Um gajo na terra dos outros,
mesmo que saiba falar a língua deles, sofre. Sofre por desconhecer os nomes dos
“jangutos”, por desconfiança que se apercebam que és estrangeiro e te armarem
uma arapuca, sofre porque viver uma “vida mulata” de curta duração, sofre com o
frio ou calor se calha em viajar num período de clima inverso ao deixado na
banda, sofre até com a falta de buracos, lixo nas estradas e canos de água
rebentados a jorrarem a toa por tudo quanto é canto. Há países em que você vive
bem mas sofre com a saudade das coisas boas e más da “matherland”. Passou-se comigo nessa curta escala pela terra do
vovô Mandela.
Cansado de peixes, frangos e
carnes adocicados e ajindungados servidos nos restaurantes e nos aviões, fui
procurar numa esquina próxima ao Sundton
Conference Center, zona chique de JOBURG, algo que se parecesse aos nossos
pitéus angolanos. Setenta e duas horas sem “funjar” é um record a que só me
submeto quando estou mesmo “na estranja”. Em casa não. Lá é o funje, sejam
quais forem os molhos, quem mais grita. Aliás, o nosso funje é patriota e
revolucionário. Não foi ele que nos aguentou e ainda nos vai aguentando quando
o arroz e maça da importação falhavam nas lojas? Por isso, onde quer que eu
esteja tenho sempre uma reinvenção da estrofe do célebre poema de Agostinho Neto: “Ao nosso funje, havemos de voltar”!
Nas proximidades de Sundton Conference Center as ruas estavam
apinhadas de polícias com carros blindados. Sozinho, naquela rua com magnatas
que chegavam minuto a minuto e alguns acompanhados de batedores, senti-me
perdido para ir ao Nelson Mandela Square e conseguir os Rands para reforçar os
"cheiros à maneira" e procurar um pitéu de verdade.
Verdade se diga, cheguei à
conclusão de que o angolano cheira bem e não é a toa que quase todas as “mboas”
do Shoping me estavam a colar que nem mosca na coisa.
-
Hello, how are you. I have same thing nice for you. - A
mboa, bué ancuda, fez um sorriso interesseiro e começou já, ali mesmo, a me
"aproximar" para ver se me kasumbulasse uns dodós, só que ela se
enganou mbora com a cara da pessoa. Os dodós que ela queria me tramankaram ‘mbora
com eles há três semanas...
- I can´t speak english. - Defendi-me, procurando afastá-la.
A mboa até não era tutu, tutu,
quando comparadas com umas aí que conheço, mesmo na “Ngimbi”. Mas ela queria é
o meu “kumbú” ou confirmar se eu era estrangeiro “bunfunfado” para mandar me
tramakar, sei lá mais quê.
- I can help you with my Google translater sound. - Voltou a atacar,
tentando encontrar alguma fraqueza do meu lado. Mas eu, um gajo viju, com
trinta anos a viver na Ngimbi não fui na conversa e comecei a fazer ouvidos
desinteressados.
- I have no money. - Voltei a defender-me e sondando já por onde
sair voado. A kindoza tentou ainda
contra-atacar-me com o "but you
smell well and dress like a government in a conference". Se era
verdade ou mentira é já com ela. O que fiz foi dar uma de às e zarpar dali. Era
hora de ponta e o Shop começava a apinhar-se de gente. Já tinha dado umas
tantas voltas e não tinha encontrado a casa de câmbio. Também não dava para
bandeirar. Os mwadyes podiam ainda pensar que um gajo é “mbalu”. Desculpei-me
com o "Sorry, I have to go, mum",
ao que acedeu, embora relutante e procurando mais prosa. Bazei.
Mal cheguei à esteira rolante,
um outro tipo, que me recordou os “enganadores” do finado Roque Santeiro,
abordou-me empunhando uma pasta e um pequeno embrulho que tinha uns mambos tipo
anel ou outras joias: "Please
brother. I have something very nice foy You". - Disse ele, abrindo a
sacola e retirando um pequeno embrulho avermelhado em que se supunha estar o
tal "something very nice fou
you". - Respondi-lhe com um soletrado "I can not understand you because I no speak english". O “manga”
ainda tentou insistir, acompanhando-me até ao fim da escada, mas eu apanhei a outra
e continuei a trepar o edifício, somente de abuso. O indivíduo regressaria ao
piso inferior para domar outra possível vítima, normalmente estrangeira e
desavisada.
- Vai rezar caçar noutra
coutada mazé, pá! – Disse para mim mesmo.
Era já a minha quinta volta e
no sobe e desce, ora caminhando sobre escadas outra indo na boleia do tapete
que, afinal de contas, faz muita falta a quem esteja cansado, a procura do “changing post”. Abro um aparte para
questionar por que as nossas poucas instituições com aquele meio de transporte
entenderam aposenta-lo antes mesmo da maturidade.
Na tentativa derradeira,
encontrei o "changing post" e lá consegui uns poucos “Mandelas” que
me levariam a caçar a funjada ou um parente próximo do pitéu que me fez
crescermos. E não é que encontrei mesmo uma funjada de carne assada? Até os
pólices de JOBURG abandonaram os postos (ou aproveitaram a renda) e foram se
lambuzar com as mãos no sítio em que os rastas e outros artesões realizavam a
feira de artesanato para os "foreigners se desdolarizarem” e levarem
estórias do país do arco-íris para a casa. Só não consegui é fotografar os
magalas a pitarem, sem vergonha e nem receio (como acontece por cá, entre as
nossas gentes que se faz passar por europeus quando nunca sequer passaram o
estreito de Gibraltar), a sua "papa
and beef". E o canal entre o prato e a boca eram mesmo os dedos, sem
kijila!
- How much this food? - Indaguei estrategicamente na ignorância do
nome real do “janguto”. Porém, como azar não custa, a senhora que me atendeu na
roulotte colocada sobre o passeio,
lançou-me um "wich one"? Só
que o “mwangolê” é vivo e, sendo libolense, um pouco mais ainda.
Encostei-me à roulotte, quase sentindo a sua quentura
e engolindo aqueles cheiros que faziam um cão faminto fazer das narinas uma
nascente. Fiquei entre um polícia e um kota negro, fininho, que tinha os
cabelos penteados para trás e que falava uma língua distinta do inglês. Eles
têm perto de dez línguas oficiais, entre as de origem africana e europeias. Reparei
rapidamente nos dois pratos que a “mboa” acabara de servir e apontei ao que
tinha uma pasta branca feita a base de farinha de milho.- This one. Estiquei a mão para que mais dúvida não houvesse. E para que a sul-africana não desse conta do meu sotaque e da minha pobreza lexical, lancei de imediato um "how much"?
- Thirty Rands. If you want Coca, must pay fourty one rands.- Fiz as contas rápidas e saquei uma cédula "cabeça grande" que já tinha o “ngimbu” a sair da algibeira.
Levei o marmitex ao hotel, que ficava a vinte metros, onde, também com as mãos, para não ofender Shaka Zulu e seus ancestrais, devorei o conteúdo com o polegar, indicador e o dedo médio da mão direita. E soube a Libolo, nos tempos da minha infância. Só faltou Xxila!
Obs: crónica publicada pelo Semanário Angolense a 04 de Julho de 2015.
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