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segunda-feira, março 27, 2017

O CARNAVAL NO RANGEL E A HOMENAGEM A MAN-BRÁS

Vimos desfilar, e com orgulho, no carnaval de Luanda, a soberba actuação do União Sagrada Esperança do Rangel, (agora distrito urbano) que me viu crescer e fazer-me homem. Foi no Rangel, entre a Rua da Ambaca, da Saúde, Comandante Cantiga, Rua do Paraná, entre outras, que tomei contacto com o carnaval luandense, ainda no tempo do já finado “Carnaval da Vitória” que se realizava a 27 de Março para assinalar a saída do último “carcamano sul-africano-racista” do solo pátrio, em 1976, depois da invasão que pretendia inviabilizar a proclamação da independência de Angola pelo MPLA.

Dançávamos ao Carnaval da Vitória com os grupos Atuzemba, União Estrela do Kaputu (Zona 15), entre outros que animavam o Rangel inteiro, antes e nos dias do desfile principal. Agradava-me assistir aos ensaios e ver aquela gente alegre. Alegria espontânea e não comprada ou a troco de alguma distinção à marginal. E dançávamos eufóricos ao som da ngoma de lata, reco-reco, puíta, chocalho, etc. O rei e a sua rainha vestiam-se à moda angolana e exibiam coroas feitas a base de ferros recortados e outros metais. Era tudo a base do improviso espontâneo.

Mas quem mais alegria dava aos munícipes todos e em especial às mamãs peixeiras e outras quitandeiras da praça das Corridas (hoje mais conhecida como praça do Tunga Ngó) e da Praça Nova (defronte a administração comunal do Rangel) e aos meninos e meninas da minha infância “rangelina” era o Man-Brás. Exímio vocalista de carnaval e tocador de ngoma, sofria de algum distúrbio mental que não cheguei a definir. Muitas crianças se perdiam por seguirem o Man-Brás que ia cantando, tocando e dançando. Que saudades dos seus toques ímpares!

Man-Brás foi um feitor e zelador do nosso carnaval de bairro. Carnaval alegre, sem preço, sem patrocínios, sem contrapartidas e que não era encomendado por ninguém. Man-Brás corporizava essa alegria de quem estava e sentia-se livre na sua terra.

O Man-Brás que vivia na rua do “ti Avelino” apesar, de sofrer de distúrbio mental, tinha o reconhecimento e respeito de todos. Era prendado pelas mamãs que gostavam do som do seu tambor, da voz do seu canto e dos toques da sua dança, quer na rua ou nos mercados onde preferencialmente se fazia exibir. Nada cobrava. Apenas recebia o que lhe era dado de oferta no momento da exibição e fazendo do seu carnaval, sem época, o seu ganha-pão.

Man-Brás, cujo batuque e canto ainda se fazem ecoar no meu ouvido era a nossa alegria de criança esboçada no refrão: Man-Bragéé-é, Man-Bragéé-é!, É o meu homenageado neste carnaval de 2017. Espero que um dia alguém da APROCAL se lembre dele.
 
Man-Bragéé-é!

Obs: publicado a 16.03.2017 pelo semanário Nova Gazeta

quarta-feira, março 22, 2017

CONFUSOS E PROFUSOS

Dias inteiros sem energia eléctrica e duas tardes de chuva, em Luanda, foram bastantes para que o ambiente ficasse profuso e as ideias confusas. Entre chuva e estiagem, afina de contas, o que mais nos vale?

Estudei o ciclo da água na terra estudei-o na quinta classe dos anos oitenta do século passado, é mesmo cíclico: água nos rios, mares, lagos e lagoas; evaporação; acumulação de nuvens carregadas de partículas combinadas de hidrogênio e oxigênio; precipitação. E a roda continua a girar. Anos com maior e anos com intensidade. Em Luanda é igualmente assim. O ano de 2016 foi de intensa pluviosidade, trazendo o famigerado "caso Coelho" que este ano se vai, com certeza, aguentar, pois apenas agora a chuva nos visita com "alguma fúria”.

Mesmo sendo filho de camponeses, que por pouco nascia numa fazenda cafeícola familiar, vezes há em que defendo a estiagem para Luanda. Para quem vive os problemas infraestruturais da capital, bastaria chover intensamente no médio Kwanza e ai onde se faz agricultura de sequeiro. Luanda precisa é de água nos rios que a abastecem e de energia que "tudo move".

Apesar do esforço dos últimos tempos em se diminuir ou mitigar o impacto das quedas pluviais nos bairros da capital, são ainda incomensuráveis os efeitos perniciosos sempre que "São Pedro abre as comportas": estradas que deixam de cumprir a sua missão, viaturas e casas soterradas, quando não arrastadas pela corrente e deixando coros profusos de "ais"...
Passei por um grupo de homens e mulheres, à beira da Avenida Deolinda Rodrigues, que clamavam por mais chuva. Não que estivessem satisfeitos pela descarga do dia anterior e outra que se fazia anunciar. Era por que estavam sem como chegar ao local de prestação de trabalho e pior, descrentes em como conseguiriam voltar a casa, a tempo de apanhar os filhos nos centros de ensino.
Afinal de contas, entre chuva e estiagem, o que mais nos vale?
É obvio que essa escolha se torna impossível aos humanos. Só ao ciclo de água na terra e sua sazonalidade diz respeito. Mas continuo a pedir, sempre que falo com o altíssimo, que nos dê tantas bênçãos como chuva em Kangandala, porém menos chuva em Luanda.

Nota: Texto publicado pelo semanário Nova Gazeta a 29.03.2017. 

quarta-feira, março 15, 2017

DESANUVIANDO NO KM 32

"O mar é bom. Tira stress, cura sarna, mata piolhos e muito mais. Mas também dá más notícias. Quando não une famílias pelo convívio as separa do convívio" (in Mangodinho).
 
Conheço e frequento as praias atlânticas, junto a costa de Luanda desde 1984. Naquele tempo, todas as instâncias balneares  eram públicas. Bastavam umas moedas para o autocarro 33, 43 ou 45 e chegava-se ao largo da Amizade (Baleizão), caminhando depois para a Chicala ou mesmo adentrando a Ilha do Cabo.
 
Com o andar do tempo, o crescer do cimento privado sobre a costa fez com que só quem tenha dinheiro para desfrutar do luxo alheio possa frequentar as praias do istmo luandense. E, assim começaram as viagens ao sul: Corimba, Morro dos Veados, Museu da Escravatura, Km 27, Km 32, Ramiro, Foz do Kwanza, sempre a descer.

A maka dessa prosa tem a ver com as cobranças que uma dita Comissão de Bairro faz aos banhistas que se fazem transportar em viaturas para aceder à praia do Km 32. O cidadão encontra uma corda esticada, na altura de um metro, atravessando a picada. É preciso desembolsar Kz 200,00, ao que se diz, para limpar a praia que tem mais lixo do que limpeza.
São se discutiria a pertinência da ideia se as praias fossem limpas. Seria uma forma de ajudar a edilidade. Sobretudo, se esse dinheiro fosse devidamente controlado e depositado em erário de onde sairia para ajudar quem administra a fazê-lo melhor.

A questão é que as fichas de cobrança atestam uma "contribuição mínima de kz 200" e as mesmas não se acham numeradas para permitir um maior controlo. Outra suspeição que se levanta vem do facto de os talões serem passados pela "Comissão de Moradores" e não por um órgão da administração legalmente mandatada para o efeito.

Não haverá aí um "ChicoEsperto" querendo colher onde nunca semeou? E que tal se esse dinheiro, bom nos tempos que correm, fosse atender o que falta às nossas praias (higiene e segurança), mas passando por uma regulamentação e sendo cobrado pela administração tributária ou outro órgão afim? Por que não é canalizado para a CUT (Conta Única do Tesouro) e dá sair a percentagem devida à administração local?

Não sendo a praia do Km 32 distante de Luanda, quem tiver dúvidas pode ir ver e aproveitar fazer um banho de água salgada que a água está quente e convidativo. Mas deve levar um saco para acondicionar os descartados!

Obs: publicado pelo Jornal Nova Gazeta

terça-feira, março 14, 2017

PENSANDO IMAGEM INSTITUCIONAL

Nenhum dinheiro particular,
Nem a soma de tod'os ordenados é mais importante do que a imagem da Organização.
Pense nisso.
SC

Esta mensagem aqui colocada, não obteve nenhum comentário até 17.03.2017. Porém, quando enviada, via whatsup, a duzentas e cinquenta pessoas, entre eles jornalistas, juristas, gestores públicos, gestores empresariais de topo e média escala, produziu diversas reações, dentre elas:
 
a) Entendimento e concordância e agradecimento pela reflexão (a maioria eram gestores de empresas e de comunicação institucional);
b) Desconhecimento e desenquadramento (resultando em questões como: qual organização, que ordenados, de quem te referes, etc. Alguns até eram formados em comunicação social);
c) Incómodo e azedume (pessoas há, entre os gestores públicos de topo e intermédios de empresas, que ligaram para mim, procurando por esclarecimentos, demonstrando estar ofendidos).
 
Aqui chegados, só podemos concluir que:
Ou temos de difundir cada vez mais a necessidade de todos os gestores (de alguma coisa) e funcionários em geral conhecerem o VALOR DA IMAGEM DAS ORGANIZAÕES,  a começar pelas famílias, ou há gestores que se assustam por nada, demonstrando ter alguma fraqueza pelo alheio.
   

quarta-feira, março 08, 2017

PESQUIZANDO NAS MARGENS DO RIO

Conta a lenda: duas manas, Kimone e Samba, saídas das terras banhadas pelas águas do Lukala e Kwanza, lá pelas bandas de Kakulu nyi Kabasa, decidiram distanciar-se e constituírem seus “reinos”. Kimone correu em direcção à rota do Sol e fixou-se no médio Kwanza. Samba foi para sul, percorrendo a rota oposta à trajectória do sol, e encontrou terras vastas com vegetação farta que indiciavam ser de elevada fertilidade. Encontrou também sossego entre o Longa e Nyiha. Fazendo-se ao centro daquele território de água e caça abundantes, fixou nele a sua morada.

Com o correr do tempo, a saudade, quer de uma quer de outra, foi aumentando, chegando quase à exaustão. Recadistas não havia e aqueles que transmitiam “mensagens de ouvir contar” também rareavam. A travessia dos rios, em tempo chuvoso, era penosa. Kimone, a irmã mais velha, possuída de saudade, fez-se ao sertão, à procura da irmã. Terá sido em tempo de queimadas, normalmente entre Agosto e Outubro. Viam-se as planuras, as montanhas, os contornos dos rios, e os animais ferozes estavam distantes de terrenos lavrados pelo fogo.

Quando se achavam próximos da aldeia fundada pela irmã, Kimone mandou um emissário confirmar se o povoado à vista era o de Samba, ao que ergueu uma tenda onde aguardou pela resposta que veio afirmativa.

Samba, o emissário de Kimone e mais uns tantos aldeões saíram carregados de presentes e ali mesmo, onde Samba mandara erguer uma tenda para descansar e aguardar pela confirmação, se fez uma grande festa de recepção.

Para levar à posteridade aquele momento ímpar, no local foi construída uma casota que evoluiu até se constituir em aldeia, ganhando o nome da irmã visitante.

Kimone permaneceu na aldeia fundada pela irmã mais nova algum tempo. Dizem mesmo que foi quase um ano, nova época de queimadas, até afogar a saudade.

De regresso à casa, quando perguntada sobre "onde estivera todo aquele tempo", ela simplesmente respondeu:

- Ngwe(nde)le kumona ipala kya Samba (fui ver o rosto de Samba).

A terra conquistada por Samba ficou conhecida, até hoje, por Kipala-kya-Samba (Kibala). No local onde Kimone descansara surgiu uma aldeia registada com o seu nome. Antes da vila da Kibala (Quibala) está a aldeia de Kimone que possui um templo da Igreja Metodista Unida em Angola, baptizado por Boa Esperança-Kimone.

NB: Texto recriado. Publicado pelo semanário Nova Gazeta.

quarta-feira, março 01, 2017

A REVOLUÇÃO NA ALDEIA

- Ndjuce, Sami, Russo, Katambi! Acordem, rapazes. Acordem.

Mangodinho, cinco e meia, parecia louco na aldeia. Enxada na mão, picareta no ombro, o homem estava decidido.

- Temos de evoluir. Luanda é linda, mas toda aquela boniteza é por causa da nossa burreza. Nós vamos lá, estranhamos. Em vez de fazer também aqui, não! Ficamos só assim na saudade, juntar macroeira e voltar a Luanda. Nossos filhos que estamos a fazer aqui para ficarem espertos têm também de ir à capital? Vamos trabalhar.

Os rapazes, aqueles convocados em primeira instância e outros que se juntaram ao chamamento, fizeram uma roda em torno de Mangodinho.

- Estão a ver essa lagoa no quintal do meu pai? - Exibiu a foto. - Nos também aqui podemos ter. Lá a água sai de um tanque, tem máquina que a manda à lagoa e sai. Se parece lagoa de um rio. Nós aqui vamos fazer directamente no rio.

- Fazer lagoa que não é de Deus no rio, Tizequeno? - Kabari, dúvida era como água do rio em tempo de chuva.

- Deixa ainda o tio falar e vamos sentar para ver o que dá para fazer. Ajudou o Russo, rapaz esperto que também conhece cidade. Tinha ido duas vezes a Tabela e Waku Kungu. Russo já era visto como um rapaz de visão. A casa dele é a única que se apresenta rebocada, dentro e fora,  e com janelas de vidro, mesmo sendo feitas de adobos. As pessoa que passam e até se perguntam: essa casa, no meio da aldeia, não é desperdício? Mas não é, não. As pessoas da Ngwimbi com casa tipo estão no mato, essas é que deviam voltar e o miúdo Russo ficar no lugar deles na cidade.

Pois é. Mangodinho continuou a explicar aos jovens:

- Vejam só. A pessoa vai ao rio tomar banho, nesse tempo, água que passa é bocado. Não estou a falar do rio grande, o Longa. Estou a falar desse karriacho aqui. - Apontava. - Se pegarmos enxadas, pás, picaretas, kangulos, etc., podemos abrir, tipo um tanque. De lado, vamos pôr tijolos com cimento. A água fica com um sítio de entrar e sitio para sair. Não acham que fica mais melhor?

- Fica tio. Afinal o Tizequeno viu boas coisas na capital. Eu também já vi coisa igual na televisão. - Disse Kabari.

- Eu, no Amboim, também já tomei banho nesses tanques que o tio mostrou na foto e que chamam "peixina". - Complementou o Russo.

- Mas, tio, se construirmos ao lado do rio, não no próprio rio a descer. Se construirmos de lado, dez metros fora, se metermos um tubo que faz a água entrar e outro que faz a água sair não fica mais melhor? - Perguntou Sami.

- É. Miúdo Sami. Afinal teu juízo não é de gafanhoto. Fica melhor, porque quando o rio estiver cheio, com a chuva, não vai arrastar a nossa piscina. - Já viram que vocês todos estão a evoluir? Vamos fazer a nossa lagoa de banhos, dez metros fora do rio Kisela. - Orientou Mangodinho.

Os rapazes já se preparavam para completar o material de construção. Era sábado, dia de trabalhos comunitários. Mas, Mangodinho entendeu expor outra ideia.

- Ó miúdos, esperem ainda. Nessa ideia já se entendemos. Falta só uma. Chamem o secretário do bairro para fazer uma carta bem escrita ao administrador comunal. A minha segunda ideia é ele mandar vir cá dois professores: um é para nós os mais velhos termos aulas de alfabetização. as aulas serão aos sábados e domingos naquela  capela da Igreja "Cheia". O outro professor é para as crianças. Vamos ajudar a construir a escola. Minha ideia é que cada pai ou irmão mais velho  vai fazer cinquenta adobes. Eu vou contribuir com as dez chapas de zinco que sobraram da cobertura da minha casa.

Katambi estava na zuna em direcção à casa do secretário. Era ele quem levava os assuntos da aldeia ao administrador comunal, já que a comunidade estava sem soba. No jango das conversas, o debate continuava. Ao grupo se tinham juntado outros jovens e adolescentes. As mulheres afinavam os ouvidos para se aperceber do que os homens estavam a tratar, mas não eram para lá chamadas, contentando-se com o que o vento arrastava e lhes chegava.

- E onde vão dormir os professores que o camarada comissário vai enviar, ó Tizequeno? - Indagou Kime que acabara de chegar.

- Olhem rapazes. A união faz a for... a força! Vamos construir um quarto e uma cozinha em anexo para eles. E, como todos nós somos camponeses, podemos fazer uma escala para darmos mandioca, jinguba, kizaca, rama de batata, fuba, mengeleka e outros comidas para que não passem fome, até que eles consigam ter as suas próprias lavras.

- Boa ideia, Mangodinho. – Comemoraram, antes mesmo de chegar o secretário a quem passaram todas as ideias.