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terça-feira, setembro 01, 2015

NSUNSU ZAONSO ZABOTE


Na semana que se seguiu ao matrimonio os tios da nubente foram visita-la, a pedido do marido que tinha beneficiado os seus com um repasto-teste executado por Boana ainda com o casamento fresco. Tinham passado apenas 48 horas da cerimonia religiosa e copo d'água. A tradição dos vakwombwelo dita que a casada tem de fazer a sua primeira refeição para os sogros, sob supervisão atenta de uma ou duas tias do marido. Assim foi e no final a nota atribuída pelas tias-júri foi positiva ao que em vez de ser multada acabou prendada.

Kapesi fez o mesmo. Não foi à cozinha mas mandou a mulher à loja e ao mercados dos Zimbos comprar tudo quanto fosse típico e do agrado costumeiro dos sogra. Ele mesmo fez questão de apetrechar a garrafeira com as mais elogiadas adegas e destilados escoceses, não se esquecendo do malavu encomendado a um vini-extractor do Sasa. Em fogo brando, o grelhador abraçava caçadas que apimentavam conversas intercaladas entre o bom Português, apendido na escola e destilado apenas em convívios muito formais, o calão e a língua dominante entre os vakwonano de regiões rurais.

- Esse moço, estávamos só a "lhe" desconfiar pelo casamento tardio, mas parece que é boa pessoa. - Atirou Kindala, tio de Boana que representava Menso Mankala.

Choveram garfadas e estalaram copos. Jorrou uva até noite adentro, quando, a olhar para o volume abdominal de Boana, o tio confidenciou à sobrinha.

- O sobrinho é mesmo bom?

Boana viajou ao passado e lembrou-se de uma expressão ukongo que traduzia e simplificava seus sentimentos e sua análise sobre o marido que escolheu.

- Nsunsu zaonso zabote (toda a galinha é boa)! - Respondeu, ganhando do tio a tradução semântica da expressão ora anunciada.

- É verdade, sobrinha. Galinha pode ser careca, sem penas, você "lhe" põe na mwamba, fica sempre bonita na boca da pessoa. Assim também  são as pessoas. Só que se beneficia ou se prejudica com essa pessoa "lhe" faz o justo juízo. Tem mbora razão sobrinha, me desculpa só. Meu neto já está a caminho, almoço com bebidas já nos deu, falta mais o quê? Não liga gente na cidade com mentalidade da selva. - Concluiu o tio já meio canecado.

- Boana deu-lhe o beijo do costume, sinal de que o tio estava já na penúltima ronda da garrafinha alcoólica, ao que reconheceu e acedeu, apelando aos convivas para o discurso de agradecimento e recomendações aos nubentes.

- Já vimos o sol raiar no crepúsculo de Boana. É sinal de que as terras são férteis e dentro em breve teremos herdeiros. Para nós, casamento é isso mesmo. Não se esqueçam de nomear os parentes. Se o fizerem lado a lado fica maia melhor. Na vida a dois não há só sorrisos. Há também tristezas. Há dias que alguém dorme cedo e finge ver bonecos com as crianças só para não se dar encontro com o outro, mas tudo termina no quarto, no leito.

Kindala discursava pedagogicamente e não procurava palavras. Parecia uma lição decorada há anos. E prosseguiu, virando-se ao sobrinho-genro:

- Sobrinho Kapesi, a mulher sempre comeu do não. Fica atento. Às vezes é a mão que lhe dói mas mostra a perna. Saiba ler na escuridão e nunca esqueças a cor da minha porta. Quero muitos netos e um chará. Isso passará por muito tempo de coabitação e equilíbrio. Cada um, à partir de hoje, começam já a conhecer o outro e buscar o meio termo. Tempo de namoro é de mentira. Até diabo vira anjo.

Kindala fez pausa no discurso que já levava tempo apesar de actual, cativante e seguido com muita atenção. Boana e Kapesi seguiam aprovando com a balançar das cabeças.

- Dizia, já para concluir, devem se conhecer de verdade. Vão entrar agora no teate de verdade sobre o marido ou a mulher que cada um escolheu. Também passamos por esses bocados e resistimos. Só uma chamada de atenção à sobrinha Boana: marido não se bate na cara. Bate-se na cama.

Dito isso, e sem deixar margem para comentários à sua expressão final, Kindala marcou o primeiro passo em direcção ao corredor. A garrafa de vinho de 14 anos para combater a pelengwenha do dia seguinte, encontrar-lhe-ia no carro.

Cá em cima, ainda no vigésimo sexto andar de un dos edifícios mais altos da nova cidade de Kipedro, os primos e cunhados fechavam conversas com o habitual e já  quase tradicional "copo da porta".

- A casa está sempre aberta. Venham ver-me e chamem-me para as vossas picadas. Na minha terra é assim: quem casa transita para o convívio e cuidados da outra família. A boana já está entregue, não é isso mor? - Concluiu Kapesi,  abraçando os cunhados Nzuzi, Nsimba e a esposa Boana que não podia estar mais contente do que estava.

Os convivas, de forma espontânea, mas coordenada entornaram goela adentro o "líquido da porta" e comemoraram:

- É isso mesmo nosso 'nhado. Amanhã vamos te arrastar à praça do Sasa para tomar malavu com carne de paca.

E desceram também carregando a encomenda do tio Kindala que se deliciava no carro com a mais nova batida de Socorro, filho querido ukwanano.

Nota: Texto publicado no Semanário Angolense de 12 de Setembro de 2015.

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