A família, os parentes mais chegados, aqueles que faziam o vem e volta, e os amigos chegados que estavam aí para dar força e encorajar o casal e a filha intermédia, ocupavam três mesas: uma era a do pai com os seus. Falavam conversas de homens que iam da política externa, interna e outras coisas para amenizar o peso do tempo pachorrento. A mãe da jovem de cujus ocupava igualmente uma mesa de dez lugares e falavam coisas suas de mulheres. Na terceira estava a filha, quase a atingir a maioridade, as amigas, colegas e primas. Falavam sobre escola e juventude, não faltando assuntos sobre redes sociais.
Mangodinho preferia um lugar mais discreto. Ora se juntava aos seguranças ora às tias que se abrigavam na parte frontal da casa.
Jantar à mesa, pratos, cubas gasosas, vinho, água.
Mangodinho atento aos movimentos dos ocupantes da mesa masculina. Cada servia uma porção de vinho e bebia com preguiça.
- Mas, esses estão sem vontade ou o vinho que bebem não lhes cai bem? - Ficou a pensar, antes de engendrar a sua táctica do rápido entorpecimento.
Chegou-se à mesa, meio afastado. Serviu comida, o seu funje preferencial. Baixou vinho da garrafa à caneca. Simulou que provava mas deixou o líquido escorrer-lhe a garganta até sentir a última gota. Rondou o ambiente, e viu que não tinha palavras para aquela assembleia.
- Colicença, pai. - Saiu, inclinando o tronco para frente, em forma de vênia, marcando passos a recta-guarda.
Mangodinho não era homem de desprezar o vinho é dormir lúcido. Informou-se sobre a chave da cozinha.
- Está aberta. Disse-lhe a tia.
- Vou buscar água para o motorista que está aí atrás.
A tia aprovou, com o norte-sul da cabeça.
Caneca na mão. O vinho em pacotes de que as mulheres se serviam para temperar estava à mostra. Sacou o canivete da algibeira e fez o corte. Puxou o banquinho, tranquilo. Caneca na pacote na mão. Olhou à volta e ninguém olhava para ele. Os vidros eram espelhados, excepto um que deixava fugir a sua imagem para fora. Estava na direcção do tio, o dono de casa. Encheu a primeira, largou-a goela abaixo. Limpou a boca com a ponta da camisa. Girou a cabeça para se assegurar que estava tudo conforme. Ainda não sentia a casa a se mover nem as estrelas correr. Espiou, de novo, os que ocupavam as mesas no quintal. O tio sempre de olho nele. Menos ele que não o via. O vidro espelhado estava invertido. Repetiu a procissão: caneca na mão, pacote na mão. Um, dois, três, levou o líquido à boca e, sem pausa, tragou a uva.
O tio sempre a seguir-lhe os movimentos. Pôs-se em pé e volteou a casa, regressando por outro caminho até à porta da cozinha.
Mangodinho preparava a terceira e última caneca. Distribuiu olhares para as três mesas e não viu nada que o impedisse.
- Eles estão mbora a conversar coisas deles de Luanda. Vou aproveitar.
Quando a terceira caneca, repleta de vinho, se encontrava entre o chão e a boca, o tio aproxima-se sem que ele se apercebesse.
- Quem está a beber vinho tipo água?
Em contramão, a boca perdeu a agilidade de falar, mas a mão já levava força para a boca. Vinho foi água no corpo de Mangodinho.
- Vai já tomar banho, seu indisciplinado. Vinho aprecia-se. Não é água e não precisas te esconder para beber. Toma banho e vai à mesa que há vinho que chega para te afogares!
Sem comentários:
Enviar um comentário