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terça-feira, setembro 21, 2021

ANDULO QUE NÃO FALA UMBUNDU

A reabertura de Luanda ao país, dois anos depois de chegar a covid-19, está a ser vivida com grande intensidade. Talvez pensando na experiência da "mini-paz", aquela de 1991-92 que trouxe a falsa quimera de "twaliyeva, twayovoka", a que se seguiu um fecho pior até 2002. O acordo de Lusaka de 20 de Novembro de 2004 e o "Gurne" que se lhe seguiu foram aborto de mini-paz e nenhuma se iguala a essa que estamos com ela.


Desta vez, as manas e os manos que já viveram nas décadas de guerra pré-eleitoral e todas as mini-paz, decidiram:
- Se abriram Luanda, vamos aproveitar sair, ir passear, visitar as famílias, ver monumentos, fazer turismo, revitalizar-se longe dos filhos, etc.
Uns estão a sair mesmo com turismos, uns é com pick ups e jeeps. Outros é mesmo com e em camiões. O sarcov-2 e sua pandemia ainda estão a ser ignorados (mas, cuidado)!
De Miconje à Foz do Kunene e do Lobito ao Lwaw, as estradas variam entre o muito bom, o bom, o razoável, o dá para chegar ao destino e o horrível a precisarem de cabeça pensante e mão trabalhadora para conseguir dinheiro e refazê-las.
Foi nesse turbilhão de ideias e de "vamos aproveitar" que a minha "ndona" disse para mim:
- Ó coiso, você num tá de férias?! Ainda vamos ao Andulo!
Para quem esteja em falta, qualquer ordem é só já acatar. Peguei as malas e pu-las no carro. Tutulukutu! Nem tempo tive para em pensar em tal Andulo em que nunca estive.
Quando tentei reclamar, só um pouco, a procurar mostrar que existo, a senhora ansiosa em ir à sua terra "natal", gritou-me um "vamos com Gêpess". Nem sequer perguntou se o telefone tinha saldo de dados para alimentar o GPS. Fomos. Andar era só andar.
Depois de duas horas e meia ao volante, ergui a cabeça e vi uma placa escrita QUIBALA NORTE. A mulher também retirou os olhos do whatsapp e exteriorizou um estalido bocal (na minha língua é muxoxu).
- Fiiuuu! Não estavas só a temar que não conheces o caminho? Estamos a chegar à Quibala. Depois da Vila, entra pelo caminho do Mussende. - Ordenou.
Acelerei. A estrada estava boa. O velocímetro parecia decidido em ficar entre os 120 e 140Km/h. O motor contava uma canção alegre. Parecia empolgado. Não demorou, encontramos outra placa: ANDULO.
A mulher falou para mim, desta vez, com carinho.
- Ó marido, ainda chegamos!
- Chegamos onde?
- Não viste a placa?
- E as casas partidas, e o bunker, e a administração? - Lembrei-me da guerra e do tempo em que na recruta adoptei a alcunha de Matoumorro e comecei a rajadá-la com perguntas.
- Calma. Tudo isso está lá à frente. - Respondeu-me, ao que de imediato baixou o vidro para saudar:
- Ndati, ó manas, ainda passaram bem?!
À saudação recebeu silêncio apenas. Achei estranho mas ela relevou, atestando que "o Andulo estava a ser invadido por gente estranha que não falava umbundu" e podia tratar-se desses grupos trazidos pelo comércio e pelo garimpo nas margens do Kwanza.
Seguindo o ritmo da canção da máquina, voltei a acelerar. Não tardou, encontrámos uma vila. Os povos falavam uma língua bantu do norte de Angola. Algumas palavras me pareciam familiares. Eram próximas do Lingala. Mas outras se aproximavam ao Kimbundu.
- Andulo por aqui?! A mim parecia estranho. Menos a ela que fixou o olhar nos destroços duma residência que parecia majestosa num tempo a caminho de meio século.
A falar com os botões, fiquei à busca de respostas sobre o que fora aquele edifício de dois pisos, deitado abaixo, antes de ter sido transformada em simples pedaços de betão e ferros retorcidos. Vieram-me à memória a história e estórias de 1975 quando o norte de Angola foi disputado pela FNLA e pelo MPLA que proclamou a RPA.
Para a mulher, estávamos a entrar no Andulo. Apenas quando viu os as redes, os pescadores, as canoas estendidas ao sol e o extenso mar se deu conta de que estávamos num "Andulo" em que não se fala Umbundu.
- É Nzeto, afinal! - Concluímos.
Um amigo ambrizetano (pois nasceu antes do 25 de Abril), disse-me já em Luanda quem foi que dinamitou o edifício que conta a história da guerra na vila de Nzeto.
- Até 1975 e alguns anos depois, era edifício do Comércio. Depois, terá sido convertido em Sede Municipal do MPLA. Foi durante a insurreição pós-eleições que as milícias do partido perdedor invadiram a vila e dinamitaram o edifício. - Contou o Nelson.
Vieram-me outras memorias do Libolo. Junto ao Cine há um edifício que era de dois pisos cujos "pés" foram estropiados, fazendo-o cair sem possibilidade de ter proveito. O Laboratório da "Escola Técnica Preparatória", o Tribunal dos anos oitenta e a esquadra policial tiveram a mesma sorte, em Kalulu.
Consciente de que estava no seu país, extenso e diverso, mas não no seu Andulo bieno, a mulher soltou um "e agora"?!
- Pois é. Agora é seguir a estrada ao encontro de novas "descobertas". Há Mbanza-a Kongo, Noki, Soyo e Matadi pela frente!

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