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domingo, abril 06, 2014

OS LIVROS E A EXALTAÇÃO À PAZ EM SAURIMO

Saurimo, 04 de Abril de 2014. A Cidade está com um movimento desigual. Coros de igrejas (reconhecidas ou não pelo Ministério da Cultura) atravessam as ruas da cidade de canto a canto. Há chuva, mas ninguém arreda o pé. O destino é o Estádio das Mangueiras onde decorre o culto ecuménico em saudação e oração pelos 12 anos do calar das armas. Cândida Narciso, a governadora, e seu elenco, altas patentes militares e sua praça, comandante da polícia e representantes dos seus diversos ramos, jovens, crianças (que aproveitam o contacto com a relva sintética, enquanto o culto não começa), todos os angolanos residentes na Lunda Sul representados no culto multi-denominacional .
Cantaram os coros seleccionados. Chegou a chuva, mas de pouca dura. Os kimbanguistas decidem enfrentar os dois minutos de chuvisco e inundam o estádio com o som de suas cornetas. O ambiente se refaz. Na verdade, ninguém saiu do estádio. Foi apenas um recuo estratégico das bancadas para a parte coberta do campo de futebol. O culto retoma. Um pastor faz a pregação da "palavra" e o conteúdo é sobre "as vantagens de viver em paz". Faz-se a oração e o protocolo recolhe as ofertas. A governadora dirige-se ao altar e faz apelo à necessidade de se preservar a paz, duramente conseguida, com sangue e sacrifício…
- Olhemos à nossa volta e comparemos com o que éramos e tínhamos há doze anos, antes da paz. – Solicitou a governante.
Chegam os murmúrios voluntários, em jeito de resposta, cada um no seu lugar. A resposta era comum e evidente.
- Muita coisa mudou para melhor. Há muitos ganhos… Respondemos todos, sem coação.
- Então, temos de preservá-la. Temos de multiplicá-la. Temos de expandi-la. - Voltou a apelar Cândida Narciso.
No seu canto, atento, no verso do convite, o cronista apontava: - Mulheres e militares, os que mais sofreram na carne os efeitos da guerra, estão grandemente representados. Ainda bem que todos os angolanos percorrem o dicionário para apagar (para sempre) a palavra guerra que levou muitos de nós a "partir londango por causa do lukango” [1]. De Kabinda ao Kunene e do Lopito ao Lwaw, um só País em PAZ. “Tri-ti-ti” [2] nunca mais, e que a PAZ do Senhor esteja e permaneça connosco para todo o sempre!
Dissipadas as nuvens chuvosas, quando era já o sol quem governava sobre o azul celeste, terminou o culto e todos os caminhos iam desembocar ao Largo 1º de Maio, centro de Saurimo, onde uma equipa procedente de Luanda promovia o festival da PAZ.
Produção agro-pecuária, com produtos alimentares e animais; produção cultural com dança Cyanda,  música ao vivo e de discoteca, artesanato, escultura, e literatura; brinquedos vários para entreter os meninos que, por três dias, desfrutaram de um carrossel. Tudo isso movimentou o largo que se tornou pequeno durante três dias.
Paz com livros
 
Dias antes, a minha caixa de correio electrónico alertava: “Convite para exposição de livros na fera de paz em Saurimo. Estás pronto”? A minha resposta foi imediata.
Os 11 títulos “clássicos da Literatura angolana” (Espontaneidades da minha alma, de José da Silva Maia Ferreira;  Nga Mutúri, de Alfredo Troni;  Delírios, de Joaquim Dias Cordeiro da Mata; O segredo da morta, de António de Assis Júnior; Luuanda, de José Luandino Viera; Sagrada esperança, de Agostinho Neto; Mestre Tamoda e outros contos, de Uanhega Xitu; Mayombe, de Pepetela;  Quem me dera ser onda, de Manuel Rui; Sobreviver em Tarrafal de Santiago, de António Jacinto; Trajectória obliterada, de João Maiomona) reeditados pelo projecto Leia Angola, do Grecima, foram levados a Saurimo ao preço de kz. 500,00. Aos 11 clássicos juntaram outros ficcionistas, dentre eles eu, e lá fiquei autografando para mais de sessenta pessoas em apenas uma tarde.
- Agrada-me o crescimento do interesse dos saurimuenses pela literatura. Foi muito bom autografar 60 livros em uma tarde, numa cidade onde os hábitos de leitura começam a ser resgatados. - Expliquei, satisfeito, à reportagem da TPA.
Os leitores, muitos deles políticos, funcionários da administração do Estado e estudantes universitários, perguntaram também por dicionários e gramáticas, livros que nas aulas de Língua Portuguesa recomendo sempre para comprarem e ler. Infelizmente não havia, mas quem sabe pela próxima se contactem também editoras para se juntarem ao Projecto de Iniciativa Presidencial, o Leia Angola?!
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[1] Expressão em umbundo equivalente a: partir os maxilares por causa da mastigação de milho torrado. Um retrato dos tempos árduos da fome causada pela guerra (música de Capenda Salongue).
[2]Passagem da música de Viñi Viñi, finado músico do planalto central angolano. Tri-ti-ti, por onomatopeia, é o som das rajadas de balas. O mesmo que guerra!

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