Antes mesmo de Mangodinho ser a pessoa que é hoje, dotada de esperteza, sabedoria ancestral e conhecimentos da ciência moderna, o homem já teve umas "burrices" de lhe espetar uns cafriques em dias de hoje. Valeu-lhe a esperteza que os indivíduos do Lubolu nascem com ela, desde o ventre, pré - Kabanga até à universidade da vida.
No ano em que a OUA decidiu fazer um encontro entre as comunidades que mais conservam os (mores) hábitos e costumes, Angola fora seleccionada a enviar participantes ao evento, representando diferentes regiões e ambientes etno-culturais. A Mangodinho, que ainda nem sonhava sonho de ser soba, calhou a sorte. Foi representar o Kuteka, cuja realeza lhe está também no sangue.
Viagem de Lwanda à Njamena e depois ao Mali foi num avião grande que levava pessoas que falavam alto, sem travão naquelas bocas, e sem asseio no se apresentar. Pareciam nossas Kitandeiras das kapracinhas nocturnas, nas bwalas de Lwanda. C(h)ikwanga e peixe seco a entrar nas bagageiras, com cheiro de provocar vomitação e alguns passageiros mesmo com cheiro de vómito ou de kimbonza por curar. Mangodinho, primeira viagem dele num avião e, ainda mais para o estrangeiro, foi só.
Na boca dele de desbotado meteu fita cola que lhe veio na ideia e suportou só as vozes de bairro, em ambiente de gente chic de cidades, com governantes do "não-me-toques" ali misturados mas não na igualhagem.
- Cheiro de pessoa com banhos em atraso, cheiro de kimbombeiro que não lavou a boca e cheiro de kangonheiro ou vomitador, tudo é cheiro. Deixou a viagem terminar para passar um pano húmido nas extremidades do corpo e sprayar o seu perfume sobre o corpo antes de se fazer ao hotel "D'amizade" de Bamako. Único que, à beira do Níger, esticava o seu "pescoço de girafa" para se mostrar a toda a cidade, cercanias e povos do plano e seco além rio.
Ao todo, as ligações ou recolha de passageiros de Lwanda a Bamako eram quase dez. Parecia kandongueiro de dois eixos e quatro rodas fazendo Rocha-Kikolo.
Chegou já noite. Luzes, poucas acesas. Poeira muita à volta. Um rio, tipo o nosso longa ou a tentar aproximar-se ao Kwanza, cortava o bairro que chamam de "notre capitale".
- Coment s'apelle votre capitale? Indagou para confirmar.
- Cité de Bamako, terre de notres ancients. - Respondeu-lhe o jovem que se fazia transportar em uma carroça puxada por um burro. Veio a descobrir que era um guia turístico, algo que eles já tinham à data e nós ainda nem sonhámos com turismo.
O jovem que falava Espanhol, língua prima do Português que Mangodinho falava, acompanhou-o à recepção e ajudou a fazer o Check in.
- Votre nom si'll vous plait!
- Mangodinho, de Kuteka, filho de Zé Godinho e Kabezo...
Chegou a hora dos manjares, sem o guia e amigo de ocasião. Mangodinho na fila dos pedidos. Olhou os piteus que saiam, tudo diferente dos que conhecia. Olhou à volta, ouviu as vozes que falavam com mais civilização e não lhe chegou nem primo de Kimbundu nem primo de Putu.
- Estou fodido! Desabafou inaudível. Que fazer?
A moça do atendimento, atrevida nas perguntas. Chega um pergunta, ele responde e passa para o colega. Mangodinho ainda na dúvida sobre o melhor janguto.
O décimo da contagem dele pediu "poulet grillé avec pommes de terre frite".
Puxou da kaximónia e juntou os farrapos: batata frita com galinha grelhada. Só pode ser. Anotou na memória.
- Nada melhor para começar a noite. Disse a esfregar as mãos.
No dia seguinte, a cena repetir-se-ia pois o pequeno dicionário Português-Francês-Português que levava tinha de tudo menos a tradução dos manjares.
- Porra, pá! Estou tramado. Que faço para comer? Desabafou em solilóquio.
Pensou na táctica. O tempo pela frente fazia prever uma semana difícil. De novo ao dicionário: o mesmo=la même chose.
Dirigiu-se ao petit dejeneur, matabicho de lá. Viu um indivíduo com pão, ovo batido e uma caneca de leite com café. Ergueu o corpo, esticou o braço e pronunciou, desta vez audível.
- La même chose.
Funcionou. Ao jantar, viu, de novo, alguém comendo galinha grelhada com batata frita. Gritou "la même chose" e a coisa funcionou. No dia seguinte, uma moça pediu bife com arroz ajindungado. Mangodinho não sabia que naquelas bandas o kahombo e o arroz conversavam juntos na panela a dor que infligir iam ao comensal. Repetiu a frase e lá veio o "la même chose".
Ao chegar na banda, depois de beber do que os outros fazem para manter intacta a cultura, abrindo brechas para expurgar as práticas erradas à L'humanité moderne e deixar entrar as coisas boas que vêm do ocidente, contou as peripécias, primeiro aos amigos e depois à população que o enviou e recebeu orgulhosa da sua primeira internacionalização.
- Mangodinho, como é que são lá as coisas, conta-nos. O pitéu, as mboas, as avenidas, os passeios, os aviões, as manas da zunga e as kapracinhas da noite, conta tudo.
No seu quinto trago de destilado etílico à base de banana dondi, Mangodinho respondeu:
- Falar-vos-ei amanhã, antes da assembleia que o soba vai convocar. Por enquanto, é tudo la même chose!
Publicado pelo Jornal de Angola de 30.12.2018
No ano em que a OUA decidiu fazer um encontro entre as comunidades que mais conservam os (mores) hábitos e costumes, Angola fora seleccionada a enviar participantes ao evento, representando diferentes regiões e ambientes etno-culturais. A Mangodinho, que ainda nem sonhava sonho de ser soba, calhou a sorte. Foi representar o Kuteka, cuja realeza lhe está também no sangue.
Viagem de Lwanda à Njamena e depois ao Mali foi num avião grande que levava pessoas que falavam alto, sem travão naquelas bocas, e sem asseio no se apresentar. Pareciam nossas Kitandeiras das kapracinhas nocturnas, nas bwalas de Lwanda. C(h)ikwanga e peixe seco a entrar nas bagageiras, com cheiro de provocar vomitação e alguns passageiros mesmo com cheiro de vómito ou de kimbonza por curar. Mangodinho, primeira viagem dele num avião e, ainda mais para o estrangeiro, foi só.
Na boca dele de desbotado meteu fita cola que lhe veio na ideia e suportou só as vozes de bairro, em ambiente de gente chic de cidades, com governantes do "não-me-toques" ali misturados mas não na igualhagem.
- Cheiro de pessoa com banhos em atraso, cheiro de kimbombeiro que não lavou a boca e cheiro de kangonheiro ou vomitador, tudo é cheiro. Deixou a viagem terminar para passar um pano húmido nas extremidades do corpo e sprayar o seu perfume sobre o corpo antes de se fazer ao hotel "D'amizade" de Bamako. Único que, à beira do Níger, esticava o seu "pescoço de girafa" para se mostrar a toda a cidade, cercanias e povos do plano e seco além rio.
Ao todo, as ligações ou recolha de passageiros de Lwanda a Bamako eram quase dez. Parecia kandongueiro de dois eixos e quatro rodas fazendo Rocha-Kikolo.
Chegou já noite. Luzes, poucas acesas. Poeira muita à volta. Um rio, tipo o nosso longa ou a tentar aproximar-se ao Kwanza, cortava o bairro que chamam de "notre capitale".
- Coment s'apelle votre capitale? Indagou para confirmar.
- Cité de Bamako, terre de notres ancients. - Respondeu-lhe o jovem que se fazia transportar em uma carroça puxada por um burro. Veio a descobrir que era um guia turístico, algo que eles já tinham à data e nós ainda nem sonhámos com turismo.
O jovem que falava Espanhol, língua prima do Português que Mangodinho falava, acompanhou-o à recepção e ajudou a fazer o Check in.
- Votre nom si'll vous plait!
- Mangodinho, de Kuteka, filho de Zé Godinho e Kabezo...
Chegou a hora dos manjares, sem o guia e amigo de ocasião. Mangodinho na fila dos pedidos. Olhou os piteus que saiam, tudo diferente dos que conhecia. Olhou à volta, ouviu as vozes que falavam com mais civilização e não lhe chegou nem primo de Kimbundu nem primo de Putu.
- Estou fodido! Desabafou inaudível. Que fazer?
A moça do atendimento, atrevida nas perguntas. Chega um pergunta, ele responde e passa para o colega. Mangodinho ainda na dúvida sobre o melhor janguto.
O décimo da contagem dele pediu "poulet grillé avec pommes de terre frite".
Puxou da kaximónia e juntou os farrapos: batata frita com galinha grelhada. Só pode ser. Anotou na memória.
- Nada melhor para começar a noite. Disse a esfregar as mãos.
No dia seguinte, a cena repetir-se-ia pois o pequeno dicionário Português-Francês-Português que levava tinha de tudo menos a tradução dos manjares.
- Porra, pá! Estou tramado. Que faço para comer? Desabafou em solilóquio.
Pensou na táctica. O tempo pela frente fazia prever uma semana difícil. De novo ao dicionário: o mesmo=la même chose.
Dirigiu-se ao petit dejeneur, matabicho de lá. Viu um indivíduo com pão, ovo batido e uma caneca de leite com café. Ergueu o corpo, esticou o braço e pronunciou, desta vez audível.
- La même chose.
Funcionou. Ao jantar, viu, de novo, alguém comendo galinha grelhada com batata frita. Gritou "la même chose" e a coisa funcionou. No dia seguinte, uma moça pediu bife com arroz ajindungado. Mangodinho não sabia que naquelas bandas o kahombo e o arroz conversavam juntos na panela a dor que infligir iam ao comensal. Repetiu a frase e lá veio o "la même chose".
Ao chegar na banda, depois de beber do que os outros fazem para manter intacta a cultura, abrindo brechas para expurgar as práticas erradas à L'humanité moderne e deixar entrar as coisas boas que vêm do ocidente, contou as peripécias, primeiro aos amigos e depois à população que o enviou e recebeu orgulhosa da sua primeira internacionalização.
- Mangodinho, como é que são lá as coisas, conta-nos. O pitéu, as mboas, as avenidas, os passeios, os aviões, as manas da zunga e as kapracinhas da noite, conta tudo.
No seu quinto trago de destilado etílico à base de banana dondi, Mangodinho respondeu:
- Falar-vos-ei amanhã, antes da assembleia que o soba vai convocar. Por enquanto, é tudo la même chose!
Publicado pelo Jornal de Angola de 30.12.2018
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