Em vida, o nome dele era Geraldo Domingos. Os estudantes do ITEL, aqueles aflitos com a cadeira de Geometria Descritiva de que ele era "barra", tratavam-no por o GD. No bairro, porém, umas tias, por dificuldades de articulação oral, tratavam-no por "Gerardo". Para mim eram mesmo "Geralgo". Explico porquê.
Antes esmiúço a relação de parentesco entre o Geralgo e eu. O meu tio Ferreira Nganga, em cuja casa eu vivia, era esposo da tia dele Henriqueta Domingos. Por isso, tratávamo-nos por primos e ponto final (as afinidades ficavam omissas).
Conhecemo-nos em 1984. Eu vivia no bairro Kaputu e ele na Comissão do Rangel. O Gêdê era irrequieto e sempre a magicar alguma coisa "anormal" para os miúdos de nossa idade e possibilidades. Quando preparássemos jogadores para "boquique" (peças feitas com cápsulas de cerveja ou mecanismos pressorizadores de insecticida, servindo cada uma de jogador), era ele quem numerava e pintava as unidades a que chamávamos por camisolas. Eu era/sou do Petro e talvez ele tenha sido também adepto dessa equipa ou de uma outra que não rivalizava directamente com a minha.
Com o andar do tempo, as nossas brincadeiras passaram a ser outras: carros de latas de que ele era exímio (re)produtor. O Geraldo era capaz de produzir uma réplica (miniatura) de Volkswagen ou Renault 4 com todas as suas curvaturas e apetrechos exteriores. Quem não tivesse carro "duzido" pelo Geralgo podia ter "um brinquedo qualquer", mas carros (de lata) mesmo, só os feitos por ele. E não cobrava caro nem demorava muito tempo para executar a empreitada, apesar da sua grande aplicação na escola e na ajuda que dávamos aos pais nos trabalhos de casa como ir às compras em tudo que fosse loja, deposito de pão e até à Praça das Corridas que ficava à distância de um assobio. Como compensação, o Geraldo pedia apenas o dobro do material para que ele também ficasse com um carro-de-lata que vendia ou trocava por algo que maior falta lhe fizesse.
Quando chegou a moda de as equipas de futebol, fossem do bairro ou ligadas a uma empresa qualquer, usarem camisolas numeradas, o Geraldo foi dos primeiros, senão o único na Comissão do Rangel, a "montar" uma "Fábrica de numeração de camisolas".
- Fábrica, Geralgo, não é um nome muito pesado? - Indaguei certa vez.
-Sim, fábrica mesmo. Assim, as equipas de caçulinhas da Cuca, da Combal, da Refrinor, da Bolama, da Panga-Panga, etc. vêm aqui numerar o seu equipamento. O importante é numerar...
O Geraldo, que era bom em desenho, elaborava as placas numéricas em cartolina que sobrepunha, uma a uma, às peças a numerar. Depois, passava a tinta desejada (branca ou preta) e expunha os têxteis ao sol para secar. Parece simples, mas pensado e feito aos dez/doze anos parecia obra de gênio.
E nos inventos, o Gêdê não se ficou por aqui. Já jovem, talvez a terminar o ITEL (instituto Médio de telecomunicações de que foi aluno da primeira safra), apercebendo-se que a cerveja a copo tinha ganho grande saída, em substituição da decadente kis(s)ara (kimbombo), transformou o seu quintal em bar. Tornou-se a casa mais frequentada da rua 23.
Quem me dera ter até hoje o Geralgo! Perdemo-lo cedo (entre finais dos anos 90 ou princípio do Sec. XX). Estava a entrar para a plenitude da mocidade e, se calhar, com muitas invenções por apresentar.
Não me restam dúvidas que tão inteligente e inventivo quanto ele era, com o curso de telecomunicações que estava a terminar, teríamos hoje uma ou muitas invenções tecnológicas com a patente de Geraldo António Domingos!
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