Mangodinho que estava na capital, quando aqueles voos internacionais chegaram e quando chegou a notícia do Coronavírus em Angola, apressou-se em regressar à aldeia natal, no Lubolu.
- Estou a pressentir que vamos voltar ao tempo da kitota em que cada um ficava na sua lavra (apenas com a família de casa), aldeia, vila ou cidade, sem poder sair para terras distantes, a menos que fosse autorizado e com guia de marcha. - Explicou quando
a mulher perguntou por que havia regressado tão cedo e sem as compras do costume.
- Epá, se prepara. A coisa pode ficar quente. Esses meus cabelos brancos que não me deixam mentir estão a me transmitir coisas futuras que podem acontecer em breve.
A mulher ainda tentou associar as premonições à força da kapuka que tinha bebido de véspera. No dia seguinte, quando ele já falava à população da sua aldeia sobre a nova doença que os doutores das cidades estão a chamar "Kohonaviru" (kohona=tosse) chegou,
através da rádio, a orientação do Mwen'axi (PR) sobre a proibição de as pessoas fazerem o entra e sai no país e depois nas províncias. - Estão a ouvir bem nê? Chegou uma doença muito perigosa tipo tosse convulsa mas não é. Pessoa fica a kohonar sem ar e com fortes dores de cabeça. Mais pior ainda é que outras pessoas podem ficar doentes sem sentir nada mas passam a doença perigosa aos
outros. Se pega velho, pessoa já doente com tuberculose, falta de sangue ou que tem problemas nos rins é óbito. Estão a ouvir bem, nê? O Estado disse que lavar as mãos é de hora em hora.
- Mas, Mangodinho, lavar de hora em hora, como assim? - Perguntou Sembe, o puto atrevido de sempre. Único que nesses dias torra farinha nas discussões de sabedoria com o Mangodinho.
-Ouçam bem, meu povo. E você Sembe põe na cabeça e explica bem os teus amigos. Com essa doença, os cuidados são assim: mijou, lavou (as mãos). Evacuou, lavou. Se encostou toma banho imediatamente. Aliás, é proibido se encostar. Temos de nos distanciar
um metro. Não há se dar kisende ou se abraçar. Não há se ajuntar nos óbitos. Não há mais se emprestar banheira ou toalha. Os miúdos tem de ter cada o seu cobertor. Se tapar toda família na mesma manta já está proibido.
- Mas, Mangodinho, se os filhos são da mesma casa também não podem se cobrir juntos? Não podem dormir juntos? Não podem comer no mesmo prato? E os nossos hábitos? Os nossos costumes? - Interrompeu a Amélia, uma miúda que estudou no Ngunza e que voltou
com o marido professor.
- Ouve bem, meu povo. Amélia, ouve também. Vocês que têm estudo na cabeça e que são jovens vão explicar melhor. Os nossos hábitos e costumes vamos guardar um bocado. Eles não vão fugir. Para combater o kohonaviru temos que cumprir. Se muitas pessoas dormem juntas,
basta uma apanhar para todos ficarem contaminados. Se as pessoas comerem no mesmo prato estão a se transmitir calor, saliva, ar e muito mais. Se um apanha, outros apanham. Se os filhos e as filhas se taparem o mesmo lençol ou dormirem debaixo do mesmo cobertor
já viu nê? Basta um ficar contaminado, todos ficam contaminados. Bem, já falei tudo que ouvi. Daqui a pouco a Rádio vai dar noticiário. Todos devem ouvir as notícias e cumprir as recomendações. Amanhã, voltaremos a estar juntos no terreiro para sabermos o
que cada um vai fazer para se preservar. Amanhã, cada fica afastado do outro um metro. Se vem a mulher, o marido fica em casa e a pessoa que vier à reunião tem de ir tomar banho, antes de se juntar à família. Se todos cumprirmos, o Kohona vai voltar aonde
saiu e vai nos deixar vivos e completos. Sembe e Amélia, pegam o carro e vão à administração buscar os panfletos para colar na escola e no posto médico. Até ao próximo Domingo!