IMEL, 1994
Ao entrar para o IMEL, em 1994 (testes realizados no ano anterior) eu encontrava-me mais roto do que vestido e mais descalço do que calçado. Concomitantemente, mais faminto do que alimentado. Quando não era "arroz com qualquer coisa" podia ser um "chafé" com "pão burro" ou nada, como podia ser uma ngongwenya. Porém, era portador de bases académicas das mais sólidas do que muitos que, de soslaio, me/nos olhavam com desdém. Tinha estudado no Libolo, numa sociedade ainda sem vícios nem corrupção.
Vivia no gueto e com os colegas também oriundos do gueto mais convivia no instituto. Os da cidade eram de outros grupos estratificados de acordo as posses, zona de residência e escolas frequentadas. Alguns destes, os citadinos e de suposta classe social superior, pareciam arrotar leite, bife e bacalhau e esperteza que não era, grosso modo, coeficiente intelectual superior. Não podendo universalizar, havia, porém, entre os da cidade, alguns "camaradas" (raparigas e rapazes) como o Luís Pedrada, o Maninho Sócrates, a Stela Capango, a Carla Capitango e outros que estavam entre os do gueto e os da cidade, davam-se com todos como mandam os bons ensinamentos.
Como vinha a contar, no fim do ano lectivo, tinha saído a pauta do II Semestre. Parecia que todos choravam ou pelo menos tinham vontade disso: uns de alegria, pelos resultados conseguidos. Outros com cara de quem esperava por represálias ao chegar a casa ou quando os progenitores/tutores se apercebessem da fraca produtividade. Quando fazia as minhas anotações sobre onde devia melhorar no ano seguinte, eis que surgiu ao meu lado uma adolescente. Alta, magra, morena e linda que apresentou um falar curto e altivo:
(Confesso. Ainda não constava do meu dicionário a cor rubra. Só a pensar nas palavras da mocita me dei conta que podia ser vermelha. Chegado à casa, tive mesmo de tirar dúvidas com o mestre mudo).
Nem olhou para mim e foi-se embora. Ela era aluna da 9ª A (no rés-de-chão) e eu da 9ª B (no primeiro andar) do Bloco de Jornalismo.
Fiquei a contemplar a sua alegria que não era melhor do que a minha. Entre negativas (votadas para 10) e recursos, eu somava zero.
Essa jovem (Leda Cristóvão) veio a ser minha colega da 11ª A-Jornalismo e no estágio feito na LAC, em 1997, sendo ela a autora do nome do programa que realizámos "Dicas da Cidade".
Já naquele tempo, 1994/6, soube que havia alunos cujo castigo, caso reprovassem, era passar as férias na África do Sul.
- Se eu passar de primeira, irei gozar férias em Londres. Se for a recurso, o meu pai deixa-me em Lisboa. - Gabava-se o rapaz perante a mim que conhecia a South apenas pelo mapa mundi.
_ E se chumbares? _ Intrometi-me.
_ Se chumbar, o castigo tem sido passar as férias na África do Sul.
_ Férias na África do Sul? Quem me dera ter este privilégio, nem que me obrigassem a dispensar todos os exames?! - Dizíamos nós os do gueto.
Muitos dos catalogados como "os do gueto" e que varriam nas provas, evitando as "rubras" são hoje gente e ombreiam com os da city, tendo deixado para trás a diferença e handicap social.
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Publicado pelo jornal Nova Gazeta
Publicado pelo jornal Nova Gazeta
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