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terça-feira, fevereiro 28, 2017

A COMUNICAÇÃO COMO POTENCIADOR DA MOTIVAÇÃO

 Numa dada comunidade, viviam três famílias: uma Rica, uma Média e outra Pobre. Cada família tinha um filho e esses eram amigos. Mané, Dodó e Jojó, apesar de diferenças económicas viviam no mesmo bairro e frequentavam espaços e brincadeiras comuns.
A família rica abastecia, conforme as suas enormes possibilidades, o seu filho único e explicava o fazia para ter os bens e o dinheiro de que dispunham, ensinando ao filho como proceder para duplicar e triplicar os haveres. Fruto dessa comunicação permanente, o Jojó conhecia as rotinas e esforço empreendido pelos pais para ter o que usufruía.
Por seu turno, Dodó, nascido em família pobre a pobre, não passava do bombo com jinguba ao matabicho. Mesmo assim, os pais de Dodó explicavam as desgraças por que haviam passado, o esforço que faziam para viver e se recompor, enfatizando também quanto ganhavam e o que pretendiam para o futuro do filho. Dodó, pobre, ouvia, acatava e compreendia. Sabia que tinha menos do que Jojó, cujos pais eram abastados. Tinha consciência de que apesar de ter um amigo resmungão, também tinha menos que Mané, o filho do comerciante Manuel Silêncio, que vivia permanentemente a reclamar dos pais.
Manuel Silêncio era um comerciante com posses médias. Talvez por causa do tempo que não tinha ou por ser sua natureza, poucas vezes se sentava à mesa com o filho, explicando o que fazia, o ganhava e o que podia gastar. A falta de informação fazia de Mané um permanente insatisfeito, mesmo quando os país proporcionassem para ele alguns bens que podiam ser extravagantes para o pobre do Dodó.
Mané pensava que até Dodó vivia melhor do que ele pois nunca reclamava dos pais enquanto brincavam.
Sabe onde reside a diferença entre estes três meninos?
Diálogo. Comunicação entre os integrantes da organização ou família.
Quando não se informa o que se tem e como se obtém, até os ganhos são colocados no "saco das perdas". É preciso ressaltar os ganhos mantidos e ou agregados nesse tempo de crise, a fim de serem conhecidos pelos integrantes da organização e servirem de elementos potenciadores de motivação.

quarta-feira, fevereiro 22, 2017

MAKA NA SANZALA


Os três primeiros dias foram de experiência e não havia limitação de acesso. Homens e mulheres trilharam o caminho da piscina fluvial que dista a meio quilómetro da aldeia. Porém, ninguém retirava as roupas para provar a água, com excepção das crianças que não se coibiam em mergulhar, mesmo vestidas, ludibriando os mais velhos que não saiam do ver e imaginar aquele tanque a amansar o corpo ardente em dias de calor intenso. Enquanto o Mangodinho não tocasse o apito de partida, os homens e as mulheres adultas ficavam só a nadar com os olhos.
Festa grande acontecia mesmo no coração de Mangodinho que no seu canto festejava o feito que quase lhe custou o epíteto de louco.
Com os homens já a frequentar regularmente o sítio, algumas mulheres decidiram experimentar também a piscina, se bem que à revelia.
- Mana Cati, fica na montanha a ver se vem alguém. Se estiver a vir homem, assobia. Depois será a tua vez de experimentar a lagoa do Mangodinho. - Combinaram as mulheres que tinham Kilombo na linha da frente.
Mangodinho até estava a pensar em estabelecer horários para homens e mulheres frequentarem a e limparem a piscina, mas, aquelas fraldas deixadas às pressas por mulheres que se foram lavar no sítio dos homens deixaram-no enfurecido.
- Possas, esse abuso não. Essas senhoras, assim, na capital não vivem. São corridas. Um gajo tenta civilizar e ainda recebe "adubo" de agradecimento? - Vociferou. - Miúdo Russo, você viu a chacota que me fizeram. Todos me diziam "Zequeno é xoné". Você, por me apoiar, também apanhaste por tabela. Agora que o lugar está bem, surgem cavalonas a deixar porcaria na "peixina" e, ainda por cima, a mandar vir? Escreve só, por favor, nessa chapa o que te vou ditar.
Foi assim que Mangodinho pregou a chapa no barrote que plantou a trinta metros do rio, concretamente, no sítio em que as mulheres faziam plantão para espionar se vinha homem da aldeia. Mas as mamãs da OSA, organização das senhoras angolanas, queriam "tratamento igual".
- Não pode ser. Ou as mulheres frequentam a piscina de manhã: tomam banho, lavam os filhos e vão cuidar dos maridos e dos velhos ou os homens tomam banho à tarde, quando vêm dos seus afazeres. O Estado já disse que os direitos têm de ser iguais, senão vamos 'se' queixar no Quem-de-direito. - Ameaçou Kilombo, a senhora coordenadora da OSA.
Toneco Avelino, o responsável máximo da aldeia, a quem se deviam "subordinar" todas as organizações sociais, tinha um assunto bicudo.
Mangodinho tinha razão dele. O próprio Toneco tinha depositado algum descrédito quando lhe foi apresentada a ideia da lagoa. Apenas deixou acontecer para não refrear as ideias quentes que o homem trouxe da Ngwimbi e não prejudicar a revolução na aldeia. Era lema dele. Toneco apelava sempre “quem vai a uma terra distante, mais avançada do que a nossa, tem de trazer outras ideias que nos façam evoluir”. Dizia também, não sei quem lhe pôs tal ideia na cabeça, que “mesmo Luanda, quando começou, também era uma aldeia como a nossa. Apenas as pessoas é que evoluíram e começaram a fazer coisas novas e bonitas”. Por isso, deixou o Mangodinho avançar com a ideia dele da piscina no rio.
- No dia em que encontrou fraldas à beira da piscina e outros filtros usados somente pela camada feminina, esses objectos foram-me apresentados e estão devidamente registados e depositados em sítio localizável. Está a camarada Kilombo a solicitar reunião urgente. Que fazer? Assim digo que o Mangodinho tem razão dele ou as mulheres é que reclamam com razão?
Toneco foi dormir com cabeça quente. Tem de se acalmar para resolver o assunto que está a dividir a mana Kilombo, o Mangodinho e todos os apoiantes de cada ala.

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

A FORÇA DAS IDEIAS

Fazia calor intenso. Era Março chuvoso. O capim já alto, com orvalho carregado às manhãs, fazia dos atalhos interiores autênticos desfiladeiros. Caminhar, tirando na estrada asfaltada, era apenas coluna por um.

Mangodinho foi receber o soba Toneco que acabara de chegar de uma reunião na comuna.

- Hoj'etu! - Saudou Mangodinho, que se antecipou as tradicionais três rajadas de palmas triplas.

Toneco apenas sorriu e bateu-o no ombro.

- Epá, estás bem, Manzequeno. Já te disse, somos amigos. Hoj'etu vou só te responder quando me substituíres no sobado. Falavam descontraidos. Toneco estava também expectante quanto ao que Zequeno proporia como inovações na aldeia, regressado de Luanda.

- Ó Manzequeno, já viste a diferença entre a nossa aldeia e as outras à volta?

- Sim, Mantoneco. É a força das ideias.

- Camarada secretário, orientaram-nos fazer latrinas para prevenir doenças da pela e bichas que fazem inflamar as barrigas das crianças. - Informou o Soba.

- Ainda bem, nosso Soba. - Respondeu Mangodinho. Essa é uma das ideias que trouxe e já a comunique ao povo para pensar enquanto o Soba estava ausente.

Os dois marcaram passos pelo terreiro da casa de Toneco. Mutúmbwa, esposa do Soba. colocou duas cadeiras debaixo da árvore e Toneco serviu um pacote de vinho que acompanharia a conversa e aligeiraria as ideias.

- Ó Manzequeno, notas a diferença entre a nossa aldeia e as outras à volta? Até o camarada administrador reconheceu e pediu outros sobas e secretários a nos visitarem nos próximos dias. - Informou o régulo.

- Sim, Mantoneco. Quando o Soba é bom professor, bom pai, bom conversador as coisas acontecem. É a força das ideias.

- É, à propósito, já nos habituaste trazer ideias. Sabes, que quando os outros vierem vão fazer tudo igual, e nós temos de lhes passar à frente. Na tua bagagem veio o quê dessa vez?

- Já lhe falei da ideia das latrinas. Vamos fazer uma comunitária ao lado da árvore das reuniões. Cada pai de família vai também fazer a sua. Minha ideia é darmos prazo de um mês e meio.

- E que medida vamos propor a quem não cumprir? - Questionou o Soba.

- Bem, acho que vamos, propor para todos fazer em adobes queimados ou trabalhar na lavra comunitária.

Toneco, sacudia o pacote que reclamava por outro substituto, enquanto Mangodinho levava as últimas gotas do tinto à garganta. Da cozinha era o cheiro à galinha kabiri temperada que se fazia anunciar.

- No campo das ideias, professor Toneco, pensei também fazermos já uma casa para o posto médico. Se nós construirmos já é depois formos pedir enfermeiro, acho que vamos conseguir. Se não nos darem também tenho outra ideia.

Toneco na expectativa, a boca era banquete para moscas. Quase, quase.

Vamos pedir para cada pai fazer duzentos adobes queimados. Mas a planta que trouxe para a latrina só vai gastar setenta e cinco ou cem. O resto vai para o posto. Também já estou a sondar dois miúdos que vamos mandar na Huíla fazer curso de enfermeiro. O meu pai vai patrocinar viagem deles e curso lá. Assim, se o administrador não nos dar doutor nós mesmos vamos resolver o problema.

- Boas ideias, Manzequeno. Boas ideias. Amanhã vamos convocar o povo para saber das recomendações do Sô administrador e das novas ideias do Sô secretário.

Mutúmbwa mandou Zezito, filho kasule, exibir a senha.

- Papá, o tabaco está a queimar. - Rapaz, rápido nas corridas, Zezito enfiou-se de novo na cozinha.

Toneco puxou pela mão do amigo e foram à sala almoçar. Era cabidela regada com um vinho português. As ideias continuaram a correr. Tal chuva, tal rio repleto de água farta.

quarta-feira, fevereiro 08, 2017

A UNIÃO DOS REENCONTROS

Já foi assim no tempo de férias, quando frequentávamos o ensino médio no IMEL. Ir às tertúlias na União dos Escritores Angolanos era um dever quase sagrado. Primeiro, para atender a professora Gaby que fazia questão de lá ver os seus alunos. Depois, tornou-se moda e aqueles que, sem justificação plausível, faltassem aos debates na União eram alvo de chacota  entre os colegas. Assim, os do meu tempo ganharam o gosto.
 
O tempo foi passando. Corrida para conseguir emprego, empenho para convencer o empregador e o chefe, busca de maior e melhor remuneração, etc. e o tempo foi escasseando até às idas à União se tornarem numa intermitência. Mas a UEA está ali, no mesmo lugar, desde os anos subsequentes à emancipação de Angola. Ali, no largo das escolas.
 
E foi numa dessas idas intermitentes, quando do lançamento do "Economia informal: o caso de Angola" e "O homem que cultivava pedrinhas", livros de Francisco Queiroz e F. Tchikondo, que partilham o mesmo homem intelectual, que voltei a sentir o sabor do reencontro. Reencontro com o tempo e com os amigos.
 
Um rapaz, bem vestido e bom falante, exibindo sólidos conhecimentos sobre economia e aparentando não ter andado em uma universidade qualquer abordou-me dizendo que eu era tio dele e devia recorda-me do seu nome. Um trabalho de memória. Supliquei que reconhecia o rosto mas não me vinha o nome. Mas ele, meio teimoso, não se apresentava. Passados minutos de debate e abrir o guardador de memórias Lá descobri que é o primo Vaticano, filho do meu tio "Gasolina" (Augusto João, já finado).
 
Depois foi o Bino Carlos, meu professor na Universidade Privada, a tratar-me por confrade. 
 
- Das letras (ele também é escritor) ou do professorado? - Interroguei-me em silêncio enquanto aprontava o merecido kandandu. Professor Bino, muito prazer em estar contigo!
E ele, sempre bem disposto e esbanjar charme e sorrisos.
 
Sentado no meio da "floresta humana", reparo à frente: carnes, um pouco avantajadas, de um antigo colega do ISCED.
 
-"Olha ainda atrás, ó sô tor". - Disparei para ele uma mensagem telefónica, ao que me mandou, no seu lugar, "um cumué, Fixe?~
 
Quando parecia ter revisto todos os amigos e conhecidos, eis que me aparece um dos mais cotados juristas da actualidade com suas "memórias do IMEL"
-Star, estás bem? 
 
Naquele lugar e naquela hora só podia ser alguém do "meu tempo".
 
Virei o pescoço e lá estava o bom do Solano, o nosso Varito, que agora é doutor Evaristo Solano. Soltou um kandandu apertado e cheio de recordações.
 
Quem me dera poder estar em todas as quartas na União?!

quarta-feira, fevereiro 01, 2017

SEGUNDA VOLTA


Cici ou Alcínia era uma jovem solteira vivendo sozinha, na nova cidade da capital. Era a forma encontrada para rentabilizar a casa que o pai estava a comprar com ajuda do Estado onde trabalhava e dar maior à vontade para se dedicar ao seu curso de medicina. Os objectos pessoais de alguma valia como mesa, cadeiras, sofá e até algumas peças de roupa tinham sido oferecidos a Mangodinho para "levar às tias no mato". Por outro lado, a carta dele Remetida via face book do primo Carlos Júnior, tinha chegado e sido bem interpretada. Mangodinho era daqueles que onde estivesse só fazia rir. Era "uma piscina de alegria", como dizia o seu tio. Por isso ao regressar da Ásia, as lembranças não faltaram. O dinheiro que habitualmente se aplicava em compras para a jovem finada foi usado para atender a carta de Mangodinho, um cinquentão.

- Zequeno!

- Pai!

- Abre essa mala e aproveita o que gostares. - Disse-lhe o tio.

Zequeno, o meu Mangodinho, tratava-o por pai por ser homónimo do seu. Mas na verdade a relação parental era de tio e sobrinho.

Óculos de sol, ray ban. Sapatos pretos, um par. Sapatilhas um par. Sandálias idem. Jeans, dois pares, relógio de marca, um. Camisas e t-shirts, boa quantidade. Ao regressar ao seu Libolo, Mangodinho era um "homem lavado". Cabelo cortado, barba aparada, sapatos: um espelho nos pés, relógio Calvin Klein, fato azul escuro, nem já um administrador. Na carrinha que o levava, ele no banco traseira, ocupava o lugar protocolar. Na carroceria se acomodava a sua moto de três rodas e carroça e outras imbambas. Vinho e gasosas não faltaram. Afinal, ela era um "quase doutor" e tinha um pai pesado e de "muito bom coração".

A mulher que tinha 'sengado' voltou. E ele a recebeu com deferência. Todos se rejubilam com o crescimento de Mangodinho, intelectual e material. Já tinha a casa reparada e com janelas de vidro espelhado, como a casa do miúdo Russo. A alfabetização dos adolescentes, jovens e adultos tinha passado para ele. Borracha, o professor enviado pela comuna, e Mangodinho eram os mais iluminados, sem ofuscar o brilho do soba

Toneco Avelino que era o pilar de sustentação da aldeia e a fonte de equilíbrios. A OSA de Kilombo e Cati estava também com ele e trabalhavam juntos na sensibilização da comunidade para que todos construíssem uma latrina.

- Fezes espalhadas pelo mato, não é bom. -Dizia nas suas preleções. - O que deitamos destapado no mato volta ao nosso corpo.

- Como assim, Manzequeno, se os porcos, normalmente e aqueles bichos que enterram a porcaria fazem trabalho deles? - Katembo, apesar de mulher mais instruída da aldeia, duvidou.

- Pois é, Mana Katembo. Veja: O porco come o que nós descarregamos e depois comemos o porco. Outras vezes o porco que sai da lixeira, e porque cada porco conhece casa do seu dono, ele vai também 'funhatar' na comida para as pessoas. Outro problema são os ratos. Eles passam no lixo e vem viver connosco. Temos ainda a chuva. Vivemos na montanha. Aqui é alto é o rio está na baixa. Todo o lixo fecal é arrastado para o rio onde retiramos a água para consumo. É por isso que tenho três projectos ligados à saúde comunitária.

- Mostra, mostra, mostra. Fala, fala, fala. - O povo, já conhecedor de suas ideias inovadoras, apressava-se em saber quais seriam esses projectos, que benefícios trariam aos homens e mulheres e qual seria o comprometimento de cada um. Mas Mangodinho não falou ainda, pois o Soba estava ausente e a situação, embora abordada com o professor da aldeia, merecia o veredicto da autoridade máxima.