Visionário de aldeia é visionário e mais nada. É único e conhecido de todos. Qualquer mestre é mestre no seu ofício, sendo, por isso, respeitado e solicitado em tempo próprio. O circuncisador, no kasimbu, anda de aldeola em aldeola, tratando da transição à vida posterior dos infantes. O pedreiro é o grande mestre do tempo seco, antes da chegada da chuvada seguinte, fazendo crescer as aldeias com adobes, massa crua de barro, fio e prumo. O professor, mestre do ABCD e da desvenda contra a ignorância, percorre quilómetros até atingir a escola que, muitas vezes, fica na aldeola central que recebe alunos e alunas de várias aldeolas cincunvizinhas. O enfermeiro é um "doutor da injecção" e recebe pacientes de vários aglomerados populacionais. O catequista é um andrajoso, pregando e evangelizando velhas e novas ovelhas do seu rebanho. Ao comerciante acorrem vários utentes/compradores e vendedores disso e daquilo, procedentes de aldeias de distâncias inimagináveis a um kalwanda. O poeta é também filósofo, como na Heleiâda ou Roma antiga.
Em comunidades pequenas os iluminados contam-se aos dedos pela região.
No mato, Mangodinho é Kilamba de verdade. Um poeta de fina flor. Tudo o que fala, mesmo quando bebeu canecas, é aplaudido. Os miúdos que andam já a estudar poesia com rima e métrica na sétima classe da escola do povo dizem que Mangodinho é bom poeta. E foi nesse convencimento de matuense que, posto na Ngimbi, ouviu na rádio do Estado que o cidadão Ismael, aquele que anda a defender "autarquias já", ia lançar um poemário de verdade.
Miúdo Sembe que foi com ele, a pensar que a poesia natural de Mangodinho é igual à poesia artística dos escritores das capitais (municipais, provinciais e nacional) também agitou Mangodinho para ir declamar no Tropical onde estariam os homens de verbo escorreito e linguagem retocada da grande capital.
- Vai Kota Mangodinho. Se ele é teu guia, tua candeia, teu admirado benquisto, promotor das autarquias que muito desejosamente esperas, vai também. Pede para declamar com aqueles Kilamba da Ngimbi cheios de nganza, fato e gravata e muita garganta. Garganta e pausa, Mangodinho, você tem de sobram vai. Vai ser desta vez que Luanda se vai abrir completamente aos teus pés e, em vez de te autarcares no Libolo, eles te edilam já mesmo aqui. Estamos na claque.
Assim mesmo, Mangodinho se inscreveu. Aliás, pediu ao puto Sembe, aquele que enviou à Huíla para se formar em enfermagem, para inscrevê-lo via Facebook. Só que, quando descobriu a conta do cidadão Ismael, a bicha (fila) era enorme. Afinal, os mwadyés da Ngimbi ainda não aposentaram o hábito deles antigo de madrugar nas filas de tudo que seja bom.
Mangodinho volta ao seu Libolo sem declamar?
A ver vamos!
Publicado pelo caderno fim-de-semana do Jornal de Angola, pg 10, edi. 15.04.2018
Publicado pelo caderno fim-de-semana do Jornal de Angola, pg 10, edi. 15.04.2018
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