Em Viena, onde o frio e o silêncio se casam e cantam mais alto, Mangodinho é campeão dos solilóquios, a provocar inveja aos maus alunos de Sócrates, o filosofo helênico que amava a pergunta e auto-resposta como forma de "cavar" o conhecimento da cosmovisão.
- Então, Mangodinho, desde as onze e trinta que desceste do quarto, sempre nessa cadeira da recepção do hotel, não te vais embora?
- Desci apenas para evitar que me debitem mais uma diária no já parco orçamento que tenho disponível. A diária termina ao meio-dia, mas como esses gajos estão sempre com o olho no relógio e no dinheiro, preferi descer mais cedo.
- E por que não pões à guarda deles as tuas imbambas e vais sacudir um pouco as pernas, andando por aí?
- Xê, te mandaram ou quê? Aqui, a polícia é rigorosa nas multas. Andas só um pouco a toa, já te vêm em cima.
- Como assim, Mangodinho? Polícia põe ordem ou fica a atrapalhar a vida dos cidadãos?
- Ordem deles é, para nós, uma ditadura. Então veja só: doutra vez, quase me multaram por ter atravessado a passadeira, em sinal vermelho, mesmo sem vir carro em nenhum dos lados.
- O pólice estava por perto ou quê, Mangodinho? O que aconteceu para te identificarem?
- Aqui é já regra deles, se alguém notar alguma anormalidade qualquer, pensando na cultura e nos hábitos que eles meteram em suas cabeças, dizia, esse alguém pode ligar à polícia e essa, no palavra-passa-palavra, via rádio, chegar ao denunciado.
- Mas como é que te atuaram então? Foste acusado de quê, Mangodinho?
- Veja. É tempo de frio. O queixoso terá pensado: esse preto para atravessar assim, deve estar coado. Ligou à polícia. O carro mais próximo foi ao encontro e fez o resto. Só ouvi já: "DEUTCH OR ENGLISH"?
- Português. - "Se" complicamos ainda um bocado. Depois começamos mesmo a soletrar na língua intermediária, o inglês, até darem conta que não estava coado, mas me encurralaram na travessia.
- Passport, please.
- Entreguei.
- Visa, please?
- Mostrei-o ao magala que tinha dado quatro voltas ao documento sem encontrar o visto.
- Where is your hotel?
- Near. Aqui próximo. Mostrei.
- What are you doing here?
- Looking for my dad who is dead a long time in Angola.
Essa parte já é que meteu os três gajos enfurecidos, ao ponto de me exibirem a caderneta das multas: thirty euros!
- Porra! Tudo isso?!
- Então, Mangodinho, desde as onze e trinta que desceste do quarto, sempre nessa cadeira da recepção do hotel, não te vais embora?
- Desci apenas para evitar que me debitem mais uma diária no já parco orçamento que tenho disponível. A diária termina ao meio-dia, mas como esses gajos estão sempre com o olho no relógio e no dinheiro, preferi descer mais cedo.
- E por que não pões à guarda deles as tuas imbambas e vais sacudir um pouco as pernas, andando por aí?
- Xê, te mandaram ou quê? Aqui, a polícia é rigorosa nas multas. Andas só um pouco a toa, já te vêm em cima.
- Como assim, Mangodinho? Polícia põe ordem ou fica a atrapalhar a vida dos cidadãos?
- Ordem deles é, para nós, uma ditadura. Então veja só: doutra vez, quase me multaram por ter atravessado a passadeira, em sinal vermelho, mesmo sem vir carro em nenhum dos lados.
- O pólice estava por perto ou quê, Mangodinho? O que aconteceu para te identificarem?
- Aqui é já regra deles, se alguém notar alguma anormalidade qualquer, pensando na cultura e nos hábitos que eles meteram em suas cabeças, dizia, esse alguém pode ligar à polícia e essa, no palavra-passa-palavra, via rádio, chegar ao denunciado.
- Mas como é que te atuaram então? Foste acusado de quê, Mangodinho?
- Veja. É tempo de frio. O queixoso terá pensado: esse preto para atravessar assim, deve estar coado. Ligou à polícia. O carro mais próximo foi ao encontro e fez o resto. Só ouvi já: "DEUTCH OR ENGLISH"?
- Português. - "Se" complicamos ainda um bocado. Depois começamos mesmo a soletrar na língua intermediária, o inglês, até darem conta que não estava coado, mas me encurralaram na travessia.
- Passport, please.
- Entreguei.
- Visa, please?
- Mostrei-o ao magala que tinha dado quatro voltas ao documento sem encontrar o visto.
- Where is your hotel?
- Near. Aqui próximo. Mostrei.
- What are you doing here?
- Looking for my dad who is dead a long time in Angola.
Essa parte já é que meteu os três gajos enfurecidos, ao ponto de me exibirem a caderneta das multas: thirty euros!
- Porra! Tudo isso?!
- Yá. Mais ou menos assim. Quando chegar à Ngimbi vou passar a dica aos nossos polícias para incluírem nos seus conselhos úteis ao cidadão a cultura da denúncia dos vândalos e outros actores da incivilidade.
Texto publicado no Jornal de Angola de 14.04.19
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