Noutros tempos, naqueles idos em que a empresa de captação, tratamento e distribuição mais prometia do que fazia, houve uma semana em que os arredores do Largo da Independência ficaram literalmente secos. Só poeira. Parecia a Namíbia em tempo de estiagem. Faltou água para a rega, para a limpeza dos lares e dia carros e, por pouco, faltaria para o estômago. Os repuxos juntos à estátua do Kilamba ainda funcionavam e os vijús lavadores de carros encontraram ali uma oportunidade para continuar o seu negócio acrescido de um apelo especulativo:
"Kota, água está difícil, mil não vai dar".
Foi semana e meia a acarretar com baldes, bacias e latas, até que os tanques secaram. Foram outros tempos e, por isso, outros factos. Hoje, talvez porque quem capta e distribui a água fá-lo com regularidade, a boca de chegada nunca se desliga. Jorra que jorra, fazendo os mesmos lavadores e outros frequentadores das cercanias apelidaram o "rio" que se faz todos os dias e todas as horas ao asfalto de "água da independência".
Os repuxos, na verdade, já não funcionam mais. Extinguiu-se a beleza provocada pelo efeito da água bombeada verticalmente, caindo prazerosa para o arco-íris. Já lá não facturam os fotógrafos. Já lá não se dirigem os noivos, nem os namorados frequentam os acentos imitando poesia lírica de Neto. Os buquês deixaram de entrar. Apenas os manifestantes e revús levam ao Kilamba as suas súplicas.
A água jorra sem cessar. Os tanques gritam uma secura sem par. O asfalto molhado e inundado já chama buracos apressados. E o nosso Kilamba, ali em pé, a olhar Angola, apelando à união, mas também à acção. Ouço-o silencioso a gritar, já sem voz, "coloque cada um, um pedaço de pedra nesse alicerce para que mereça o seu pedaço de pão". Quem deve reparar aqueles repuxos é que ainda não o ouviu. A água (no monumento a Neto, no Largo) da independência deve ter fim.
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta em Julho/2018
Texto publicado pelo jornal Nova Gazeta em Julho/2018
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