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quinta-feira, dezembro 28, 2023

KITOTAS EM MOÇÂMEDES

O Dr. Agostinho Neto, antigo FAPLA no KK, nascido em Malanje, decidiu fazer a sua vida em Moçamedes (Namibe) onde é Director Provincial da Educação. 

Exímio cronista e contista, Agostinho Neto  assinou para o Semanário Angolense, onde também "militei" no mesmo ofício, nos tempos do Director Salas Neto. 

Mesmo sem nos termos encontrado antes, reconheceu-me, baseando-se na foto que encimava os textos e "espetou-me" um caloroso abraço. 

Não sairia de Moçamedes sem dizer-lhe "obrigado" por me ter reconhecido. Deixei-o a ler Kitotas: recuos e avanços. Afinal, o Dr. Agostinho Neto esteve na linha de frente e na região que registou as mais quentes kitotas.

sexta-feira, dezembro 22, 2023

VÊNIA ÀS MULHERES TAXISTAS

"Dentre o total de taxistas, 2% devem ser mulheres". A estimativa é de Beatriz que diz fazer parte de grupos em redes sociais com outras "mulheres que não deixam o carro apanhar poeira” e que “não pedem tomate aos maridos". Vamos à crónica.

Quando, pela primeira vez, me conectei ao aplicativo e chamei pelo táxi privativo e vi o nome feminino, a primeira impressão foi "deve ser um nortense, daqueles que têm o apelido feminino", mas, momentos depois, receberia a chamada de um número desconhecido e a voz a anunciar o táxi era, de facto, feminino.
Muitas ideias aversivas ocorreram-me.
_ Uma mulher-homem? Uma mulher assaltante que se faz passar por taxista?
Quase desisti, mas o lado corajoso gritou altivo.
_ Kanyanga, vai!
Obedeci, afastando as fobias. Afinal era, em Luanda, dia de chuva preguiçosa e contínua. Que fazer?
Minutos depois, apareceu a senhora (já com ou perto de 40 anos transpostos) no terminal aeroportuário, num rosado i10.
_ Sou eu a Beatriz, caro senhor. _ Anunciou-se, perante o meu esforço em associar as informações recebidas na plataforma e o veículo real.
_ Bom dia e obrigado pela celeridade, minha senhora.
_ Aonde vai mesmo o senhor? _ Indagou a confirmar.
_ Vou à vila sede de Viana. Quanto à casa, não se inquiete. Até aonde o seu carro puder chegar.
_Já estava mesmo para me desculpar atempadamente, pelo dia de água e a altura do meu carro. _ Acrescentou.
Seguimos algumas léguas calados, prospectivos e cada um a espera de quem falasse primeiro e o quê. A senhora conduzia como um homem. Demonstrava habilidades na relação íntima com o volante, a estrada e todos os utentes da via. Parecia homem. Porem, e para a minha sanidade, não tinha tiques transexuais, nem barba. Acalmei-me.
_ A quanto tempo a senhora trabalha em serviço de táxi? - Indaguei, complementando:
_ desculpe, fui jornalista e não perdi o gosto pelo questionamento.

A senhora abriu um sorriso de mulher e respondeu sarcástica:
_ Parecia-me tenso e reservado quando entrou no carro...
_ Sim. Hoje há muitas mulheres assaltantes. Não desconfiei da senhora, mas era preciso explorar como fugir, se necessário.
_ Mas, também há homens raptores e assaltantes. Mais homens do que mulheres...
_ Sim. Tem razão.
A chuva dividia-se entre pingos esparsos, pingos regulares e outros mais intensos. Pinguiscava em toda a extensão do trajecto. O trânsito, porém, não estava congestionado e circulava-se bem. Num intervalo de 25 minutos tínhamos transposta a distância que separa o aeroporto 4 de Fevereiro e a Vila Nova (Viana).
Pude ainda saber, durante conversas recortadas, que Beatriz actua em part time há nove meses na actividade de táxi e é investidora em panificação e criação de tilápia. A meta diária é, segundo ela, “fechar Kz 30 mil/dia”, alvo que às 10horas já havia alcançado. Disse ainda que os homens eram "capazes de fazer o dobro", a depender do trânsito e das rotas.
_ As mais longas são mais bem remuneradas. _ Explicou.
Informou que trabalha com carro próprio, permitindo-lhe uma razoável renda para que não falte comida em casa.
_ Quem trabalha com carro alheio paga normalmente ao dono do veículo Kz 100 mil por semana e Kz 400 mil por mês.
O dono do aplicativo fica com 15% da facturação de cada corrida, o que considerou "aceitável".
Desviando para outro dos negócios em que actua, Beatriz reclamou da carestia da farinha de trigo para a panificação, algo que leva a baixar a gramagem e a consequente qualidade do pão.
_ Infelizmente, é o cliente que paga. Nós temos de tirar um pequeno lucro, depois de recuperar o gelo (não sabia que era necessário gelo na produção de pães), o sal, a manteiga, o açúcar, o fermento, a água e outros insumos.
Cumpri a promessa de que ela me devia deixar no ponto mais próximo de minha casa e onde eu sabia que o i10 dela correria riscos de entrada de água, devido a um acentuado buraco na rodovia. Paguei os Kz 3700,00 que o sistema indicou e cada um partiu para a sua vida. Eu para a minha casa que ficava a poucos metros e ela, igualmente, para casa, pois informou que tinha fechado a meta do dia, os Kz 30mil. Ficou por contar a experiência da criação de tilápias, conversa a não esquecer na eventualidade de um reencontro.

Texto escrito a 28.11.2023 e publicado pelo Jornal Cultura de 03.01.2024

domingo, dezembro 17, 2023

O 1° QUADRO DA PRINCESA

Foi-me apresentado pela Lúcia, a mais nova entre os Canhanga de minha (re)produção.

_ Papá, a Argemara (Princesa) fez isso!

Observei e notei que é o começo de uma estrada que pode ser longa e profícua, se se der apoio e se valorizar a arte pictórica nascente.

_ Vou comprá-lo. _ Disse em voz audível, integralmente descodificada pelo Arlindo que se achava por perto.

_ Argemara, ouviste? O papá vai comprar.

Não sei que mensagens mais os irmãos trocaram. Dado o cansaço e acossado por uma ligeira encefaleia, fiz-me ao chuveiro para dormir como "pedra lançada ao poço".

Esta manhã, venho que a autora se encontrava com os primos, a "engenheira"  ambiental Elizabeth Carina e candidato a geólogo Cristiano Canhanga Jaime, chamei-a a perguntar "quanto custa uma tela".

_ Depende do tamanho, papá. Mas esse custou Kz 4500,00, no São Paulo.

_ Vou comprá-lo. Pago Kz 20000,00. Chamei pelo Arlindo, o autodeclarado Director Executivo da Kam&mesa. 

_ Papá?!

_ Põe-no no carro e vai à Kam&mesa. _ Anunciei, fazendo, de seguida, a transferência conta-a-conta.

Deixei-a radiante. Tem o primeiro quadro comprado e estará exposto no quarto n° 06 da Kam&mesa.

sexta-feira, dezembro 15, 2023

SIMBOLISMOS CÁ & LÁ

(As boas coisas que devíamos kabular)

Interiorizei, desde cedo, que uma saída, por mais próximo que seja o destino, deve ser aproveitada, entre outros, para fazer também analogias entre os nossos avanços e atrasos em relação aos outros povos e geografias.

Assim, estando na cidade atlântica mais a sul de África, não me tenho coibido em trocar experiências e anelar o que podemos, mas ainda não possuímos ou gabar-me de nossas riquezas culturais e contornos geográficos ímpares que nos podem colocar, indubitavelmente, em rotas turísticas mundiais.

Eis que, andando desinteressado pelo "calçadão" de Sea Point deparei-me com o Mandela's glasses" que, de imediato, passei a comparar aos meus e a outros mais famosos e dignos de um monumento em noss'Angola querida.

 Os meus óculos, embora sejam de grande utilidade ao meu trabalho, não têm história. Ganham, daqui em diante, a sorte de ter uma estória.

Usei óculos sem graduação, quando era "teeneger", abandonando-os na primeira esquina da juventude, quando o culturismo ocupava parte do meu pouco tempo livre.

Tempos depois, surgiu a necessidade ingente de renda permanente, passando de sub-empregado a dupla ou triplamente empregado, elevando a minha exposição prolongada ao écran do televisor, que só veio a piorar com o surgimento dos telefones celulares. Foi a entrar para a fase da juventude plena (ainda) que fiz a primeira visita ao optometrista e ao oftalmologista que não fizeram mais senão prescrever-me um par de óculos.

Depois de quatro ou cinco anos a usar lentes correctivas, houve ainda um interregno de tempo em que fora declarado livre de "mawanas".  Hoje, porém, depois do telefone celular, os óculos são o meu segundo objecto de preocupação imediata e permanente.

Passemos a Madiba. Quem caminha à beira-mar, em Sea Point, Cape Town, verá, inocultável, um monumento em que se replicam os óculos do primeiro presidente negro da África do Sul. A caminhar pela baia, "Mandela's Glasses" é um ponto em que os turistas de várias origens (e até nacionais) procuram parar e fazer uma foto ímpar que serve de lembrança aos amigos (daqueles que fazem publicações nas redes sociais) e para marcar o autor/turista durante a vida toda, lembrando-se da estadia em Sea Point e da passagem pelo local.

Cada detalhe, cada objecto da vida de um líder com a grandeza de Nelson Mandela ou de Agostinho Neto pode ser transformado em motivo de atracção turística.

É sabido que os angolanos, representados pela Direcção do MPLA, negaram-se em receber os restos mortais do "guia imortal" sem os seus óculos, tendo, ao que se diz, a urna funerária sido devolvida à Ex-União Soviética (Setembro de 1979) para a colocação dos óculos (sem as lentes) e permitir que o cadáver embalsamado fosse facilmente reconhecido como o de Agostinho Neto que sempre se apresentou em público com os seus pesados óculos. Por tudo quanto foi aflorado, os óculos de Agostinho Neto, por si sós, merecem uma descrição e elevados ao conhecimento público dos nacionais e visitantes estrangeiros.

Vejamos, por exemplo, como a China, noutra latitude, faz para fomentar o turismo interno, fazendo réplicas de monumentos de outros países.

Uma réplica da Torre Eiffel pode ser vista em Tianducheng, ao passo que Xangai tem cópias da Torre (inclinada) de Pisa e Thames Town. A Florentia Village pode ser visitada em Wuqing e Hallstatt, em Huizhou.

_ Podemos copiar o monumento com a réplica dos óculos de Mandela e termos também na nossa Marginal de Luanda um local com os "Óculos de Neto"?

Acredito piamente que é possível!

Mas sobre a marginal de Sea Point não é tudo. O rhino's view point é outro local de paragem, quase que obrigatória, de dezenas de caminhantes.

O rinoceronte é um grande herbívoro existente na faixa sul e central de África, incluindo o Sul de Angola, e também na Ásia. São conhecidas cinco espécies, sendo duas em África e outras três no continente asiático.

É óbvio que o seu habitat não é a cidade e, fora os parques e safaris, a maioria das pessoas só os vê na televisão e nos filmes.

Os sul-africanos fizeram uma "brincadeira" encantadora na marginal de Sea Point, implantando peças diversas (representando partes do corpo do animal) que, quando vistas fora do ponto de observação, passam despercebidas. É preciso subir ao ponto de observação para que as "peças diversas" se componham em uma única figura. É uma bela forma de entreter o turista. Coisas simples, mas que marcam.

Sempre que me deparo com esses exemplos, fico a pensar na nossa Palanca Negra Gigante, que só existe em Angola, e que também pode "pastar" na nossa marginal da Praia do Bispo.

Por outro lado, as cidades crescentes como Luanda e Cape Town enfrentam desafios ligados ao estacionamento urbano. Em Luanda, são os jovens e adolescentes que vêem das barrocas da Boavista e outros bairros distantes que se assenhoraram das ruas das Ingombotas como se de sua propriedade se tratasse. O mais caricato é que até os polícias e fiscais pagam "gorjetas" a esses "miúdos" que podiam aprender profissões, em vez de se contentaram com dinheiro fácil e grande parte deles aos vícios como o álcool e drogas.

Diferente de Luanda, a fiscalização do "street parking" de Sea Point e Cape Town é feito de forma rigorosa e produtiva por homens e mulheres adultas que, munidos de equipamentos de facturação, comunicação para chamar a polícia e outros meios, gerem os espaços demarcados para o estacionamento temporário, colectando para a edilidade e agindo contra os incumpridores (resulta em outras colectas).

É fácil reconhecê-los. Homens e mulheres vestindo colectes reflectores e farda azul-escura, atentos aos que param e aos que deixam os espaços livres. A sobre estadia tem outra facturação ou multa. E os automobilistas cumprem. Tal faz também pensarem duas vezes entre caminhar uns metros ou levar a viatura e ter de pagar pelo estacionamento temporário.

A edilidade buscou uma parceria público-privada (ppp) para a sua gestão. Ao fim do dia, os fiscais dos espaços para estacionamento urbano dirigem-se a um "post-office" onde fazem as contas do dia e recebem a percentagem que lhes é devida.

Dá prazer vê-los a entrarem, depois de contas feitas, em lojas ou "street market" para pegarem o jantar e suprir outras necessidades caseiras.

Em 2020, eu havia feito uma reportagem ao meu Camarada de feliz memória, Sérgio Rescova, enquanto governador de Luanda. Pareceu ter acolhido os dados que lhe passei, mas não demorou e foi enviado ao Uige, perecendo tempo depois.

Num curso sobre Economia Moderna, (ENNAP 2020-2021), apresentei o assunto como meu "paper" reflexivo (espécie de monografia), tendo merecido um efusivo acolhimento do professor que recomendou "elevá-lo a artigo científico e ou materializar a experiência em Luanda".

Espero que este apontamento desperte os administradores da província de Luanda e outros a fim de repensarem no dinheiro que perdem ao deixar os espaços para estacionamento urbano em mãos de vadios e (alguns) delinquentes.

Por último, mas não menos importante, trago a experiência absorvida sobre o horário de trabalho. Antes, conto-lhe sobre o exercício mimético de um pombo que se confundira ao negro do asfalto.

O mimetismo está presente em nossas vidas. Humanos, outros animais tidos como irracionais e plantas experimentam, em alguns estágios de sua existência, o mimetismo. O camaleão é o mais conhecido neste exercício. Talvez assolado pelo frio, que no mês de Setembro não poupa nenhum vivente, um pombo negro encontrou um canto alcatroado para fazer-se passar despercebida.

O caminho não me era novo. Era o de sempre e sem novidades por expectar. Decidi, entretanto, focar-me nos detalhes para que a graça não se esvaísse com a redundância. Olhei demoradamente para a paz dos pombos, perante um mar normalmente bravio, mas que se mostrava calmo e um sol altivo em dia de chuva e sensação térmica calculada em 9 graus Celcius.

Caminhava, quase sozinho, naquela passarela longa e larga, perguntando-me "aonde foram os companheiros das caminhadas de todos os dias"?

Sempre encontrei a marginal apinhada de gente que combate a ociosidade, a obesidade e outros males. Geralmente, ninguém lúcido quer ter problemas de coração.

A ausência dos companheiros de passada e outros mais lestos que, normalmente, passam por mim com o quadruplo ou sêxtuplo da velocidade levou-me a questionar insistentemente aos "meus botões":

_ Será que a inundação humana da calçada apenas acontece com a soltura da função pública que, nesta cidade, entra às 09h e sai às 4 da tarde, perfazendo no trabalho presencial as 07 horas que nos custam cumprir em Angola?

Fiquei a pensar ainda na dificuldade que, por vontade nossa, instalámos em chegar às 08h00 e o bónus que recebemos na Lei de Bases da Função Pública que dita a entrada naquela hora "impossível" e a saída às 15h00.

Já que gostámos de kabular (nem sempre em perfeitas condições), por que não se estendeu o horário de entrada para 09 e saída às 4 da tarde, o que não cortaria sequer uma unha aos que têm o "congestionamento do trânsito" como justificação de perenes atrasos no local de prestação de serviço?

Há uma voz que me grita distante: "muitos não gostam mesmo é de trabalhar"! 

 

 Publicado pelo Jornal de Angola de 01.10.23

sexta-feira, dezembro 08, 2023

DO LARGO DO AMBIENTE AO SANA

(Sob cheiro nauseabundo e sol ardente)

A aurora contava ainda instantes, mostrando tetinhas de sol. Uma demanda profissional, “madrugadora” para os hábitos que se vão instalando em Luanda de chagada tardia aos eventos, levou-me a percorrer parte da Avenida Gamal Abdel Nasser (do Largo do Ambiente à intercessão com a Rua da Muxima e desta à intercessão com a Rua Direita de Luanda (junto ao Epic Sana).

Tal levou-me ao já longínquo ano de 1985, quando conheci a Missão Metodista e zona adjacente que percorríamos no final dos ensaios para a comemoração do Centenário da Igreja Metodista que aconteciam na Igreja Central ou Missão Metodista como também foi e é ainda conhecida.

Pude rever o Museu de História Natural e, na viagem ao passado, rememorar o seu interior, ouvir as vozes dóceis das guias, assim como galgar as escadas e aquela passagem inferior qur se diz(ia) "actuam no local, forças incógnitas que fazem os carros se movimentarem mesmo sem aceleração".

Entretanto, voltando ao mundo real, a transformação da área foi tão rápida, adversa e controversa que alguns iluminados ou afortunados acabaram por se apoderar e “concretaram” o horto botânico que se achava na zona do Kinaxixi, fazendo desaparecer toda aquela exuberância verde que hoje só há memória em livros do passado.

A calçada superior, da Avenida Gamal Abdel Nasser, apesar de ter ao lado vizinhos cujas moradias denunciam posses e esperando-se deles (e de seus dependentes) higiene, parece-se a um “montulho” de imundícies entregues a corvos e porcos.

Tudo quanto pude apreciar, ao longo da minha caminhada (ida e na volta com o dia já ensolarado), o comportamento dos residentes e frequentadores se resume no seguinte: abriu gasosa lançou à calçada; usou absorvente, atirou ao apeadeiro; descartou repolho, idem. Um descaso total e imundície sem igual em cidades dignas deste registo. 

A excepção são as três roullotes instaladas sobre a calçada que lutam, contra gigantes assépticos, deixando apresentável o estreito espaço à volta. Mas há um ar pesado e carregado de asco que polvilha o ambiente envolvente e afugentando qualquer requisição estomacal.

Até o lancil desabado da Gamal Abdel Nasser aguarda pelo tombo de um carro para despertar a atenção. Alguém viu aquilo a ruir por dentro?

Que cidade é essa em que dizemos viver e que citadinos são esses que não zelam pela urbe que dizem sua?

sexta-feira, dezembro 01, 2023

UMA PARAGEM NO "VELHO MÁRIO"

TURISMO/KONDA/KWANZA-SUL
Mário Santos e o cronista
Em viagens de descompressão e descoberta do que há de recomendável em termos de nossas potencialidades e realidades turísticas, passei pela Konda, também conhecida como "terras da Tokota", sem que a curiosidade me levasse a adentrar o que se anunciava à entrada do rio Wiri.

Dizíamos, eu e meus companheiros de viagem, nas duas vezes que por lá passamos, que "a Konda não possuía sequer um albergue para o indivíduo se acoitar em noite friorenta de kasimbu".

Não me bastando a desatenção, à terceira, mensageei o meu amigo kondeense residente em Luanda há já largas décadas "se me podia recomendar um lugar para pernoitar", pois dirigia-me, em missão de trabalho, ao seu mui propalado município em tertúlias inter-kwanza-sulinas e "imelistas", ao que respondeu amável e sarcasticamente "chega cedo, paquera uma jovem e dorme em casa dos putativos sogros".

Caí na galhofa, mas encontraria surpresa pela frente.
Conhecedor do que há e pode haver, o Honorato Kondjassili, geólogo kunenense e com muitos anos de kwanza-sulismo, já conhecia o "Velho Mário" e as maravilhas da "sua" fazenda-hospedaria, herdada do tio Waldemar Pereira da Costa.

O que encontrei é um oásis, um encanto afugentador de doenças profissionais e agitacionais urbanas, escondido entre arvoredo e nevoeiro permanente, numa elevação próxima da vila de Konda.

À entrada, há um edifício alto, inestético por fora, mas que se apresenta altivo e guardador de muitas estórias e história.

_ O que é e o que terá sido?" _ São as perguntas que invadem o neófito visitante.

Às paredes altas da antiga moageira apresentam-se anexos distribuídos pelas redondezas e que são hoje "os aposentos dos donos" e toda a área de catering, incluindo os demais serviços como a área de processamento de café, dois njangu (aberto e fechado), jardins, alfobres, gaiola, etc. Perto de légua e meia ficam os hóspedes, a piscina, a quadra de jogos e outros serviços mais ligados à parte agrícola (aprisco, capoeira, pocilga, etc.).
Restos da antiga moagem "Canini"
A casa alta e inestética, aos olhos do visitante de primeira, foi, nos anis 50 do século XX, moagem de fuba de milho amarelo, conhecida entre os kwanza-sulinos de meia e alta idade como fuba "canini", antes de a marca "canini" passar, na década de 70, para a Caima, na Kibala. O edifício que estamos a retratar tinha ainda uma secção de bolacharia, ou seja, a "fábrica de bolachas". Lá estão ainda as máquinas que, com a ajuda do "Velho Mário", contam toda a história.

"Até hoje, muitos mais velhos daqui me tratam por Waldemar, em alusão ao meu tio que foi o fundador da Fazenda Wiri", conta o "general".

Mário Santos, 73 anos, idoso na idade, mas jovem nas ideias e na vontade férrea de viver e fazer as coisas acontecerem como fruto do seu trabalho, é investidor em hotelaria, "há nove anos", na fazenda Wiri que ganha o nome do rio que a rega. É próximo da vila sede da Konda. Diz que é também "proprietário de um restaurante com o selo Tokota", junto ao HMP, em Luanda, gerido pelas filhas e acrescenta: "o nome Tokota foi igualmente levado a um empreendimento em Portugal", onde estão os netos.

Natural do Ebo e criado na Gabela, Mário Santos combina a hotelaria rural à fazenda e não deve nada ao turismo que se faz, por exemplo, em Cape Town.

No Wiri estão 22 quartos que registam uma média de ocupação de 75%.
"O ideal, para quem queira vir correr com o estresse urbano é fazer reserva, pois pode calhar num dia em que tenho apenas 5 camas ocupadas ou todas elas", diz num misto de alegria e apreço pela chegada de 12 hospedes saídos de Luanda e Sumbe.
Antiga fábrica de bolachas
O antigo militar das FAPLA, ostentando, na reserva, uma alta patente que não revelou (embora sendo tratado por gente que o conhece há longos anos por "general") diz ter jogado no ARA da Gabela, passando por todas as categorias: juvenil, júnior e sénior tendo vivido no clube muitas glórias.
"Já na tropa, fiquei nos gabinetes, era miúdo e franzino e fiquei na recta-guarda, mas sempre atendo e a servir os da linha de frente".

E como é que um ebwense-gabelense chegou a converter em restaurante e exposição agro-comercial a "primeira unidade a produzir a fuba canini", antes de a moageira ser transferida para a Caima, na Kibala?

Conta que "foi por insistência do General Serafim do Prado", um kondense que pretendia imprimir mais vida à sua terra natal.
"Eu dizia-lhe que não gostava de tratar papéis, mas ele insistiu e acabei por cá vir, inicialmente a fazer agricultura e depois (já leva 09 anos) a fazer também agro-turismo".

O mais velho Mário Santos, mostrou uma área da antiga moagem que foi fábrica de bolachas e explicou como se processava.
"Eu via como se fazia, mas não trabalhava ainda. Eram os meus pais".

Nos seus 73 anos, lembra as longas viagens, da Gabela a Luanda, em viatura de marca Chevrolet, que chegavam a durar até um mês.
"Era uma eternidade". Lembra que as estradas não estavam ainda asfaltadas e a velocidade das "máquinas" de então também era muito diminuta.

"Essa estrada que liga o Sumbe a Benguela não existia ainda", advertiu, sendo que o trajecto fazia-se via Kibala-Dondo-Luanda.
Na quarta-feira, 15 de Novembro 2023, contou Mário Santos, a fazenda-hospedaria "despediu-se de uma delegação do "instituto das cobras" (CIMETOX-Malanje), recebendo, depois, uma família de seis integrantes, saída da África do Sul e, posteriormente, uma delegação de 12 pessoas saídas de Luanda e Sumbe.

"Amanhã vem uma delegação de diplomatas. É assim o nosso dia-a-dia. É isso que ajuda a compensar a crise da agricultura", explicou.
A dona Odete Waldemar, a esposa, está sempre por perto. É ela quem cuida zelosamente da alimentação e das inúmeras plantas decorativas. A kizaka confeccionada pela dona Odete tem um sabor indiscritível. Só provando. A receita é somente dela.

"Ela é muito exigente e cautelosa no que faz", descreve-a o marido para quem "sem a presença dela seria impossível manter a fazenda, a hospedaria e tudo o que brota a volta".
Pois é. Ao lado de um homem de sucesso está ou deve sempre estar uma companheira alinhada e comprometida.
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Publicado pelo Jornal de Angola a 31.12.2023