(Comuna que passou à categoria de município)
Atraído pelas notícias sobre a fazenda que produz arroz em boas quantidades, ainda no tempo de Kwandu-nyi-Kuvangu, decidi chegar ao famigerado Longa, visto estar na capital "Menonge". Abro parêntesis para assinalar que grafo os topónimos como devia ser, em obediência ao que demanda a parca regulamentação angolana e a do CICIBA sobre as línguas bantu. A visita aconteceu há já dez anos, e foi durante as minhas férias de 2015, tendo saído a solo da "capital das capitais", Luanda" à sede da província do Sudeste angolano.
Como antigo estudante de Didáctica de História, no ISCED que era anexo ao Mutu Yá Kevela e colaborador [entrevistador] no Projecto "Angola nos trilhos da Independência", tive de ir conhecer o local aonde muitos dos obreiros da nossa independência haviam sido "desterrados e a sofrer sofrimento" por terem ousado usar (por outras palavras) que "Angola é dos angolanos!".
Conhecer o passado é maravilhoso, pois quem conhece a história só tropeça nos erros registados se for tolo. Todavia, as estórias sobre o arroz impeliram-me a meter-me ã procura do Longa. Não se trata do rio que nasce no Lonye, atravessa Karyangu e se afunda no Atlântico, separando Lwanda do Kwanza-a-Sul. Falo do Longa que vem do Moxiku e empresta as suas águas ao Kalahari.
_ Aqui travaram-se encarniçados combates pela defesa da pátria ameaçada. "Aqui tombaram camaradas" de várias procedências do nosso vasto país. Aqui se conta, nos dias que correm, estórias sobre resistência ao colono, na Sub-zona da terceira Região político-militar do Glorioso, estórias sobre a resistência heroica contra os invasores sul-africanos quando os homens de Roelof Pik e Pieter Botha pretendiam fazer em Angola um "passeio turístico" militar em socorro de amigos angolanos que a história se encarregou de catalogar. Hoje a luta é reerguer o que se destruiu durantes as várias guerras (contra ocupação colonial, contra a invasão sul-africana, contra a insurreição interna) e construir coisas novas. É produzir arroz, milho, leguminosas e tubérculos e aumentar o nível académico-cultural dos seus habitantes. _ Estas foram as palavras de boas-vindas do Professor primário com quem mantive curtos, mas inolvidáveis momentos de prosa.
Longa, com perto de cinco mil almas, era, à data, "uma comuna que perdoa o passado lúgubre", mas que "jamais o esquecerá para que não se repitam as atrocidades que apagaram vidas e transformaram em escombros casas, lojas, hospitais e outros haveres".
A carcaça de um helicóptero militar danificado na cabeceira da sua pequena pista de terra batida e alguns edifícios coloniais convertidos em pedaços pela aviação e artilharia sul-africanas são registos históricos que devem passam de geração em geração, desconfortando-me o facto de ver muitos destes "documentos históricos" estarem a ser recortados e levados à fundição.
Os meninos do Longa contavam a história lida nos poucos livros existentes e jogavam à bola em um pedaço lateral do "campo de aviação". A língua que mais se fala é Ngangela, sendo a língua portuguesa a segunda língua, todavia, obrigatória na escola que foi felizmente poupada e reconstruída.
Uma outra maior, de 12 salas, construída de raiz, aguardava pela inauguração, "devendo elevar o nível de ensino e o número de alunos escolarizados", contou João Mbambi, professor do primeiro ciclo do ensino primário que ganhou um livro "O relógio do velho Trinta".
Os petizes, uns vestindo calções e camisolas amarelos e outros de tronco à mostra, imitavam, emotivos e sonhadores, os craques do Girabola.
_Quero ser como Job ou Ary Papel, disse um deles quando convidados para a foto-testemunho.
O arbitro vestia calças jeans, uma t-shirt e calçava chuteiras, ao passo que os pequenos "artistas da bola" poucos mostraram ter o privilégio de jogar com os pés calçados. Alegres, sem temor, nem represálias. Hora pós-escolar, 5h30 da tarde. Girava alegremente a bola no Longa, enquanto me aprumava para a viagem de regresso a Menonge que é longa, cerca de 90 quilómetros de distância.
Moisés Sacinene, 14 anos, frequenta(va) a sétima classe. Foi meu companheiro de conversas e fotógrafo de ocasião. Não se fez ao campo por considerar aquele "um jogo de crianças". O seu campeonato é outro. Naquele pedaço de terreno plano roubado ao aeródromo militar ou assiste apenas os putos a se trumunarem ou é convidado a ajuizar os jogos dos kandenges.
_ O nosso campo é no lado de lá da estrada, onde os colonos jogavam. _Contou.
Quem vai de Menonge ao Kwitu Kwanavale tem, no lado direito do Longa a pista, parte da aldeia e o quartel. Do outro lado da Estrada Nacional 280 ficam os edifícios administrativos e os equipamentos sociais como o mercado, as escolas, o posto médico e, por mais incrível que pareça, um campo relvado a reclamar por novas balizas.
_ Esse campo foi sempre assim desde que nasci. Contou o professor Mbambi, quarenta anos, mais ou menos (à data). O campo é mesmo do Governo. É ele quem manda cortar a relva quando fica muito alta. _Argumentou.
Podem ainda ser vistos, no lado norte, a antiga quadra de jogos de salão e sobras da guerra como tanques blindados e "mwana kaxitu" (lança rokets) já recortados em pedaços e aguardando pelo transporte à siderurgia onde as "laças e canhões que serviram a guerra serão transformados em enxadas e arado" para lutar contra a fome e a pobreza.
Mais abaixo, junto ao rio que dá nome à circunscrição e à fazenda que é exemplo nacional em termos de produção de arroz, um vasto prado se espalha em milhares de quilómetros quadrados de área, ladeando longitudinalmente as margens do Longa cujas águas não só me convidaram para matar a sede, mas também para lavar a "Maria Canhanga" que me transporta nessa odisseia.
_ Tio não toma banho ali. Visita tem de ser acompanhado. _ Alertou-me um dos rapazes que desafiavam a lei de Pascal sobre a submersão, ao que obedeci.
Na verdade, embora o Longa me tivesse convidado, a intenção era apenas lavar o rosto e saciar do caudal corrente e límpido a sede que caminhava comigo desde Menongue.
Enfim, conheci a [então] Comuna do Longa, fruto da paz que o povo tanto pedia. E não fui em cumprimento da "vida Kwemba", nem em serviço forçado numa cadeia pidesca do kaputu ou disesca da ressaca revolucionária. Fui em desfrute desta nossa Angola e os benefícios da força da razão que sempre lutou mais forte do que a razão da força que fez de todos nós meros objectos. Que saibamos todos dizer "tri-ti-ti nunca mais", porque agora que a paz já chegou "vamos 'mbora no Kwitu, porque a guerra Já acabou". E a visita ao Kwitu Kwanavale, perto de 100 km a leste de Longa, fica na agenda a cumprir nas próximas férias de um ano por determinar.
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