a jogar no campo com os meus amigos. O campo tem um carro estragado onde temos ido mijar. Até os pais que ficam na bicha do Supermercado Ngola Kilwaji também se encostam lá para se aliviarem.
_ Sim. E o quê que a sucata que está no campo tem a ver com o teu xixi nas calças?
_ Eu fico a sonhar que estou a brincar e depois estou apertado. Sonho que me encosto ao Beriliet estragado para mijar e, quando acordo, fico molhado.
_ Percebi. Tu sonhas a mijar e mijas mesmo. A partir de hoje estás proibido de sonhar. Ou seja, se estiveres a sonhar quer estás no campo a jogar e estás a ter vontade de urinar, acorda. Não mija mais naquela sucata que é o teu colchão. Ouviste? Aliás, nunca mais mija no beco ou em sucatas. Estás apertado, vai à casa de banho. Assim, quer seja de dia ou de noite o teu esforço será encontrar um vaso sanitário. Certo?
- Sim mano. Mas assim a pessoa já não pode sonhar?
_ Sonhar uma ova, pá! Quando começas a sonhar, acorda já para ir mijar. Para sonhos de mijo estás proibido e essa é última conversa.
Não é que a enurese noturna desapareceu daí em diante?!
Num texto sobre "Paternidade, Desenvolvimento Infantil, Família, Maternidade", constado no Blog Quindim, a 16.06.24, Leonardo Ponso explica que "É comum encontrar famílias que passam por isso e precisam de adaptar as suas rotinas por conta da enurese noturna". De acordo com a Sociedade Brasileira de Urologia, cerca de 15% das crianças até os 5 anos de idade são afetadas pela enurese noturna.
A dificuldade em controlar a urina durante o sono pode ter variadas origens e afligem crianças de diferentes idades. Dessa maneira, as soluções também podem ser diversas.
Se você ainda não sabe o que é enurese noturna, as causas e como tratar, saiba mais sobre esse tema.
De maneira mais directa e popular, a enurese noturna é o tão conhecido “xixi na cama”, em que a criança urina involuntariamente durante o sono. Essa condição é incontrolável para os pequenos, então isso pode acontecer até mesmo em locais ou momentos inapropriados.
Apesar de ser desconfortável e até mesmo parecer constrangedor em alguns momentos, embora não o seja, já que a criança não tem culpa disso, a situação não oferece riscos à saúde física.
Além disso, a enurese noturna pode perdurar até a fase adulta, o que tem um impacto emocional e até social nas crianças e em suas famílias.
Dados partilhados pelo portal PEBMED apontam que:
"Cerca de 15% das crianças até os 5 anos sofrem com enurese noturna;
A cada ano de vida, 15% desses casos se resolvem;
Aproximadamente 8% dos meninos 4% das meninas permanecem com o problema aos 12 anos; desse total, apenas de 1% a 3% continuam com a condição após essa idade".
Você conhece alguém que passou ou tem uma criança com enurese nocturna? Estão, está mais informado sobre o tema.
1 comentário:
Publicado pelo Jornal de Angola a 28 de Julho de 2024.
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