Três
semanas na Ngwimbi não são vinte e um dias quaisquer. De volta à aldeia,
Mangodinho é um homem transformado. À mesa só com garfo e faca, embora garfo à
direita e faça à esquerda. Vinho ou caporroto só no copo. A caneca era para
outras bebidas. A barba e o cabelo estavam arranjados. As moças da Pedra
Escrita, que há muito viam Mangodinho como um velho, têm-no agora como o
"jovem mais organizado". Afinal, idade são apenas números. Juventude
é o estado de espírito. O sentir-se à vontade, respirar sangue puro, mesmo como
oxigénio escasso. Mangodinho deixou de ser tratado por tio. Agora é mesmo
Manzequeno pra cá e Mangodinho pra lá.
Entre
os pares e coetâneos, Zequeno é quem mais fala. Tem as estórias frescas. Tem as
ideias mais brilhantes.
-
Epá, quando um gajo chega na Ngwimbi, pode mesmo ter estudado muito, mas fica
ainda um pouco atrapalhado. - Dizia ele. - Aqueles carros todos, o falar
afinado das pessoas, a vaidade que têm no andar e no vestir, as coisas que até
os pobres têm nas suas coisas e tudo mais fazem um vivo daqui virar piolho. É
verdade mesmo.
Os
amigos, viajados ou não, todos na estupefação.
-
Mas, Mangodinho, aqueles filmes que andamos a ver sobre Luanda é verdade ou é
mentira? - Perguntou Ndjuce, rapaz de dezoito anos que se achava à volta de
Mangodinho regressado de Luanda.
-
Vocês aqui andam a se perder. Daqui em diante, eu vos digo mesmo, quem tem
poder vai. Vejam-me. Você volta leve. Luanda leveda a pessoa. Sarna fica.
Piolhos morrem. Matumbice diminui. Você trata o branco por epá.
- É verdade, Mangodinho, até branco você lhe bate nas costas?
- Não fica mais burro. Prepara macroeira e, mês que vem, me acompanha. Vais ver o meu pai a lhes bater no ombro e lhes dar ordens. Diferença está só mesmo no estudo. Se a pessoas estudou mais e é chefe, branco contigo não torra farinha. Eu mesmo estou a pensar me meter na alfabetização. Pelo menos, assim, esses kafussas que andam a vir trabalhar na obra da estrada já não me vandalizam. Temos que crescer. Por hoje chega. Vou planificar algumas coisas que vi lá em Luanda e que podemos também fazer aqui. Vamos descansar e pensar.
Nota: texto inserto no jornal Nova Gazeta de 12.01.2017
Sem comentários:
Enviar um comentário