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segunda-feira, março 27, 2023

O CARNAVAL DE KALULU - ANOS 80 A 90

O Carnaval dos anos que se seguiram à independência, em Angola, foi apelidado de "da Vitória". Uns, mais ousados (na escrita errônea ou na crítica sarcástica) escreviam "da Victória" e passou a ser dançado a 27 de Março, apara "assinalar a saída do último sul-africano racista do solo pátrio", depois da invasão que visava impedir o MPLA de proclamar a independência e colocar um lacaio na direcção do país.

Já tinha assistido ao desfile do cinganji, na antiga Fazenda Israel, sem saber por que razão apareciam aqueles fantasiados que punham medo à miudagem e que os mais velhos diziam, "não podiam ser alcançados nem tocados". Todavia, o meu 1º Carnaval foi em Luanda. Tendo chegado ao Rangel em 1984, calculo que no final do ano comecei a ouvir e a ver os ensaios dos grupos Atuzemba e União Estrela que ficavam a poucos metros de casa (Kaputu). Depois, entre finais de Fevereiro e início de Março, começavam as aparições nas ruas, o chamado Carnaval de Rua. Uns chegavam a descer á Marginal Antiga para o desfile provincial. Outros ficavam-se pelas ruas do Rangel, tocando e dançando para a população que fazia vênia com oferta do que houvesse: bens alimentares e ou moedas.

Regressado ao Lubolu, desta a Kalulu, em 1987, encontrei outro Carnaval, melhor do que os cingaji da Fazenda Israel e de menor expressão do que o Carnaval do Rangel.

Em Kalulu, dos anos 80 a 90 (século XX), quem, grosso modo, fazia o Carnaval eram os alunos das escolas e os funcionários públicos ligados à educação, à saúde e à cafeicultura (Libolo I, II e II). À data, as escolas primárias contavam-se aos dedos de uma mão: a Escola nº 1 (Agostinho Neto) fica(va) na Vila. A nº 2 era a da Missão Católica, ao Musafu. A nº 3 era a da Banza de Kalulu. A estas se juntava a da Kakula e a "Escola Técnica", Kwame Nkrumah, que era a maior, atendendo o II e III níveis de ensino.

Fora dos grupos carnavalescos escolares, todos compostos por crianças e adolescentes, um ou dois grupos da classe de adultos participavam (quando calhasse) do Carnaval. O do "Gabriel"1 era o mais frequente e mais bem estruturado. Era o único que já levava alguma alegoria e que nos fazia ver além dos habituais cartazes dos Camaradas Presidentes. 

As canções, estas eram vezeiras. A mesma melodia que, ano após ano, recebia ligeiras emendas à letra, quando não fosse a mesma letra do ano passado.

No ano de 1989 fui ao Jardim de Kalulu assistir ao Carnaval. A escadaria da Fortaleza (ao lado o "palácio" do comissário municipal) acolhia a tribuna.

O primeiro grupo a desfilar cantava aos presentes, dentre eles o comissário Keka Ngó que havia substituído o comissário Toni:

"Nosso rei vai entrara na tribuna

para saudá (bis 3 vezes)

para saudá o camarada comissário!"

Primeiro desfilavam os grupos escolares e depois o(s) de adulto, quando houvesse.

Era tempos de Kitotas nas rotas Munenga-Kalulu, Kalulu-Lwati e, sobretudo no Kisongo, aonde o batalhão LCB das FAPLA não ia. Mas, o povo pretendia "dar sangue" ao novo comissário, ele um militar com patentes, vindo do Sumbe, e incentivá-lo a desalojar os kwachas do Kisongo. Por isso o grupo cantava:

"Keka Ngó sabe lutar (bis)

Olha que a Unita já está no Kisongo

A Unita quer nos acabar..."

Cada texto tinha o seu contexto. Era assim e continua a ser no Carnaval de Kalulu que cresceu e continuará a crescer.

1 - Chamámo-lo naquele ano de "grupo do Gabriel", mas, na verdade haviam feito uma homenagem ao Gabriel.

Texto publicado no Jornal O Litoral de 03 de maio de 2023

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