Durante aqueles dias de cativeiro em que todos os acessos e saídas estavam controlados pelos kwaca (Unita), repletos de coisas roubadas em Kalulu e outras rapinadas pelas aldeias em que mantinham controlo, face ao processo de reagrupamento e reorganização que as FAA estavam a viver, a receita aos aldeões de Pedra Escrita era vezeira.
As mulheres deviam contribuir, todos os dias fuba e sacafolha/kizaka. Os homens com força de ir à caça ou à pesca deviam levar carne e ou peixe. Chamavam a isso de contribuição. Quando esses condutos faltassem eram as crias da aldeia que faziam o lugar. Os adolescentes iam à cata de lenha que alimentava uma grande fogueira junto a casa do soba.
A farra começava ao anoitecer. Homens de um lado: aldeões e militares olivados. As mulheres, também misturadas, posicionavam-se em outro lado do terreiro. No centro ficava o chefe que ditava os procedimentos e depois libertava o espaço para o baile.
Cabia às mulheres escolherem os parceiros para a dança. O inverso era reprimido. Os chefes dançavam até se fartarem, pois a eles se dirigiam quase todas as mulheres, de música em música.
Os jovens da kangonya eram reprimidos com severidade. Kandambalas sem dó. Mas havia uns atrevidos que confiavam na velocidade de suas pernas e na sagacidade de espiar o espião.
O agrupamento musical era deles. Chamavam-no "vozes negras". Eventualmente uma versão do outro que divertia os homens na Njambaba e Likwa. As violas eram eléctricas e batuques normais com microfone embutido. Usavam também um amplificador e colunas de som e canudos, do tempo antigo. A energia era gerada por um dínamo de bicicleta acoplado a um quadro com uma jante apenas. Os jovens e adolescentes da aldeia revezavam-se a rodar manualmente o pedal e accionar o mecanismo gerador de electricidade. Era aparentemente pacífico mas com represálias à espera, caso não colaborasse. A propagação do som, à noite, atingia um raio de cinco ou mais quilómetros. E o som da batucada não era apenas sinónimo de recreio. Era também aviso a outras aldeias do raio de que os kwacas estavam por perto e podiam ser visitados a qualquer instante.
Homens e mulheres vindos das matas, fardados ou não, cantavam eufóricos: Njmba, ponto de partida. Luanda, ponto de chegada.
As mulheres, servis, inebriadas pela propaganda mande in USA, entoavam ainda: "ocapitale onjamba, onjamba! Onacionale Likwa, Likwa!
Nunca aceitei ir apanhar lenhas e por isso fui catalogado por anti-motim ou com ideias empelistas. Aos bailes, ia apenas quando houvesse uma espécia de recolher casa a casa. Porém, na primeira oportunidade de fuga, quando a música se tornava ópio, retirava-me para casa e trancava a porta até ao dia seguinte, coleccionando na memória os detalhes daquele cárcere de cerca de um mês (1993).
Ainda sobre mim, os maninhos procuravam por um subterfúgio contundente para "me despacharem" ou, em sede de alguma clemência, ser "kandanbalado" (chicoteado simultaneamente por muitos). Gostavam, porém, do facto de ser o mais culto da aldeia, depois do meu primo Goncha, que era professor, amigo de copo e refilão. Esse acabou sendo raptado, meses depois para as matas, tendo reaparecido apenas depois da "Paz do Kamorteiro".
- O Dr. Savimbi gosta de pessoas estudadas como o maninho, só que tem de deixar esses hábitos de Luanda e essas ideias do Enduarto Sando. - Diziam para mim, em tom firme.
Volto com mais uma.
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