Talvez, precavendo-se de possíveis deslizes na festa de casamento, o puto Sembe, que também fora convidado ao casamento, preferiu um consumo comedido. Aos olhos daqueles que o conhecem e já o viram a assumir atitudes suínas, "o puto Sembe não bebeu". Ficou fino e quieto.
Sentou-se à mesa dos VIP. Quando, naquelas saídas de pouca dura, ocuparam a sua cadeira, não se rebelou e esperou que o ocupante se levantasse para ele voltar a pôr os glúteos no assento e dançou pouco: duas músicas apenas.
- Xê, Sembe está já tipo grande Kilamba. Fato bem passado, camisa azul axadrezada a condizer e bebida só vinho caro e a servir tipo tem preguiça. Vamos lhe ver amanhã, na continuada, ou mesmo quando regressar à aldeia de Pedra Escrita. - Disse, meio enciumado, Mangodinho à sua Isabel.
Em sentido contrário, sem apelo e nem agravo, Mangodinho encharcava-se com tudo que tivesse álcool e que lhe passasse pela frente.
Mas foi no dia seguinte que se fez a prova dos nove. Sembe, que saiu da festa à meia-noite, dizem que “era para não se estragar”, acordou às quatro e ficou a matutar no que fazer. Tinha viagem de regresso para aquele mesmo dia.
- Voltar assim, sem desfrutar, um gajo que veio para comer e beber? Esse casamento, tirando o kota Mangodinho que já fez piruetas dele, fica sem estórias para contar! - Verbalizou em solilóquio.
Ajeitou a roupa informal. Fato e ténis, todos azuis, mawanas e boné. Caminhou quilômetro e meio para suar e abater o estômago.
Doze e trinta, Sembe fez-se à casa dos pais da nubente.
- Com licença! Já está na hora da continuada?
- Sim pode entrar e puxa a cadeira.- Respondeu-lhe a dona de casa que aparentava cansaço do dia anterior
- Hoje é dia. O copo e o prato vão ter de me respeitar.- Disse Sembe, recitando um aforisma Kimbundu. “Wali imbungu ki mutuka” (quem comeu até se fartar não pode escapar de um lobo).
Verdade ou mentira, Sembe cumpriu. Recebido com sobrados do repasto anterior, fez do estômago um saco. Aliás, ates serviu uma aguardente.
- É para abrir o apetite, manos. Não me olhem só assim. - Argumentou.
Seguiu-se a pratada regada com vinho que degustou até ao fim. Quando os “mwene-a-bata” (dono de casa) chegara e se sentou à mesa da sala interior, o puto Sembe foi chamado também.
- Come um pouco de funji. Ontem estavas muito ausente e quase ninguém te viu. – Disse o comissário Sabalo, pai da noiva e tio de Sembe e Mangodinho.
Entre um dedo de conversa, uma garfada e um gole, tragou o que lhe fora presente. Uns copos de vinho e outros de aguardente que não o deixaram ébrio de momento.
Já no avião, máquina de ferro no ar, Sembe não se emporcou, mas no assento se transformou em pedra e roncador. Dormitou até o pássaro poisar o chão da Ngimbi, não se dando conta que a sua carteira de documentos caíra para debaixo do banco.
Ao transpor a migração, mão no bolso, carteira com bilhete nada. Revista na pasta de mão, nada. Revista na pasta de roupa, nada.
- Ai wê, môs doccs! – Gritou.
Um polícia de fronteira se abeirou e sentiu o alambique.
- O moço tem o canhoto da passagem?
- Sim chefe, tenho. Faxavor, me ajuda só ir nas aeromoças procurar debaixo do banco.
- O moço tem certeza que veio com os documentos em mão?
- Sim, sô polícia. Exibi o bilhete ao entrar no avião.
Diligente, o agente, três riscos em vê no ombro, subiu no pássaro e deu-lhe o achado, fazendo o sinal do “pode passar!”
Publicado pelo Jornal de Angola do dia 26.01.2020