Em Junho de 2023 conheci, finalmente, Dakar, a capital do Senegal, cidade que se renova, do aeroporto Blaise Diagne à marginal que oferece ventos e tranquilidade à principal universidade Cheikh Anta Diop. Depois de aplaudir os encantos como a limpeza e higiene, o baixo número de gatunos e bandidos que, em Luanda deviam fazer companhia a Judas, e outros avanços civilizacionais que, em alguns casos, põe Luanda debaixo do chinelo, um dos piores retratos são os congestionamentos que levam a fazer os perto de 50 quilómetros que separam a cidade ao aeroporto Blaise Diagne em não menos de hora e meia, quando se tem sorte (dias nefastos têm outras estórias contadas por pessoas que perderam o voo por se terem atrasado 30 segundos).
Chegado a Luanda, fiz o trajecto Kinaxixe-Ponte do Quilómetro 25 (Avenida Deolinda Rodrigues) -Zango IV-Kalemba II-Vila de Viana. Uff!
Notei que a "síndrome" do congestionamento dakarense, no trajecto cidade-aeroporto, pode "contaminar" o nosso novel Aeroporto Agostinho Neto, cuja abertura ao público diz-se que "está mais para acontecer do que prometer".
O tráfego automóvel de Dakar é afectado pelas paragens desordenadas de taxistas em alguns pontos, estreitando a via, e pelos pontos de pagamento/aferição de portagens que obrigam os condutores a abrandarem ou mesmo imobilizarem as viaturas. Também notei que a via-expressa tem, para além dos pontos de aferição de portagens, muros nos dois lados que impedem as entradas e saídas, antes dos pontos definidos. Por outro lado, a inexistência de transportes públicos, em quantidade e qualidade, na capital senegalesa é motivadora do aumento de táxis colectivos (amarelinhos) que, aliada à deficiente autoridade para os fazer parar em locais que não afectem o normal escoamento das demais viaturas, faz das vias de Dakar autênticos "provadores de paciência".
Quanto à nossa Luanda, a insuficiência de transportes públicos (catamarãs, autocarros e derivações de linhas férreas) aliada à falta de autoridade dos órgãos fiscalizadores e de punição aos taxistas desordeiros, vendedeiras que ocupam faixas de rodagem para expor isso e aquilo, fará, caso não se olhe para estes preocupantes detalhes, do nosso novo aeroporto, um dos menos desejados.
A adicionar à experiência de Dakar e a sua possível analogia ao que se pode alastrar a Luanda, visitei Kinhasa. Em poucas horas de estada, pude apreciar com enlevo a beleza dos campos adjacentes ao aeroporto de N'djili, assim como o elevado número de universidades e o apego dos congoleses ao conhecimento. Porém, a pobreza estampada nos rostos de gente que se vê sacrificada, a corrupção descarada e o trânsito caótico de N'djili à cidade, pior do que o tráfego rodoviário de Dakar, foi, para mim, uma das nódoas que se aduzirá às minhas perpétuas más recordações. Só para se ter uma ideia, de N'djili à Kemesha (cidade) demora-se, quando acompanhados por uma patrulha militarizada, uma hora. O engarrafamento é tão apertado que os taxistas andam aos empurrões, uns colados aos outros. Do que pude observar, a falta de paragens, a inexistência de fiscalização e punição dos prevaricadores (taxistas e vendedeiras) assomam-se como causas imediatas. Tal como em Dakar, também se pode concluir que é a falta de transportes públicos (em quantidade e qualidade) que faz proliferar os amarelinhos, e toda a sua subsequente desordem e congestionamento do trânsito.
Regressado de Kinshasa, onde: a corrida de táxi custa 1000 Francos, equivalentes a 1 dólar americano; os motoqueiros cobram em função da distância e levam, normalmente, 3 passageiros;
o Marché Mariano é o bairro que mais alberga angolanos considerados aqui como "riches"; o bairro N'djili (subúrbios de Kinshasa) é o que mais "exporta" congoleses para Angola;
os chouffers e outros intermediários dizem apreciar acolher delegações "angolaises", porque sabem "gorjetar"; os "sapeurs" se fazem às ruas à quinta-feira, exibindo vidas largas, mesmo com finanças ordinárias parcas; meti-me a reflectir e à busca de eventuais analogias desorganizacionais e comportamentais com a nossa Luanda ou partes dela. Veio-me à memória a Rotunda do Kalemba II. Daquele ponto, quer queira trafegar para Viana, Estádio 11 de Novembro ou Kamama, o automobilista arrisca-se a perder perto de uma hora para desfazer-se de uma tremenda confusão de vendedeiras que ocupam o espaço de viaturas, kandongueiros que param em paralelo, impedindo a passagem para os que lhes seguem atrás e, como se não bastasse, centenas de kaleluyas que desobedecem às mais primárias regras de condução em vias públicas.
Olhando para a composição e origem de grande parte dos moradores de Kalemba II, visto e anotado tudo o que se assiste na Rotunda supra descrita, uma pergunta me persegue: não será Kelemba II o início da kinhasização de Luanda?
Publicado no Jornal de Angola de 13.08.2023