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domingo, maio 30, 2021

AMEKO

Quando cheguei a Quilengues, terra de meus amigos e colegas de profissão, as jovens que encontrei a aproveitar a sombra da "árvore grande", que em Luanda chamam mulembeira, perguntaram-me:

- Ó mano, ainda ouvimos que na descida, da bifurcação prá cá, houve lá um acidente. Kenhê que se acidentou?
- Ameko, respondi.
- Afiná, o mano ainda é mesmo daqui. Mas, fala ainda. Está a vir daonde? - Perguntou uma jovem encostada a uma roulote. Era esbelta para o seu tempo e território.
- Ó, mana, me dá ainda de comer e de beber. Gasosa é quantué e a sandes é quantué? - Indaguei, procurando aumentar a empatia que já tinha ganho no primeiro contacto.
- Gasosa em garrafa é trezentos. Sandes de chouriço e ovos é quinhentos. Se tem já teu pão te faço lá kadesconto.
Sôfrego da longa viagem - Luanda-Huambo-Chipindo-Huambo-Longonjo-Huambo-Menongue-Cutato-Menongue-Lubango-Quilengues- mas ainda com algum vigor, dei uns passos até à padaria que se achava à frente da mulembeira, cujas folhas lutavam contra o sol, emprestando-nos a sua sombra.
- Mana, meu pão é esse aqui. Para os meus colegas faz mesmo com o teu pão. Eram três a se reerguer ainda na viatura estacionada em frente ao Partido.
- Mas ó mano, ainda num me contaste lá se és daonde e estás a vir daonde.
- Sou teu cunhado. Minha mulher é biena e vim ver "se encontro mais uma kafeko daqui". Até vou já ligar ao meu amigo Kassana para me indicar onde posso comprar terreno. - Enfeitei para o contento da minha interlocutora.
- Mulher daqui, ó mano, num vale a pena. Vais acordar sozinho. - Alertou a Magrinha, nome que lhe dei sem que ela soubesse.
- Mas, assim, fazem quê? E eu que me encantei com o Quilengues, faço como? - Adocei.
- Vó ter dar lá um kaconselho. Se o mano quiser faz, mas também se quiser 'mbora acordar todos os dias sozinho, problema é teu. Faz assim, endireitou o discurso: terreno ou casa, pode comprar. Aqui é bom. Tem água, tem energia, passam muitos carros e a vila tem muito movimento. Mas isso faz também as kafeko ficar com as cabeças no ar. Mulher mesmo, para manter, arranja noutro sítio e lhe traz aqui. As daqui, esquece ainda!
Mesmo a enfeitar a boca, só para não sentir a lentidão do tempo que separava a sandes pachorrenta da minha boca, acenei a cabeça em jeito de aceitação.
- Manos podem já encostar. - Chamou a outra jovem da roulotte. Era também magra mas com algumas picanhas fora do lugar e uma indisposição de grávida recente. Aliás, essa, enquanto a Magrinha dialogava abertamente, contando os novos hábitos dalgumas moças descasadas de Quilengues, ela reprovava com gestos e palavras balbuciadas do tipo "nó le conta isso".
Manjamos. E como a cidade de Benguela ainda estava distante e já pronta a receber o sol que para lá se dirigia apressado para mais um esconderijo, decidimos partir, mirando os olhos nas árvores e nas montanhas que corriam apressadas para trás, ao ritmo dum motor vigoroso que bebia gasóleo com a mesma pressa com que me desfiz do refrigerante.
- Ó mana, vamos partir. Eu voltarei, com certeza, para comprar terreno e viver aqui. Salipo.
- Ewa. Endipo ciwa!


segunda-feira, maio 24, 2021

À BUSCA DE PEDAÇO DE PÃO FÁCIL

Todos somos filhos de Deus, aliás, cidadãos luandenses e cada um de nossos administradores procura pelo seu *pedaço de pão fácil*.

Terá sido isso. Sim isso mesmo.
A periférica Kisama e Ikolu nyi Mbengu passaram à esfera da província de Luanda, talvez, para fomentar o seu desenvolvimento, já que eram/são municípios periféricos da capital do país  com níveis de atraso infraestrutural e renda alarmantes.
Dizem que na Kisama, por exemplo, *os fiscais da administração nunca multaram ninguém*, pois, por mais vontade ou profissionalismo que os funcionários demonstrem, *não há gente com dinheiro para pagar uma coima*.
Verdade ou mentira, a piada é extensiva ao Ikolu nyi Mbengu que, para suprir esse handicap, acabou por receber a novel cidade do ZANGO V, até ao dia 15.04.2021 pertencente a Viana.
E, segundo bocas, a razão só pode ser uma: *dar pão ao Ikolu nyi Mbengu* que, à semelhança da vizinha Kisama (no Kwanza-a-sul), nem a administração, nem os fiscais (alguns famintos de pão sem esforço) não têm onde "colectar".
*No Zango do Ikolu nyi Mbengu os comensais já estão em festa. A apresentação aos munícipes foi com notificações e multas, seguidas de IBAN pessoais*

Phande-a-Umba

segunda-feira, maio 03, 2021

O MEU PRIMEIRO COMISSÁRIO

Quando conheci o primeiro comissário municipal (presencial e nominalmente) já estava a caminho dos 13 anos. Foi em 1987, em Kalulu. Outros apenas ouvia falar. Nunca os tinha visto. Até mesmo aquele que (se conta), que, na Munenga, ao fugir da Unita "viu a gola do seu casaco presa em espinhos e, pensando que fora alcançado, implorou prostrado que o soltassem, dizendo que já havia cessado o comissariado e aguardava apenas pelo substituto para entregar as pastas", nunca cruzámos caralmente.

Com o Comissário Tony era diferente. Via-o passar no seu Niva branco. Era capitão e dizia -se que enfrentava os kwaca, no Lwati e Kisongo, (cuatcha) com valentia nunca vista. Nos carnavais de Kalulu estava sempre na tribuna e mesmo no dia-a-dia da escola era visto e chamado "comissário Tony para cá e comissário Tony para lá". Às vezes era visto a caminhar do comissariado ao Palácio do Comissário.
Certo dia, as FAPLA, as Gloriosas que "Quando vão ao combate parece um foguete que vai aos céus", foram acudir a uma situação na região do Musende (entre a comuna sede e a comuna de Munenga). Houve uma refrega e o Comissário voltou sem a sua Niva. Os nossos LCB (Luta Contra Bandidos) voltaram cabisbaixos, mas prontos para outro combate de desforra. Por cima de um UMM, cantavam "eu vou, eu vou morrer em Angola, com arma, com arma de guerra na mão ... , multiplicando a coragem para novas batalhas).
Quase toda a miudagem do meu tempo, nós (pioneiros de Agostinho Neto na construção do socialismo, tudo pelo povo!)chorámos abertamente ou no silêncio, cheios de raiva contra os "lacaios" por termos deixado de ver a viatura Niva branca do Comissário Tony.
Dizem que foi transferido para outro município (Seles, se não me engano) como "prémio" à sua valentia.
Transferido do Libolo, terá ainda passando uns dias no Waku Kungu. Porém, perdeu a vida, pouco tempo depois, num ataque traiçoeiro dos homens da farda verde-oliva. O choro, em Kalulu, quando a má-nova chegou, foi intenso e generalizado pelo Libolo todo.

Beto Spina, meu compadre e natural do Waku, diz que o Comissário Tony foi genro do Sr. António Menezes, um fazendeiro de renome no Wacu-Kungu, sendo pai da Edith e Vadinho que foram seus colegas na 2°, 3° e 4°classe na escola primária 82 ou 1° de Junho no município da Cela, Wacu-Kungu.
No Libolo, o Comissário Tony foi substituído por Keka Ngó (Vê só), outro que na canção de Carnaval se dizia que "sabia lutar".