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Rainha Antonica ao centro |
- A mon´u! mbezo okesula? Wango akuno in wango a ngongo oyo? (oh menino! Afinal tens
faquinhas na cara? És daqui ou da outra margem (Malanje?)
Assim me interrogou a anciã Antonica Gregório, rainha de
Banza Tamba (Mussende, K-Sul), depois do meu sorriso denunciante, quando abordou
um grupo de “não locais” (Kwanza-Sul) que a seguiam a um ritual tradicional localidade
de Kepala (município da Kibala).
- Ngoya ngondola, mu hane uvita! (vou pronunciar-me em
ngoya e não me vão perceber). A isso respondi apenas com um leve sorriso que a
levou a inspeccionar-me com maior profundidade e tendo reconhecido no meu rosto
os sinais (kilimbo) que identificam o originário do reino de Ngola.
E não foram precisas mais palavras. Tinha sido reconhecido
como “filho da casa”. Os traços no rosto, comummente conhecidos como
“faquinhas”, frequentes entre povos de Malanje e Kwanza-Sul, em Angola, têm uma
explicação histórica.
Eles foram sendo usados pelos povos Ngola, ao
longo da história, por motivos diversos e até de forma profusa. Dados obtidos da
oralidade destes povos (pesquisa no Libolo, Kibala e Kangandala)
e registos escritos apontam que a aplicação de “faquinhas na cara” (tracejados
horizontais e ou verticais no rosto) tinha uma dupla função nos tempos dos reis
Ngola:
- Uma era mitológica, ligada à questões de
saúde: pensava-se que o sangue mau (de baixa qualidade) era a causa de muitas
doenças e devia ser extraído. Essa evocação se prolongou até há bem poucos anos,
sendo ainda visíveis adolescentes e nalguns casos até crianças oriundas das regiões supra com estes sinais nos
rostos. Porém, a extensão dos serviços de saúde às áreas mais recônditas
diminuiu grandemente este tipo de pensamento mitológico que, mais do que curar,
levou à morte muitas crianças que se viram anémicas devido à extracção
sanguínea.
- A outra razão da aplicação das faquinhas no
rosto de Malanjinhos e Kwanza-Sulinos de locução ambundu tem a ver com o
“kirimbu” marca/sinal com que o soberano identificava os seus emissários: não
havendo no passado comunicações escritas e nem telefónicas, era preciso
autenticar os emissários para que fossem reconhecidos e valorizada a mensagem
de que eram portadores. Assim, o rei Ngola começa por colocar o “kirimbu” no
rosto dos emissários enviados a outros Estados/potentados. Sendo sinal único do rei Ngola apenas
estes embaixadores/emissários assim sinalizados/identificados podiam ser credenciados.
O procedimento dos reis Ngola foi anterior ao
tráfico negreiro, iniciado no Sec. XV, e que o adoptou para estampar as "peças
africanas" (escravos) que estavam realmente pagas antes de embarcarem para a
América.
A palavra portuguesa carimbo, adoptada pelos
portugueses, que muito se relacionaram com os reis Ngola, provêm do kimbundu
“Kirimbu” ou "kilimbu" que equivale a “stamp” (selo) em inglês.
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PS: solicitada a comentar o texto, recebemos da parte da Dra. Judith Luacute o seguinte comentário:
"Quanto ao texto devo dizer que as "faquinhas" que se faziam no rosto das pessoas, por questões tradicionais, podem provocar os seguintes danos às pessoas:- Infecções, por falta de observação dos cuidados (assepsia) do material com que se fazem as incisões.
- Incisões feitas com uma profundidade que pode atingir os vasos sanguíneos e, assim, provocar sangramento que podem ser de tal intensidade, levando o indivíduo à morte por choque hipovolémico (baixa quantidade de sangue no organismo)
-Transtornos psicológicos aos portadores das cicatrizes por baixa autoestima, quando inserido num meio onde essa prática é desconhecida.
Conclusão
Com todo o respeito que tenho pelas tradições, esta é uma prática que deve(ria) ser desincentiva".
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Fontes
escritas: