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domingo, dezembro 15, 2019

MANGODINHO NO KALIFADO

O passo lento de quem demonstra cansaço e sonos adiados contrasta com as ideias que lhe correm como rajadas de tornados que derrubam árvores, barcos e agitam mares. O aeroporto do  kalifado ficava a meia hora.

 - Viagem longa e distante faz-se madrugando pelo caminho. Diz sempre que viaja. Por isso cumpriu.

Mangodinho, sacola às costas, mala grande à direita e a menos pesada à esquerda. Na cabeça, um mar de pensamentos.

- Aquela dama, toda totosa deve ser moçambicana! Disse ao amigo com quem caminhava.

- Aié? Então ataca. Quem sabe tenha o mesmo destino que nós e nos faça serventia? - Afiançou Niva, ao que Mangodinho atendeu.

- Boa dia senhora dona oriunda dos mares indico-africanos de Mosa Al Bike. - Atirou como pescador lazerento que joga despreocupado o anzol ao rio, esperando que alguma viv'alma, não interessando o nome, lhe morda a isca. Desconfiada ou não, da senhora, Mangodinho apenas obteve silêncio.

Feito o check in, Mangodinho, ainda com os olhos na kindoza que não se desfizera do seu horizonte visual, voltou a magicar outras ideias, recitando uma música dos anos 80 do seu século:
-Ai se te pego Maria!..

- Oh Mangodinho, veja bem. A "tua" moçambicana deve ser francófona. Quem sabe, em francês ela te responda? - Incitou novamente Niva.

E foi a passar por ela, "negra, recortada como cadeias montanhosas que se espraiam à beira-mar", aos olhos torpes do galanteador-mor, que se ouviu a segunda recitação:
- Bonjour madame!

Mangodinho e seu anzol, desta vez ainda mais carregado de humor e vontade de pescar, voltaram a levantar silêncio.

Desanimado e como se a ausência de respostas lhe tivesse aumentado a fadiga, Mangodinho meteu os glúteos secos no assento, procurando assentar as ideias e partir para outra investida linguística.

Niva, seu colega de trabalho e de viagem, procurou descontraí-lo e incitá-lo à mais  uma derradeira tentativa para a prossecução do intento paquerístico.

- Avança, Mangodinho, avança. Você é poliglota, se Português e Francês não serviram, fala inglês!

Mangodinho, em toda a sua história, não é homem de fracos fracassos. Abeirou-se do local onde a senhora acomodava as últimas imbambas compradas com as moedas devolvidas pelo taxista. Tentou soltar umas palavras mas se conteve. Ele, normalmente, pensa em Português ou Kimbundu e depois traduz para a língua de reserva.

- You are... - Tentou mas engasgou-se, ficando-se por aí.
- Que foi, Mangodinho? Provocou Niva, meio a gozar.
- Tu sabes, Niva. Tu sabes. Por que insistes?
- Sei o quê, Mangodinho?!
- O Meu inglês. Já alguém  me disse que ele afugenta convidados!


Publicado pelo Jornal de Angola de 27 Setembro 2019 

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