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segunda-feira, julho 29, 2019

UMA TARDE À BOLA

O futebol é-me uma praia alheia. Tirei, porém, uma tarde para ver jogar os meninos do Barreirense contra seus coetâneos da academia do Sporting (11anos, escalão de formação). Zélio Mambo Sebastião, cujos pais visitei estaria em campo.
- Vou ver o sobrinho a jogar e preparar o coração para as suas participações no CAN e Mundial (caso os tugas não o "comprometam", pois nasceu no Barreiro). - Disse para mim mesmo, alinhando, depois, para a academia leonina.
E foi muito bom ver a forma tão íntima como os rapazes cuidam da bola. No final, Sporting 2-Barreirense 12.
Outro dado que me escapava é o facto de todas as equipas dos melhores clubes serem "autênticas selecções dos melhores de cada tempo e idade".
- Todos os anos é assim. As pequenas equipas são desfalcadas a favor das grandes. Vivemos a formar e a perder jogadores em todos os escalões. - Disse-me o pai de Caio, orgulhoso de seu filho, por ter marcado mais do que metade dos golos do Barreirense.
E os treinadores da "selecção do Sporting" não só tomavam notas sobre o desempenho dos seus meninos como também redobravam a atenção aos meninos da equipa convidada.
Apesar de benfiquista, foi bom estar em Alcochete, a 10.03.19.

segunda-feira, julho 22, 2019

CONTANDO A HISTÓRIA DA MANGUEIRA (IV)

Em 1987, Junho, regressei ao Libolo (tendo como destino inicial a aldeia de Perda Escrita, recém criada), procedente de Luanda.
Na mesma semana plantei um abacateiro no alambique (lavra do Limbe) e o "pai Raimundo" (Manuel Carlos da Silva) plantou a mangueira no terreiro de sua casa. Ainda ajudei a regá-la até que parti para Kalulu, onde permaneci até 1990, deslocando-me parcas vezes à Pedra Escrita em ocasiões de férias escolares. A mangue...ira, única árvore de longa vida que se vê na aldeia, ainda está aí, a reclamar companhia de outras frutícolas.
É debaixo dela que os meus familiares se reúnem. Afinal a velha Nzumba (Alcinda Cazenza, na foto) é a matriarca da família.
Na aldeia, para abordar assuntos comunitários, como sempre, beneficiei, mais uma vez, da sombra dessa árvore e perguntei-me (a mim mesmo): por que não se plantam mais árvores, tendo as crianças como padrinhos?
Se assim se fizer, a aldeia ganhará vida. Pois água não falta (apesar dos cabritos que ameaçam as plantas de pouca altura).

segunda-feira, julho 15, 2019

PORTUGUESES, ANGOLANOS, EUROPEUS E NEGROS

Homenagem aos calceteiros de Lisboa
Durante as minhas caminhadas matinais, e sempre a falar com os botões, fui desmontando e montando cenários.
Nem todos os negros são angolanos, havendo mais negros não angolanos do que deste pais.... Tal se explica por confluírem emigrantes de várias nacionalidades afro-lusófonas e não lusófonas, como acontece em todos os demais países europeus e do mundo.
Nem todos os negros são africanos, pois alguns, e já não são poucos, nasceram em Portugal e ou noutros países da Europa, Ásia e América.
Nem todos os brancos e ou mestiços são portugueses ou europeus, pois alguns deles, e são em número considerável, nasceram em países africanos, asiáticos ou americanos.
Há grande tendência para que nos próximos vinte anos a população negra e mestiça supere a branca, tendo em conta a elevada taxa de crescimento populacional entre esses dois grupos, em desfavor da cada vez mais envelhecida população branca.
Com isso, a "relação de força" e até política acabará por mudar, tendo em conta que o negro deixará de ser sinónimo de africano e decidirá, em maioria, sobre questões políticas (de nações) europeias.
A população branca pode passar à minoria e deixar de se alcandorar como o (único) "dono (do país) da Europa".
Pelas ruas e transportes públicos de Lisboa discute-se, de forma aberta ou em surdina, se qual é a cidadania que mais predomina naquele país, se PORTUGUESES, outros europeus, angolanos ou africanos (aqui a olhar para a pele mais enegrecida).

segunda-feira, julho 08, 2019

O SILÊNCIO E A PAZ DOS OUTROS

 Oitavo andar de um edifício hoteleiro, no pais que fica a sul da terra de Bismark. Pela enorme janela que acompanha a parede do quarto, dá para reparar o que se apresenta à frente, num ângulo de aproximadamente 90 graus, e dá também para ouvir o barulho inexistente, quando o relógio caminha apressado para as nove da manhã. É domingo.
Na banda, minha banda amada, pois não tenho outra, estaria o vizinho a afinar os altifalantes da sua igreja, com os seus "aleluia igreja, amém!".
Aqui, vi muitas kirtchen, sobretudo as Nova Apostólicas. Eles também oram muito e são fervorosos. Mas sabem que Deus, o altíssimo, ouve tudo "até os pensamentos dos nossos corações ", por isso, não gritam, não incomodam, nem montam "igrejas de dinheiro" em qualquer esquina. Cada coisa deve estar no lugar certo e sempre sob o olhar da autoridade competente.
Aqui, seria dificílimo aquele vizinho, que atravessou a fronteira norte de Angola, chegar, ocupar terreno e instalar, no meio do bairro civilizado, uma igreja construída apenas com simples folhas de chapas metálicas. De onde lhe sairia a coragem?
Os de cá, tal como amam o desporto, a exercitação física e o bem-estar entre os cidadãos, promovem o silêncio e respeitam o descanso alheio. Nada de kavwanzas como em Viana, Mabor ou Katambor. Viena é outra coisa! Preferem passear, andando ou pedalando. Os carros, poluidores por excelência, só mesmo quando necessário e vão dando lugar a outros movidos à energia eléctrica.
Entre nós, mwangolês, infelizmente, até se promovem concursos "do carro do mais barulhento do bairro, do cão que mais ladra, do galo que mais canta, do gato que mais mia, do filho que mais grita quando arreliado pelo pai e do batuque da igreja que mais incomoda o vizinho que queira dormir". E chamamos a isso e muito mais de "normal".
- Que se retirem os incomodados, nê?! Não é assim que nos respondem quando reclamamos?
Mas quem instituiu a convivência sadia, pensou e sabe porquê. Eles, os povos há muito civilizados, também tiveram uma vida parecida à selvageria. Tiveram de, durante muito tempo, reflectir e encontrar antídotos. Criaram campanhas de educação cívica a que se seguiram campanhas ou operações de repreensão e até repressão aos incumpridores do que ficou legislado e violadores do que ficou convencionado como "moral pública ".
E nós?
O tipo, come banana e joga as cascas na rodovia.
O carro de recolha de lixo, sem rede protectora por cima do amontoado sobre a carroça, espalha o quanto pôde pelo trajecto. A festa de aniversário do bebê conta com mais álcool do que sumos e é motivo para encerrar a rua que se torna local de festa. Ai do vizinho que pretenda sair com a viatura e "importunar" os convivas autoproclamados donos da rua.
- Tem inveja! Atestam.
Para mim, o nosso "Resgate" não devia ter tréguas para não engordar os vícios nem permitir que os inventores de más práticas produzam outros males sociais maiores do que já assistimos com o "quem de direito" ainda impávido.
Só opinei.

segunda-feira, julho 01, 2019

MALAMBANDO DISTANTE

 Em Viena, onde o frio e o silêncio se casam e cantam mais alto, Mangodinho é campeão dos solilóquios, a provocar inveja aos maus alunos de Sócrates, o filosofo helênico que amava a pergunta e auto-resposta como forma de "cavar" o conhecimento da cosmovisão.
- Então, Mangodinho, desde as onze e trinta que desceste do quarto, sempre nessa cadeira da recepção do hotel, não te vais embora?
- Desci apenas para evitar que me debitem mais uma diária no já parco orçamento que tenho disponível. A diária termina ao meio-dia, mas como esses gajos estão sempre com o olho no relógio e no dinheiro, preferi descer mais cedo.
- E por que não pões à guarda deles as tuas imbambas e vais sacudir um pouco as pernas, andando por aí?
- Xê, te mandaram ou quê? Aqui, a polícia é rigorosa nas multas. Andas só um pouco a toa, já te vêm em cima.
- Como assim, Mangodinho? Polícia põe ordem ou fica a atrapalhar a vida dos cidadãos?
- Ordem deles é, para nós, uma ditadura. Então veja só: doutra vez, quase me multaram por ter atravessado a passadeira, em sinal vermelho, mesmo sem vir carro em nenhum dos lados.
- O pólice estava por perto ou quê, Mangodinho? O que aconteceu para te identificarem?
- Aqui é já regra deles, se alguém notar alguma anormalidade qualquer, pensando na cultura e nos hábitos que eles meteram em suas cabeças, dizia, esse alguém pode ligar à polícia e essa, no palavra-passa-palavra, via rádio, chegar ao denunciado.
- Mas como é que te atuaram então? Foste acusado de quê, Mangodinho?
- Veja. É tempo de frio. O queixoso terá pensado: esse preto para atravessar assim, deve estar coado. Ligou à polícia. O carro mais próximo foi ao encontro e fez o resto. Só ouvi já: "DEUTCH OR ENGLISH"?
- Português. -  "Se" complicamos ainda um bocado. Depois começamos mesmo a soletrar na língua intermediária, o inglês, até darem conta que não estava coado, mas me encurralaram na travessia.
- Passport, please.
- Entreguei.
- Visa, please?
- Mostrei-o ao magala que tinha dado quatro voltas ao documento sem encontrar o visto.
- Where is your hotel?
- Near. Aqui próximo. Mostrei.
- What are you doing here?
- Looking for my dad who is dead a long time in Angola.
Essa parte já é que meteu os três gajos enfurecidos, ao ponto de me exibirem a caderneta das multas: thirty euros!
- Porra! Tudo isso?!

- Yá. Mais ou menos assim. Quando chegar à Ngimbi vou passar a dica aos nossos polícias para incluírem nos seus conselhos úteis ao cidadão a cultura da denúncia dos vândalos e outros actores da incivilidade. 

Texto publicado no Jornal de Angola de 14.04.19