Quando o amigo que trabalha e trafica informações no Gabinete do chefe lhe fwefenhou "vi teu nome, vão te nomear", Ngolombole, contente, como nunca se lhe viu antes, foi à vizinha fazer kilapi de cerveja, cinco caixas; gasosas, três caixas - crianças e mulheres bebem pouco; vinho, um barril de cinquenta; porco, leitão de trinta e cinco quilos; frango e costeletas, duas caixas cada.
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segunda-feira, junho 29, 2020
ESCAPOU SER NOMEADO
segunda-feira, junho 22, 2020
O PAI, O PADRINHO E O DIREITO DE INFORMAR
segunda-feira, junho 15, 2020
A MORTE ENTRE OS AMBUNDU DO LUBOLU E ARREDORES
segunda-feira, junho 08, 2020
DACTIZAÇÃO COM RECURSO À ORALIDADE
Percorrer o interior de Angola equivale a descobrir mistérios que no contexto europeu podem parecer triviais. É encontrar, por exemplo, cidadãos cuja data de nascimento se desconheça, sendo aquela achada em seus documentos oficiais um cálculo aproximado achado/convencionado pelo agente do serviço de identificação civil ou dos parentes mais crescidos. Não se espante, pois, se se deparar com a resposta “não sei” ao perguntar a um aldeão “quantos anos tem”?
O meu primo[1] (irmão de todos os momentos) Sabalu-a-Soba e eu sempre tivemos dúvida em relação ao ano de nascimento do outro. Ele, sete anos mais velho do que eu, pensava que fui trazido à luz em 1973.
- Dizes coisas que aconteceram há muito tempo quando, feitas as contas, ainda não devias ter atitude racional. - Costuma afirmar, quando em meio a conversas regadas falámos sobre o passado e as memórias.
- Não podes ter nascido em setenta e quatro, lembrando-se de coisas de setenta
e cinco e setenta e seis. - Argumenta. Por outro lado, a minha mãe sempre dizia
que a progenitora dele (Sabalu-a-Soba) estabelecia um largo intervalo entre um
filho e outro. Sabendo eu que a irmã mais nova dele é de 1968, pois foi minha
colega de escola e turma, sempre inculquei na minha mente que o mano
Sabalu-a-Soba só podia ser de 1966.
- Ó mano, vê ainda a diferença de idade entre o mano Kakonda e o mano Ngunza; veja também a diferença entre o mano Ngunza e você e repara agora o intervalo entre o mano Sabalu e a mana Kakulu. Um ano só? Temos de rever essas datas. – Atirei várias vezes, ao que ele não dava costas ao debate sempre regado de boa uva.
Dúvidas por lá, que nunca chegamos a debater até à exaustão, e grande amizade e
companheirismo que nos acompanham desde que ele me viu nascer. Já fui seu
aluno, em 1984, na Escola Grande da Terra Nova, em Luanda (sala 18).
Aproveitando a folga que permite o Estado de Emergência, decretado em Angola
desde o dia 26 de Março de 2020, devido à pandemia da Covid-19, fui revisitando
a memória e rebuscando outros nomes por que éramos chamados e que coincidem com
os dias de semana em que cada um de nós nasceu.
Ele, Sabalu-a-Soba, nasceu num sábado. Por isso é Sabalu. O sufixo "a-Soba" significa filho do Soba[2]. Fui aos calendários dos anos de 1966, 1967 procurar qual dos anos tinha o 7 de Janeiro a coincidir com o Sábado. É o de 1967. Dúvida resolvida.
- O mano/professor teve sempre razão. - Falei para mim mesmo. Busquei, depois,
por aquilo que seria o meu verdadeiro ano de nascimento. Apesar de gerados por
mães iletradas, os nossos pais eram letrados e avisados. Jamais se esqueceriam
do dia e mês de nascimento, mas questões académicas e militares (retardamento
da chamada para o serviço militar obrigatório) podia tê-los impelido a recuar
ou avançar o ano registado como o de nascimento.
Ora, lembrei-me então que tenho uma prima, a Fátima Domingos, que é minha mais velha de apenas uma semana. Sempre brigávamos e brincámos até hoje sobre "quem é mais velho de quem". Ela nasceu num Domingo, na semana anterior ao meu nascimento. Fui procurar os domingos de 1973 e não coincidiam com 18 nem 19 de Maio (pois sou de 25 de Maio). Busquei pelo ano de 1974 (que sempre defendi) e verifiquei que 25 de Maio era exactamente sábado, sendo que no domingo anterior, dia 19, nasceu a Fátima (minha mais velha de apenas uma semana). Pronto está explicado.
Haverá muita gente ainda com data de nascimento calculada (sem que se tenha certeza do dia exacto). Felizmente, nem o mano Sabalu-a-Soba nem eu, Phande-a-Umba[3], estamos nessa situação. Quem tenha ainda dúvidas sobre o ano exacto em que nasceu pode perguntar aos progenitores ou aos mais velhos da aldeia o dia de semana em que foi trazido à luz. Com o uso do telefone ou computador consulte os calendários e desfaça eventuais enigmas. Funciona!
[1] Nas comunidades interiores de Angola, o primo é: filho da irmã do pai ou do irmão da mãe.
[2] Autoridade tradicional equivalente em regente de aldeia. O direito consuetudinário é pré-estadual.
[3] Que vem a seguir a Umba (antropónimo).
segunda-feira, junho 01, 2020
O HOMEM QUE ME SALVOU
- Sigam com calma e não ultrapassem os cem quilómetros horários. A voz soberana fazia-se ouvir apesar de meio turva dada a madrugada. Reclamava caldo regadio para às seis abrir a emissão da estação Azul, também baptizada por 955.
Já a primeira das duas viaturas se tinha afundado no horizonte visual. A cidade sonhava ainda antes de acordar. Mal se fizeram anunciar as luzes da Avenida Deolinda Rodrigues, o Kia Avla, em que seguiam os quatro, decidiu ziguezaguear, levando-os à mortífera árvore que de sangue engordava nas barbas do que é hoje o Comando Provincial da Policia de Luanda.
Era ainda no tempo das vias estreitas entremeadas por um largo e longo "chourição" arborizado que separava os veículos a caminho de Catete e aqueles que visitavam a capital. Do outro lado da via, qual Lucifer vestido de branco, com os braços abertos, aguardava-os a Snt'Ana sepulcral com seus lúgubres lençóis.
- Sono? Embriaguez? Imperícia? Outra coisa não verbalizada? - As perguntas gritantes e mudas permanecem. Quem as podia responder já cá não está. Apenas a embriaguez e outras coisas meditadas em surdina posso descartar.
De repente, tão rápido quanto o acidente, curiosos, polícias, bombeiros e jornalistas fizeram-se ao local, qual maratona sabática em dias de campanha eleitoral. Choveram apelos na rádio Kyanda para que se mobilizassem meios e homens para salvar os infelizes.
- São jornalistas. Salvem os nossos colegas. - Verberou-se suplicante nos 999 de frequência e nas bocas atónitas dos presentes e ausentes preocupados.
Juntaram-se sinergias para o desencarceramento dos ocupantes do veículo encolhido abraçado à árvore máscula. Três dos quatro corpos ensardinhados suplicavam socorro às vidas que rapidamente eram sugadas pelo abismo faminto.
Machados, serras, tudo que os bombeiros usam e o povo guarda, pouco servia para cortar o volante, o tejadilho e desfazer as portas. O motor recuado no embate contra a árvore arrastou tudo para trás.
- Por favor, estiquem o carro porque temos os pés longe dos corpos. - A voz soberana, ainda distante do seu estado físico real, foi ouvida.
O Avla teria de ser esticado, amarrado de frente, à mesma árvore que também sangrava, e puxado pelo camião dos bombeiros.
Antes de terminar o desencarceramento, já um dos sinistrados, Vemba, desfalecia no terreno. Não se ouvira dele sequer um ai.
Chegados ao Maria Pia, levados em duas viagens pela carrinha da patrulha policial, primeiro os ocupantes do lado esquerdo e depois os do lado direito, encontrariam Leonardo Inocêncio, jovem chegado das terras de Fidel, mãos afinadas no bisturi, sem ordenado ainda, mas com a mente casada com Hipócrates, mostrava aí a sua proeza altruística.
- Doutor será que ainda viverei? - Perguntou-o o Soba preocupado, depois de confirmar o finamento do colega e amigo Vemba.
- Vives, meu amigo. Vives, podes crer. - Respondeu convicto no fim do seu trabalho.
Dez anos depois, sem que as imagens faciais pudessem ser revisitadas, ei-los, 23 dias, a frequentar um mesmo curso destinado a administradores da Função Pública. Em "conversa puxa conversa", médico e paciente revivem o dia do acidente e de imediato se identificam.
- És tu que estavas naquele acidente de jornalistas?
- Sim. Sou eu doutor. Éramos quatro. Morreram duas pessoas e sobreviveram duas. - Explicou o sobrevivo.
- Por favor, vamos sair e mostra a cicatriz. - Orientou o cirurgião com a mesma autoridade que usa no Hospital perante os pacientes.
- O esquerdo, Dr. Inocêncio. - Confirmou o Soba, mostrando também a cicatriz na perna que tinha o tornozelo quebrado.
- Pois é. És tu mesmo. - confirmou o médico.
- É meu paciente. É verdade. - Disse Leonardo à vintena de colegas que aguardavam pela perícia. - "A ferida é minha". Conheço as minhas impressões. - Ironizou.
Abraçaram-se perante o olhar pasmado da turma. Choveram agradecimentos e recomendações ao médico anestesista que com Leonardo trabalhou na madrugada daquele primeiro de junho.
- Obrigado Dr. Leonardo Europeu Inocêncio, por ter, com sua perícia, impedido que o abismo me sugasse ao seu leito negro.
PS: completam-se hoje 15 anos