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domingo, julho 22, 2018

A CANOA QUE SE QUER BAGRE

Reza a tradição oral entre os ambundu do Kwanza-sul, sobretudo os do "desfiladeiro Kibala" que, no tempo das caravanas do centro ao norte, os mbalundu costumavam ir ao Libolo permutar óleo por feijão e outros produtos, como também iam a Kambambi (Dondo) permutar cera. Era na Kibala, ponto de passagem e de paragem para descanso, onde trocavam mimos com os locais a quem "improperiavam" por ló ngoia (avarentos, glutões, bárbaros), dado que os Kibala não se prestavam a alimenta-los. A expressão ngoya, para quem fala Umbundu tem esse sentido pejorativo e os Kibala com juízo não perdoam esse dislate.
Porém, nos anos 80 do século passado surgiu na rádio VORGAN um programa designado "em língua ngoya" cujo orador glosava a variante Kibala do Kimbundu. Mais tarde, 1993 foi a vez da rádio Kwanza-Sul que ignorou o instituto nacional de línguas e criou o tal "programa em ngoya". A rádio Ngola Yeto seguiu o mesmo caminho, uma década depois. Daí em diante, só ngoya em todo o lado, mesmo ao arrepio da ciência e da oralidade. Sendo que quem tenha menos de quarenta anos, pode cogitar a existência no mapa etno-linguístico de Angola de um povo ngoya. É aqui que surge a "canoa que quer ser bagre".
Vinte e cinco anos. É exactamente esse o tempo em que se tenta "transformar a canoa naufragada em bagre". Ou seja, que se propaga que os povos do Kwanza-sul, com excepção dos do Seles, Kassongue e Sumbe (Ovimbundu, segundo um mapa) falam uma língua distinta do Kimbundu a que atribuem o pejorativo designativo de ngoya.
Se a existência de um programa cuja mensagem é passada no idioma que se fala na parte esverdeada do mapa foi um bom exercício, o mesmo não digo em relação à designação inventada para a língua de matriz ambundu (Kimbundu). 
Peço argumentos técnicos e científicos dos reclamantes da suposta "língua ngoya" e não os vejo/leio/oiço, com abundância e profundidade, para além de desculpas de que "...pretendem destruir um trabalho que leva duas décadas e meia..."
O programa estará aí para a "eternidade". Só a suposta "língua ngoya" é que (ainda) não existe, pois não tem nem agrement da maioria dos falantes, nem dos órgãos que tutelam as questões que têm a ver com as línguas em Angola.
É inegável o poder de persuasão da rádio, sobretudo num meio onde ela não tem a concorrência da TV e de jornais e numa sociedade que crê na rádio como se de uma fé se tratasse, sendo os radialistas "semi-deuses da verdade". A rádio e sua propaganda podem  minar mentes e levar muitas pessoas a negar a verdade em detrimento do que é muito apregoado. Pergunte-se, pois, os idosos que língua falavam antes de surgir a rádio (programa na rádio). Antes de se popularizar o termo ngoya, via rádio, que nome atribuíam à língua que sempre falaram. A resposta simples e corajosa, será, com certeza, distinta do "bagre sem vida" que se acha no fundo das águas do Longa, nyiha e Keve.

Não está em causa o idioma. É o novo nome que está em discussão.
Continuemos a discutir, com cordialidade, atacando os argumentos e não as pessoas. Para os bakongo, jamais a canoa vira bagre, por mais tempo que permaneça de baixo d'água.
Mahezu, ngana!

Texto publicado no jornal Nova Gazeta.

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